02 - Serpente

1017 Words
Serpente Narrando Fala meus Cria, tudo Mec. Meu nome é Leandro de Lima Filho, mas ninguém me chama assim. Aqui no morro, se tu perguntar por Leandro, vão achar que tá falando do meu pai. Eu sou Leandrinho, ou Serpente. Serpente não é apelido de infância nem gracinha de moleque não, é vulgo de respeito, de peso. Eu sou o veneno que corre na veia do inimigo e mata sem fazer barulho. Tenho 25 anos, sou ruivo, com o olho azul que até engana quem não me conhece. Minha cara pode até passar ar de europeu perdido no Rio, mas não se engane: por trás desse olho claro tem um demönio pronto pra fuzilar se precisar. Tenho 1,90 de altura, corpo todo rabiscado de tatuagem. Só não tatuei o paü e a bünda porque também não sou maluco. O resto? Ombro, braço, peito, barriga, perna tudo marcado. Cada risco na pele é uma história, um sangue que já derramei, uma lembrança que não sai. Sou gêmeo da Íris. Minha irmã é o oposto de mim. Enquanto eu puxei pro meu pai, ela puxou pra minha mãe. A Íris é enfermeira, vive dentro do hospital aqui do morro, salvando gente, cuidando de vida. Eu? Eu tiro vida quando preciso. Ela é luz, eu sou a Escuridã. A gente se completa. Crescemos juntos, dividindo tudo, mas cada um seguiu seu caminho. Ela é calma, eu sou a tempestade. Meus pais são dois extremos. Meu pai é o Monstro do Jacarezinho. O nome já diz tudo. Ele não ganhou esse vulgo de graça, não. Ele construiu na bala, no medo, no sangue. Monstro é força, brutalidade. Um homem que se tu olhar atravessado já se födeu tudo. Minha mãe é a Isabela, ou Bela, como todo mundo chama. Não é Monstra, mas é firme igual. Diretora do hospital do morro, mulher de pulso, de resistência. Onde meu pai pesa a mão, minha mãe bota o equilíbrio. Enquanto ele resolve na pólvora, ela resolve na calma, no controle. Eu cresci no meio dos dois mundos: da selvageria e da sensatez. No fim, eu puxei ao meu pai. Sou o braço direito dele. Conheço cada viela, cada ponto de venda, cada soldado do morro. Respeito é o que tenho e medo é o que eu boto. Não sou bom, nunca tentei ser. Pelo contrário, eu posso ser letal como veneno na veia. Não tenho medo de nada nem de ninguém. Mas também não sou de atrasar o lado. Se não mexer comigo, segue tua vida de boa. Agora, se tentar, parceiro, aí tu já tá morto, só não percebeu ainda. Só que eu nunca me contentei só com o trono do morro. Eu queria mais. Algo maior que esse mundo que eu já conhecia desde moleque. Não queria viver só de boca, pó e fuzil. Queria botar minha marca fora. Foi aí que comprei um imóvel na Zona Sul e criei a Boate Víbora. Hoje é um dos maiores points do Rio. Se tu não conhece, é porque não tem grana ou moral pra entrar. Na Víbora, eu sou rei da noite. Lá não existe comunidade, nem boca, nem guerra. Lá existe música, luz, bebida, mulher bonita e o meu nome estampado em cada canto. Meu gerente é o Caçula, ele cuida de tudo no dia a dia, mas quase todo santo dia eu desço pra lá. Gosto de sentir a energia, de ver o povo se acabando na pista, de ser olhado como o dono do pedaço. E não é mentira: eu sou. Meu pai me apoiou na ideia da boate, até porque sabia que ia dar dinheiro. Minha mãe tem medo, acha perigoso, mas nunca deixou de me apoiar. E, mano, eu sei que ela tem razão. A vida que eu levo não tem final feliz, mas até chegar lá eu vou viver do meu jeito. Se tem uma coisa que todo mundo precisa entender: eu posso ser de muitas, mas só uma pode ser minha rainha. E essa, quando chegar, quem tentar tocar tá födido. Eu sou daqueles que protege o que é meu até o último segundo de vida. Não sou o tipo romântico, desses que se apaixonam em cada esquina. Eu como hoje e se me der amanhã como se fosse novo. Nunca fui de me apegar muito. Aqui no morro mesmo, quase não me envolvo. Peguei só duas minas de verdade, e uma delas foi minha ex. Ficamos quase dois anos juntos, mas quando veio com papo de herdeiro, eu mandei vazar. A maluca ainda inventou gravidez. Minha mãe, que não deixa passar nada, levou ela pro hospital e descobriu que não tinha pörra nenhuma de criança. Gravidez psicológica, foi o que os médicos disseram. Eu? Mandei internar. Doida não vai föder minha vida. Depois dessa, nunca mais quis saber de relacionamento sério. Hoje eu sigo minha vida do jeito que quero. Sem coleira, sem corrente. Na noite eu mando, no morro eu comando, em casa eu sou filho e irmão, mas na rua eu sou a pörra do Serpente. Respeito é moeda, e a minha vale caro. Eu sou o tipo de cara que gosta do perigo. Adrenalina corre no meu sangue. Já levei tiro, já vi a morte de perto, já enterrei parceiro. Nada disso me parou. Porque, no fundo, eu sei que eu não vim pra ser comum. Eu vim pra ser lenda. E se tem uma coisa que aprendi desde cedo é que nesse jogo só sobrevive quem é mais frio, mais calculista e mais traiçoeiro. E nisso, irmão, eu sou mestre. Não é à toa que me chamam de Serpente. Eu não preciso gritar pra ser temido. Eu só preciso aparecer. E, mano, se tu ainda não entendeu, eu não sou bom. Nunca fui. E quem tentar testar, vai descobrir o gosto amargo do veneno. Jacarezinho é minha Casa, mas a víbora é meu lar. E não tem pörra de dupla personalidade não, é um só vivendo dia após dia e esperando o amanhã. Não faço planos, faço meta. Não sonho. Eu realizo e bora pra cima que esse sou eu.
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