O Inferno Tem um Nome
Dante (Narrando)
O inferno não é feito de fogo.
É feito de pessoas.
Algumas queimam por dentro e disfarçam o cheiro de enxofre com perfume caro.
Eu aprendi cedo que a dor é a forma mais pura de poder. Que quem sente menos vence. E eu venci.
Paguei com sangue, medo e ossos quebrados para aprender a não sentir.
Hoje, controlo impérios.
Homens me temem.
Mulheres me desejam.
E nenhuma delas jamais passou da minha cama para o meu coração — porque lá dentro, não há nada além de cinzas.
O inferno não é um lugar.
É um estado de espírito.
Passei a vida aprendendo a controlá-lo — e a usá-lo contra os outros. A dor é a moeda que move o mundo, e eu aprendi a negociar com ela como poucos. O medo das pessoas é meu capital. Nada me surpreende. Nenhuma mulher me desarma. Nenhum olhar me fere.
Até esta noite.
O salão do Hotel Véronne cheira a poder, perfume caro e promessas sujas. Reunião de investidores, políticos e oportunistas — o tipo de gente que veste terno para disfarçar a alma podre. É o meu território. Cada brinde é uma negociação, cada sorriso, uma mentira bem-embalada.
E então ela aparece.
Um vestido preto que parece ter sido costurado com pecado. Cabelos longos, escuros, caindo sobre a pele quente. Olhos cor de âmbar, densos, atentos. Não há nada de casual nela: cada passo, cada respiração foi pensada para provocar.
Quando nossos olhares se cruzam, o ruído ao redor desaparece. Por um segundo, o mundo parece imóvel, como se até o tempo tivesse parado para observá-la. Ela não desvia. Não sorri. Apenas ergue a taça em minha direção, num brinde silencioso que soa como um desafio.
O nome surge minutos depois, quando um dos meus assessores sussurra:
— Selena Duarte, advogada criminal. Acabou de assumir o caso da Helix Group.
Advogada. Helix. Concorrência.
Perigo.
Mas o perigo sempre teve o dom de me fascinar.
A sigo com os olhos durante toda a noite. Ela conversa com alguns homens que se julgam predadores, mas não percebem que já estão sendo caçados. Há algo nela que não pertence a este lugar — talvez seja a calma. Ou o modo como se mantém firme, mesmo sabendo que é observada.
Mais tarde, saio do salão e a encontro na sacada, sozinha. O vento levanta levemente o tecido do vestido, revelando a curva precisa de suas costas. A cidade pulsa lá embaixo, uma mistura de luz e pecado.
— Está fugindo do caos? — pergunto.
Ela se vira. Os olhos âmbar me medem de cima a baixo.
— Ou talvez esteja esperando por ele.
Sinto um sorriso se formar antes que eu possa impedi-lo.
— Caos é um lugar confortável pra você?
— Quando se nasce dentro dele, aprende a chamá-lo de lar.
Há algo na forma como ela fala — como se cada palavra tivesse sido afiada antes de me atingir. A mulher à minha frente é um espelho distorcido de mim mesmo. Um reflexo que me intriga.
Chego mais perto. O ar entre nós se contrai. O perfume dela é um convite e uma ameaça.
— Você sabe quem eu sou? — pergunto.
— Sei que todos sabem quem você é. E que isso te diverte.
O jeito como diz “te diverte” me desmonta por dentro.
Quase sorrio. Quase.
Ela se afasta um passo. O vestido desliza com o movimento, e o som da seda contra o corpo parece mais alto do que a música lá dentro. Por um instante, penso em segurá-la pelo pulso, impedir que vá. Mas não o faço. Gosto do jogo.
Ela se vira para sair e lança por sobre o ombro:
— Cuidado, senhor Moreau. O inferno adora um homem confiante demais.
E desaparece.
Fico parado ali, olhando o vazio onde ela esteve. Pela primeira vez em muito tempo, não sei se acabei de encontrar um desafio… ou a minha ruína.
Selena (Narrando
Nunca subestime um monstro.
Principalmente quando ele se parece com um deus.
Dante Moreau.
O homem que destruiu a vida da minha irmã sem nem sujar as mãos. O empresário visionário, o bilionário intocável, o d***o de terno.
Passei meses me preparando para esta noite.
Mapeei suas empresas, seus vícios, suas quedas. Estudei cada amante, cada sociedade, cada escândalo abafado. Entrei na Helix porque sabia que ele não resistiria à provocação. Ele é previsível na arrogância. Eu só precisava que olhasse pra mim.
E olhou.
Quando o vi atravessar o salão, entendi por que as pessoas o temem. Ele não anda, ele ocupa o espaço. Tudo nele é calculado: o corte do terno, a postura, a voz. Até o silêncio parece feito sob medida para dominar.
O plano era simples: aproximar-me, ganhar confiança, descobrir o que preciso e destruir.
Mas nada me preparou para o que senti quando ele ficou diante de mim.
O calor. O olhar cinzento que parece ver além da carne.
Por um instante, esqueci o motivo de estar ali.
Quando me perguntou se eu fugia do caos, quase ri.
Se ele soubesse.
Eu sou o caos.
Enquanto conversávamos, estudei cada gesto. A forma como ele inclina a cabeça, como o maxilar se contrai antes de responder. Ele quer controlar até o ar que respira. E é exatamente isso que vou usar contra ele.
Mas há um problema: o controle dele me atrai.
E eu odeio isso.
De volta ao salão, sinto o olhar dele me seguir. É como se o peso do desejo atravessasse o tecido do meu vestido. Finjo indiferença, mas por dentro o corpo desperta, reconhecendo algo que minha mente insiste em negar.
Mais tarde, quando o evento termina, caminho sozinha até o jardim lateral. Preciso de ar. Preciso lembrar quem sou.
— Fugindo do caos outra vez? — a voz dele.
Claro que ele me seguiu.
— Talvez eu só queira silêncio.
— O silêncio é perigoso. Nele, a gente ouve demais.
Viro-me. Ele está a poucos passos. Luz e sombra dividem seu rosto.
— E o que você ouve, Dante Moreau?
— O som de alguém tentando me desafiar.
Dou um meio-sorriso.
— Não se acostume. Eu não sou uma das suas funcionárias.
— Não parece. — Ele dá mais um passo. — Parece algo que o inferno mandou pra testar minha paciência.
O vento sopra, levando meu perfume até ele.
Os olhos dele escurecem.
A distância entre nós é um fio prestes a romper.
Posso sentir o calor, o magnetismo, o perigo. O impulso é quase incontrolável — mas eu me contenho. O jogo precisa durar.
— Boa noite, senhor Moreau. — Dou um passo para o lado. — Até o próximo círculo do inferno.
E passo por ele.
Por um instante, o braço dele roça o meu. É só um toque, mas parece um incêndio.
Sigo andando sem olhar para trás, mesmo sabendo que ele ainda me observa.
Dentro do elevador, o reflexo no espelho me mostra um rosto que m*l reconheço.
Desejo. Raiva. Medo.
As três coisas que jurei jamais sentir de
novo.
Mas é tarde demais.
O d***o me viu.
E eu o encarei de volta.
Fecho
Naquela noite, nenhum dos dois dormiu.
Ele, porque queria entender o que o desestabilizou.
Ela, porque sabia que o plano acabava de se tornar pessoal.
Dois predadores em lados opostos da mesma fogueira.
E o fogo, agora, tinha nome.