CAPÍTULO 11 — NOITE DE LIBERDADE

1348 Words
POV: Jonah vulgo “Cobra” Montenegro O bagulho tava mil grau no alto do morro. O baile parecia uma explosão viva — paredão batendo tão forte que o chão tremia, luz neon cortava a fumaça, a mulherada descendo até o chão sem pudor, motos passando estourando escapamento, fogos riscando o céu igual guerra de mentira. O DJ berrava no mic: — FAZ BARULHO, PERIFERIA! HOJE É O BONDE DO CHACAL, p***a! E a quebrada inteira respondeu como se fosse um exército. No camarote mais alto — aquele feito de grade reforçada, onde só ficava quem tinha moral pra sustentar — eu tava parado. Eu. Jonah Montenegro. Mas no morro ninguém me chamava de Jonah há muito tempo. Aqui eu era “COBRA”. O vulgo grudou em mim antes da cadeia, antes da queda. Por causa do jeito que eu atacava rápido, silencioso, certeiro. Por causa do veneno guardado. Por causa da frieza. E ali, parado no camarote, eu era exatamente isso: uma cobra observando o meu território. Passando o olho em tudo. No movimento. Na tropa. No fluxo. Nas vielas. No bagulho acontecendo a milhão. Respirei fundo. O cheiro quente do morro entrou no peito igual lembrança boa. A cadeia deixou cicatriz, mas a liberdade… a liberdade era o que aquecia. E eu nunca esqueci: quem segurou minha onda quando o asfalto quis me engolir foi a favela, a comunidade, o comando, minha tropa. Negão, enorme, braço direito do bonde, respeitado na marra. Urso, calmo e analítico, cérebro de guerra. Alemão, ex-polícia, agora mais fiel ao morro do que qualquer soldado. Caveira, ligeiro, criado na marra, correria desde moleque. E tinha muitos mais, irmãos que fechavam firme e arriscavam a própria pele para proteger a minha quebrada. Eu tiro o radinho do bolso da bermuda, encostando na boca sem desviar o olhar da multidão. — Passa a visão, Gato. Como tá o morro? — falei baixo, voz firme. A resposta veio na hora, chiada, com barulho de viela atrás. — Tudo nosso, Cobra. Movimento tranquilo. Molecada no vapor tá na responsa, pode ficar suave. Dei um meio sorriso. Gato era novo, mas era daqueles que aprendiam a vida na marra e não arregavam. Magrinho, ligeiro, visão afiada. Se tinha alguém pra confiar o morro quando o baile tava estourado… era ele. — Fica esperto, irmão. — respondi. — Qualquer bagulho estranho, tu me chama. — Tá ligado. Fechamento é fechamento. — ele disse, antes do rádio chiar e cortar. Eu guardo o radinho de volta, puxando o ar quente do baile. Passo a mão na glock na minha cintura. O morro tava seguro. A tropa tava viva. O Chacal tava no camarote. E ainda assim… ele sentia no osso que a calma não ia durar muito. E, a poucos passos dali, sentado no camarote… ele. O Chacal. Meu irmão. A gente tava no pico mais alto do baile, o camarote do bonde, onde só subia quem tinha moral. Tinha fuzil encostado na parede, pente estendido brilhando no neon, mesa lotada de whisky caro, gin importado, energético, vodka, gelo — tudo no nível que a quebrada chamava de ostentação mil grau. A tropa tava arregada, vivendo a noite como quem venceu batalha longa. Corrente grossa no pescoço, camiseta de marca original, tênis caro que na infância ninguém nem sonhava em ter. O bonde do Chacal tava voando — e eu tava ali, no meio deles, como sempre. E ali, deitado na poltrona como se fosse o dono do mundo, tava o Chacal. Cauã. O irmão que a vida me deu. Largado, garrafa na mão, expressão carregada daquele jeito que só eu entendia. Não era só a bebida. Era mágoa. Era cansaço. Era dor m*l resolvida. E, pra completar, uma mulher rebolava no colo dele, rindo no ouvido dele, se pendurando no pescoço como se quisesse provar pra favela inteira que ele era dela. Eu pensei: “Tá dando mole, irmão…” Mas não era bronca. Era aquele cuidado que vem de anos de parceria, tiro, fuga, vitória e perda. O Chacal era mais que chefe. Era família. Era meu sangue, mesmo sem DNA. E a Hannah… Hannah era minha irmã também. Ela e Cauã foram em todos as audiência em cada dia de visita na prisão, eles não me abandonaram. Minha única ponte com o mundo que não era cinza. Mãe dos meus sobrinhos. Parte da minha vida que eu não deixava ninguém mexer. Eu respirei fundo e, antes que o destino chutasse a porta, senti um perfume doce chegar do meu lado. Uma mulher encostou no meu braço, sorriso malicioso, corpo colado: — E aí, Cobra… sumido, né? Tava com saudade de você. Olhei rápido pra ela — bonita, toda produzida, olhar de quem tava pronta pra qualquer coisa. Cabelos negros , olhos castanhos pele morena, usava uma saia curta e um decote bem provocante. Mas eu não tava na vibe... ainda não... — Mais tarde, gata. — falei firme, sem grosseria. — Agora vamo curtir. Pega ali uma bebida pra tu , cortesia do bonde. Ela riu, mordeu o lábio e saiu balançando o quadril, satisfeita com a atenção mínima que dei. A mulher virou de costas pra ir pegar a bebida, rebolando de propósito, sabendo exatamente o que tava fazendo. E eu, no meu instinto de sempre, dei um tapa firme na b***a dela — não forte pra machucar, mas forte o bastante pra mostrar quem eu era ali dentro. — Fica perto, gata… — murmurei, encostando no ouvido dela com aquela calma perigosa. — Mais tarde eu te levo pro abate. Ela parou. Virou devagar, mordendo o canto da boca. Os olhos dela brilharam no neon. — Tô na tua. — piscou, antes de seguir gingando no meio do baile. Eu ri de canto. Não era amor. Não era romance. Era favela. Era noite viva. Era Cobra sendo Cobra, como sempre foi antes de tudo desandar. Mas m*l sabia ela… mal sabia ninguém… que aquela noite estava longe de terminar... A mulher que eu tinha despachado ainda caminhava rebolando no meio da pista quando alguém lá embaixo gritou alto, rasgando a música: — A PATROA TÁ NA ÁREA! O camarote virou a cabeça quase ao mesmo tempo. Meu coração apertou no peito. Hannah. Antes que eu conseguisse assimilar, entender, respirar… PEI. A confusão estourou. Um rastro de vento cortou a pista. Hannah atravessou o baile como se o chão abrisse para ela passar. Olho fixo. Queixo travado. Postura de mulher que veio para resolver. E quando subiu o camarote— —PRAHH! Ela meteu a mão no cabelo da mulher que tava no colo do Chacal e arrancou ela de lá como se puxasse uma sacola do chão. A mulher berrou, se virou, tentou bater, tentou puxar de volta. E em dois segundos as duas tavam ATRACADAS, cabelo voando, unha tentando achar carne, grito, reboliço, a tropa abrindo espaço, o baile inteiro gritando: — EITA p***a! — CARALHOOO! — SEGURA ESSA MERDA! Eu corri imediatamente, instinto puro, irmão protegendo irmã. Salto por cima da mesa, esbarrei num copo, segurei o fuzil pra não cair — mas antes de chegar até elas… Cauã levantou. Levantou duro. Levantou doído. Levantou puto. Ele agarrou o braço da Hannah com força — força demais, força de quem já tava doidão, força que não era dele. Hannah virou o rosto na mesma hora, o impacto seco ecoando dentro de mim. E foi aí, naquele milésimo de segundo, que meu sangue ferveu. Eu bati de frente com ele antes de pensar. Peito colado no dele. Olho no olho. O morro inteiro assistindo. — QUAL FOI, p***a?! — rosnei, a voz saindo grave, perigosa. — VAI TRATAR A TUA MULHER ASSIM, CHACAL? Silêncio. O baile parou. A música sumiu atrás do zunido da tensão. Chacau respirou pesado. Os olhos dele queimavam. Os meus queimavam de volta. E o morro inteiro sabia: o Cobra tinha acabado de bater de frente com o rei do morro. ia acabar em festa.
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