Rei Narrando
Papo reto, irmão... tem hora que eu paro, olho pro céu e penso: "É isso mesmo, Deus? Cê me botou pra cuidar dessa doida?" Pietra me mete em cada furada que p**a que pariu... nem eu, Davi, o mais frio da quebrada, calculista pra caralhø, consigo prever os bagulho que ela apronta.
Eu sou seis anos mais velho que ela, crescido no berço do corre, neto de Miguel, bisneto do Horus, cria do PH. Aqui ninguém me respeita só pela coroa que eu carrego, não... me respeitam pelo fardo que eu sustento. Quando eu passo, até sombra abaixa a cabeça. Mas quando é com ela... meu mundo vira.
Prometi proteger ela de tudo, do sistema, dos verme, da guerra... e até dela mesma. Só que é difícil conter o furacão que mora no peito dessa menina. Desde os 16 que ela é fissurada nesse maluco. Já me deu mil prova que é amarradona no cara... E ele, se duvidar, tá igual. Só que diferente de mim, ele não tem que responder pro povo. Eu não tô falando de qualquer uma. Eu tô falando da nossa princesa, que o povo chama de Rainha.
Tô com ela na moto, ainda com o sangue quente de raiva. Aí eu olho de lado, e ela aperta minha bochecha.
— Tu vai mesmo dar pra aquele arrombado, Pietra? — larguei o verbo.
Ela nem piscou.
— Vou, Davi. — Respondeu na pørra de uma naturalidade como se estivesse respondendo um questionário na escola.
Fiquei mudo. A vontade era voltar e socar o Bruno até a alma sair do corpo. Mas segurei.
— Tu sabe que isso muda tudo, né?
Ela olhou pra mim, com aquele olhar que quebra qualquer guerra.
— Já mudou, Rei.
Respirei fundo, com a boca seca.
Papo reto... tem guerra que a gente escolhe. Outras, a gente só assiste o mundo queimar.
Subindo o Morro dos Prazeres já no toque da noite, o céu alaranjado e a quebrada pegando aquele ar de tensão que só quem vive no corre conhece. O vento batia na cara, mas minha mente tava fervendo.
Pietra vinha calada atrás de mim, mas eu sentia... sentia que ela sabia o quanto eu tava putø. Não era ciúme, não. Era peso. Responsa. Eu carrego nome, carrego guerra, carrego tradição, p***a. Ela não é qualquer mina. Ela é sangue do meu sangue, da nossa linhagem.
Encostei antes da curva que leva pra casa da nossa coroa. Tava pronto pra descer, largar a moto e me enfiar no sofá como se a noite não tivesse me tirado o juízo.
Aí ela soltou:
— Me leva pra minha casa, Rei.
Eu girei o pescoço devagar. Olhei pra ela. Olho nos olhos.
— Tu tá de sacanagëm com a minha cara, né? — Perguntei e ela Balançou a cabeça em forma de negação.
— Tô falando sério.
— Cê tá achando que é só descer, dar pra quem quiser e voltar pra tua casa como se nada tivesse mudado? Tu acha que eu vou fingir que não vi?
Ela bufou, bateu a perna no chão e eu desliguei a moto.
— Eu não pedi tua aprovação. Pedi carona.
— E eu não sou motorista. Sou teu irmão. E tua merdä tá fedendo, Pietra.
Ela riu de lado, sarcástica.
— E mesmo assim vai me levar, né?
Fiquei uns segundos encarando. O sangue fervia. Mas o coração...
— Sobe aí.
Ela subiu. A moto arrancou, mas dentro de mim o bagulho ainda tava travado.
Não é fácil proteger quem quer se destruir com estilo.
Parei em frente à casa da Pietra. O silêncio ali era diferente. Era silêncio de lar, de lembrança, de promessa feita lá atrás quando ela ainda nem sabia o que era coração pulsando forte. Ela me abraçou por trás, ainda em cima da moto, forte, daquele jeito que me desmonta por dentro mesmo eu sendo puro concreto por fora.
Desceu da moto devagar, grudando no meu pescoço, jogando o perfume dela tudo em mim.
— Obrigada, Rei… por cuidar de mim. Por deixar o bagulho sem segredo, pra quando o papai descobrir, não ser pior.
Soltei o ar pesado, encostei minha mão na cintura dela, puxei ela mais perto.
— Tu tá brincando com fogo, Pietra… E esse fogo aí, filha, uma hora vai te queimar. Mas fazer o quê, né… não dá pra mandar na p***a do coração.
Ela deu um sorriso safado, colou um beijo estalado na minha bochecha e saiu andando de boa, rebolando como se não tivesse deixado meu mundo de cabeça pra baixo. Esperei ela entrar, esperei a luz acender, aí sim liguei a moto e segui.
A brisa da noite batendo na cara, e eu rindo sozinho. Não tem jeito. Essa mina me deixa maluco desde os 16.
No meio da rua, Bia gritou de longe:
— E aí, Rei! Tá com a carinha de quem tá amando, hein?
Eu ri, já mandando o papo pra quem quiser ouvir:
Deixa eu lançar a braba aqui pra vocês: meu nome é Davi, tenho 26, 1,90 de altura, sou trabalhado na tatuagem e puxo ferro como quem puxa guerra. Quando não vai no fuzil, vai na barra mermo. Eu sou o oposto da Pietra. Ela quer se apegar… eu nem sei se quero me prender. A Paola tem uma queda pelo pai aqui, mas a mina é pra botar no altar. E eu? Eu sou cachorro solto, cria da pista. A primeira boca que eu beijei foi a da Paola… e talvez seja a única. Não tô pra repetir. As outras? Sei lá o que colocam na boca. Não sou de iludir mina que é firmeza. Diferente do MK que é visão, eu sou pørra louca. Vou pra cima, encaro, e se tiver que morrer, que seja vivendo de verdade. As mina pira no meu nome. Os cara? Me odeia. Mas é isso, sou o Rei… e o jogo nunca para.
Cheguei no barraco. A noite tava silenciosa demais pro meu gosto. Estacionei a moto devagar, desliguei o motor no esquema, mas já sentia no ar que tinha coisa errada. Abri a porta devagar e lá tava ele... o coroa, sentado no sofá da sala, só de bermudão, sem camisa, dando um tapa no baseado, olhar fixo na TV desligada. Clássico dele.
— Chegou tarde, hein, Rei? — ele falou sem olhar na minha cara, soltando a fumaça devagar, como quem quer pesar o clima no ambiente.
Fechei a porta, larguei o capacete no chão e fui andando até a cozinha.
— Fui resolver um bagulho com o MK, uns corres pendentes… — mandei o papo, mas nem eu acreditava nessa desculpa esfarrapada. — E tu tá fazendo o que no meu barraco?
Ele riu de canto, aquele riso de quem já viu e viveu o triplo da minha caminhada.
— Tu acha mesmo que engana quem? MK tá no Chapadão desde às sete. A Pietra sumiu, tu some, e volta agora com essa cara de quem esconde o mundo no bolso? Cê esquece com quem tu tá lidando?
Engoli seco. Olhei pra ele com respeito, mas sem abaixar a cabeça.
— A mina só deu um rolé, coroa. Tava sufocada aqui dentro. Eu só fui dar cobertura, na moral.
Ele apagou o baseado no cinzeiro, se levantou devagar, vindo na minha direção.
— Tu sabe que ela é minha princesa, né? E princesa não anda com qualquer um. Tu tá escondendo o quê, Davi?
Puta que pariu… só não pode saber que é o Bruno, mano. O cara tem o triplo da idade dela, aliado de guerra do meu coroa, sangue bom, mas mesmo assim… isso aí, se ele descobre, o morro desce.
— Tô escondendo nada, coroa. Só cuidando da nossa. Igual sempre fiz.
Ele parou na minha frente, encarou fundo.
— Espero mesmo, porque se tiver caô, vai doer pra mais de um. — Soltou me encarando firminho.
continua....