O menino que fugia e a garota que não se encontrava

2000 Words
A melancolia do retorno às atividades normais, após aquele bordão que tanto foi se repetindo ao longo da pandemia: “o novo normal”, vem sendo imposta de maneira gradativa, mas ainda possui aquele gosto r**m na boca, visto que o retorno da rotina de fato, sem às máscaras ou o problema do COVID, não foi para todos. Nem todos nós conseguiram sobreviver do m*l do vírus, logo, tem aquele motorista de condução que sobreviveu, mas conta histórias dos alunos que ficaram sem pais ou das mães que tiraram os filhos da condução, porque morreram. Do esposo viúvo ou da mulher que perdeu o marido. Dos pais idosos que enterraram os filhos ou o neto que foi o único sobrevivente. É nesse tom melancólico que vimos nosso protagonista atravessar a cidade, enquanto encarava os coletivos e as pessoas, o céu, o amar e o retorno das atividades “normais”. No momento exato em que Vágner iria meter a mão na maçaneta pra abrir e falar com sua namorada, Júlio, um grande amigo, esbarrou. — Tá fazendo o que por aqui, cara? — questionou o rapaz. — Júlio? — Vágner passou os olhos pelas redondezas, parecia procurar alguém, estava confuso pelo simples fato de Júlio estar por ai sozinho. Enquanto isso, Júlio, nosso novo personagem, está completamente distraído com a situação que se formava em sua frente. O que posso dizer para apresenta-lo melhor? Júlio é um rapaz gentil e estudioso. E só! Não é porque ele é um personagem de um romance que tem que ser cheio de qualidades e substantivos formais de um protagonista, pois também isso é algo que ele não é. Júlio é apenas um rapaz simples, pacato e humilde que está rodando pelos corredores do hospital. Posso pelo menos te dizer que ele é alto e maluco por estudar, além de ter uma inteligência rara, é loiro e gosta de conversar, ok? Tem os olhos um tanto claros, um corpo até que bem atlético, além de ter vinte e sete anos de idade. Nada maduro, mas também não é infantil. É o tipo certo de homem que uma mulher se apaixonaria e teria filhos, mas sem nada muito especial. — O que faz aqui? Onde está o seu pai? — ponderou Vágner. — Bom dia pra você também amigo. — brincou Júlio abraçando-o. — Falo sério cara, eu me preocupo. — Com meu pai? É verdade. Vágner o encarou com seriedade. — Meu pai está conversando com o médico, lá na recepção. — Sei... — Ele anda meio m*l, sabe? — Uhum. . . — Mas eu estou bem, sabia amigo? — Posso ver. — Obrigado amigo, você é um amigo. — Irritante como sempre, viu? Os dois riram. No meio da conversa, Vágner se afastou um pouco da porta e caminhou até o meio do corredor, a fim de encontrar-se com o pai do Júlio, bem como conseguir conversar com seu amigo, mas notou que enquanto ele conversava, reagia aos encantos de outra pessoa. — O que houve cara? Júlio parecia um pouco sem graça. — É que eu conheci uma garota que conheci aqui, nós sempre trocamos ideia, a mãe dela está doente e o meu pai também, logo, nós temos muitos assuntos em comum. Vágner estava realmente assustado e empolgado com a notícia. “Quem sabe assim, ele sai dessa”. — pensou. — Que legal pô, e cadê ela? — Tá ali, me esperando, tá vendo? — Ali? A garota? — Vágner olhou meio desconfiado. Acredite, nosso protagonista encarou todos os cantos e lugares, muitos rostos de pessoas e olhares desconfiados, mas nada encontrou. Júlio foi quem se irritou. — Deixa pra lá, sabe? — Grosso! — É que você não sabe, mas só tem olhos para a Gabriela mesmo. — Júlio lhe estendeu a mão. — Tá bom seu vacilão, mas se cuida, tá? — Vágner apertou a mão de volta. — Sim Senhor Capitão Senhor! No instante em que Júlio se retirava às pressas, Vágner colocou a mão em seu ombro o impedindo. — O que foi? — questionou ele, sorridente. — Sabia... Que... — Vágner estava um tanto hesitante. — Fala logo cara! — É que minha irmã te mandou um beijo. Naquele segundo. O ar envolta dele mudou, todo aquele semblante infantil e engraçado no rosto de Júlio se transformaram assim que ele se lembrou de Ária. Agora sim, ele se parece mais como um protagonista de um romance jovem adulto, com todos os seus sinônimos caprichados, aparentando ter os seus vinte e sete anos de idade. Júlio o encarou, Vágner, hesitante, foi quem se encolheu diante dele. — Você sabe melhor do que ninguém que ela nunca iria me mandar um beijo, não? — Júlio fugiu dos olhos de Vágner. Nosso protagonista sorriu meio sem graça, parecendo concordar com a situação, bem como o argumento dele. — Bom, pelo menos foi bom saber que você ainda reage quando escuta o nome da minha irmã. — Aquele que não reagir à sua irmã, é louco ou já perdeu o motivo para viver. Vágner riu. — Vai embora cara! — brincou Júlio. — Tchau irmão. Júlio saiu andando com aquela raiva amistosa de seu melhor amigo, direto para a recepção. Ele buscava, não só a garota, mas como seu pai e isso lhe deixava meio perdido, como entediado, afundado na congelada cadeira da recepção da Clínica, sem nada para fazer. Sua maior inimiga, era a recepcionista, que lhe encarava sempre que dava, parecia estar vigiando ele de alguma forma. “Ela é estranha, mas ás vezes me parece que não, mas porque é que não para de me encarar nunca?” — pensou ele. Enquanto pessoas com e sem máscara entravam e saiam sem parar, fazendo a rotatividade do lugar crescer e girar em torno do vírus que já erradicado, tem aquele grupo de pessoas que antes negavam, mas que agora afirmam que ele ainda existe, além do grupo que simplesmente não via a hora de tirar a máscara. O importante é que todos eles se encontravam no hospital, cada um quebrado de uma maneira diferente. É no meio desse caos de ir e vir que um dos pacientes recebeu alta e saiu pela porta da frente, de onde o segurança abriu a porta da recepção, e dela, um maravilhoso vento praiano soprou do lado de fora até o rosto de nosso confuso herói. Júlio, entediado demais, encarou o teto. “Tem tanto tempo que eu não vou à praia, que já nem sei mais o que é aquele gosto de sal na boca ou os gritos dos ambulantes vendendo água”. — imaginou. Contudo, uma estranha figura, uma sombra, algo que ele não se recordava, mas sabia que existia, invadisse seus pensamentos mais íntimos. “Quem é ela? Aliás, como eu sei que é ela?” — pensou. Júlio voltou a encarar a recepcionista que pareceu escrever algo, anotar coisas e fazer exatamente aquilo que as recepcionistas fazem. Júlio estava entediado, mas ao mesmo tempo, preocupado com as lembranças que se formavam em sua mente. Do nada, assim, bem de repente, Júlio fechou os olhos e respirou fundo, aspirando para dentro de seus pulmões um doce aroma contagiante o suficiente para lhe deixar bêbado e que tomou o seu cérebro. “Este é um perfume extremamente familiar”. — pensou de olhos fechados. Quando encarou aquele amontoado de revistas antigas que ficam nas recepções de clínicas e hospital, uma dor gritante, bem no alto de seu cérebro, começou a arder e latejar. Ele, incomodado, passou a mão aberta da cabeça até a nuca. “Às vezes me lembro de algo. De alguém. De você. Mas quem é você? Quase sempre peço para o vento te levar meu beijo e te contar que eu te amo, mas quem afinal de contas é você". Era o que pensava Júlio, sonhando de olhos fechados, um pouco antes de ser interrompido por uma linda mulher que apareceu do nada em sua frente, usando uma máscara e puxando assunto. — Você é o próximo? — questionou. — O que? — O próximo pô? Já foi atendido? — Ah, eu não, estou aqui esperando meu pai. Ele está numa consulta rotineira. — Ah tá. — desconversou. — Mas e você? — insistiu ele. — Vim visitar minha irmã. — Ela está com COVID? — Não, mas não custa nada à gente se prevenir, né? — É. Essas vacinas são fogo, eu mesmo fiquei uns dias arriado. — Eu também, mas prefiro continuar de máscara em locais fechados. Não custa, entende? — Você tem razão! — Qual o seu nome? — questionou a garota. — Júlio, e o seu? — Yaskla. “Yaskla, me parece familiar, por quê?” — pensou. Nossa nova personagem é Yaskla. Uma morena finíssima, daquelas que vemos nos comerciais de perfume ou das roupas de grifes famosas pela Tv. Dona de longuíssimos cabelos lisos e escuros sempre acompanhados de uma boca marcante e um belo par de olhos misteriosos. E isso é o que ela mais tem mistério! O ar envolta dela é diferente e especial, é gelada e tímida, fria e encantadora. Alguns dizem que ela não existe de tão linda e simpática. — Nós já nos conhecemos? — questionou ele. — Eu não sei, eu não me lembro, tenho problemas de memória. — brincou ela. Mas na boa? Vamos deixa-los um pouco de lado, para eles se conhecerem, ou se reconhecerem melhor. O desenvolvimento deste casal não é importante, irei cortar logo para os protagonistas da história, pois Vágner ainda estava empacado na porta do quarto de Gabi. "Já faz um tempo desde nosso último encontro, quem dirá de nosso primeiro encontro? Aquela queima de fogos foi marcante para mim. Nós nos divertimos muito naquele dia. Será uma pena se este sonho nunca acontecer de novo. Mas eu realmente acredito que aquele ano novo não voltará a se repetir." — pensou Vágner enquanto aproxima sua mão, uma vez mais da maçaneta da porta do quarto de sua namorada. — Vágner! — esbravejou uma mulher. Nosso herói se virou confuso, mas abriu um sorriso ao ver quem era. — Oi, Dra. Helena. A mulher se aproximou e lhe deu aqueles dois beijinhos de cada lado do rosto, típico entre bons amigos. — É sério Vágner? — O que? — Helena já é o suficiente, não? Você já vem aqui há tanto tempo que eu te vejo mais do que meu próprio marido. — brincou. Os dois riram. — Doutora? — Sim? — respondeu abrindo o seu maravilhoso sorriso. — Como ela está? — Bom... — Helena puxou sua prancheta debaixo de seu braço, encarou a ficha e mordeu a ponta da caneta. — Ela até que vem melhorando, seu quadro está se encaminhando para uma alta recuperadora em sua vida. Mas... — Mas...? — continuou Vágner. — é que nós ainda não sabemos como o COVID pode influenciar o seu quadro, me entende? Se isso é algo traumatizante demais para mim até os dias de hoje, imagina pra ela? — É, sei bem como é, pra mim também tem sido difícil. — Ela vem deixando coisas escaparem e pensamentos voarem sabe? — Hmmm... — Parece brincadeira, mas por incrível que pareça, só apresenta uma melhora quando está contigo, sabe? — Imaginava. . . — Mas o final você já sabe. . . — pontuou Helena com pesar no tom das palavras. Helena e Vágner fugiram dos olhos um do outro, parecia ser um assunto em que eles não só evitavam, mas sabiam o que aconteceria e mesmo assim, não queriam falar. — Sei que fico remoendo essas coisas, mas pra mim está tudo bem, pois mesmo que eu tente esconder que a amo tanto assim, meus olhos não param de dizer que eu a amo tanto assim. — rebateu Vágner sorridente. Nosso protagonista abriu a porta do quarto, enquanto Dra. Helena retornou à sua sala. "Só um milagre os salvaria". — pensou ela.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD