FH narrando*
Leticia me encara e me vê no celular. Ela coloca a xícara na mesa com força, fazendo com que a xícara se quebre ao meio. Eu a encaro, e ela me encara.
— O que está fazendo? — eu pergunto.
— Desde que seu irmão desapareceu há um ano, você está assim todos os dias. Dorme e acorda com a porcaria desse celular, vendo a mesma coisa!
— Para com isso, nem é para tanto! Eu resolvo as coisas do morro e sempre estou presente dentro de casa.
— Ah é? — ela pergunta, me olhando. — Você estava onde quando seu filho de três anos ameaçou matar o coleguinha na escola porque o pai dele faz e ele também pode fazer?
— É assim que começa a próxima geração — eu respondo, e Leticia franze os olhos; vejo que ela está ficando nervosa.
— Enzo é uma criança de três anos — ela responde.
— A primeira coisa que vou fazer é dar um vulgo para ele. Traficante chamado Enzo daqui a 15 anos será uma vergonha — ela me olha irritada.
— Félix — ela chama pelo meu nome para mostrar que o negócio está ficando preto — se dedique mais à sua família, senão você vai perder ela. O carro do seu irmão foi encontrado alvejado, o corpo sumiu, é claro que foi queima de arquivo.
— Eu sei quem fez isso, foi TH — eu respondo, e ela me encara. — Eu vou vingar a morte do meu irmão.
— Passou um ano e você ainda não vingou; quanto tempo vamos esperar por você? — ela questiona.
— Nunca deixei de cumprir meu papel dentro dessa casa.
— Então é melhor você rever que papel você quer cumprir — Leticia fala, me encarando. — Pode ser o fodão lá fora, mas dentro dessa casa você é, no mínimo, o fodinha!
Ela sai toda nervosinha, rebolando a b***a, e chama Enzo para levá-lo para a creche.
Eu me levanto e coloco a xícara fora, resolvo nem tomar café; capaz de Leticia ter envenenado.
Eu sei que no último ano minha sede de vingança contra TH só foi aumentando; tudo que ele poderia fazer para tentar prejudicar meu morro, TH fazia. Até hoje não entendo qual foi a dele de ter virado do nada contra todos, ter desfeito negócios importantes e ainda por cima ter saído como traíra. Eu evitava invasões no meu morro porque sabia que precisava proteger meu povo.
Meu pai me ensinou lealdade aos moradores aqui dentro. Se estou no comando do morro, não é para colocar medo em ninguém, e sim para ganhar o respeito de todos; e assim eu comando o morro da Babilônia, com inteligência e sendo sagaz.
Eu começo a descer o morro, e o calor do Rio de Janeiro estava infernal. Gostava de bater perna dentro do meu morro, ver os moradores e cumprimentar todos; ao contrário dos outros donos que viviam com aquelas motos para cima e para baixo se achando. Eu tiro a camisa e paro na frente da boca, chamando Renan, que estava na porta da boca geral fumando um baseado.
— Caiu da cama cedo — eu falo para ele.
— Já você, pelo jeito teve que ser empurrado. Olha a hora — ele fala rindo.
— Olha o respeito — eu falo, acendendo o baseado.
— Movido a maconha.
— Só assim para aguentar a Leticia com as paranoias na minha cabeça desde cedo — ele fala.
— Ela passou por aqui com o Enzo — ele fala rindo.
O nome do meu filho sempre era motivo para todos me zoarem.
— Raul me mandou uma mensagem — eu falo. — Tem uma carga grande chegando para TH; vamos interceptá-la.
— Não acha mais fácil a gente invadir e matar TH pela morte do Wagner? — ele pergunta.
— Não, porque eu não acredito que meu irmão esteja morto — ele me encara. — Eu tenho certeza de que Wagner conseguiu fugir.
— E onde ele estaria?
— Eu não sei — eu falo pensativo — mas preciso descobrir o porquê de ele fugir e não voltar para o morro!
Eu e Renan nos encaramos, até que somos surpreendidos por Manco.
— Renan, é para você! — Manco fala.
Eu e Renan encaramos Manco, e encaro a garota que estava com ele, com a pele parecendo bronzeada, os cabelos cacheados e os olhos escuros. Ela nos encara; vejo que está machucada no rosto e nos braços, ela coloca a mão sobre o seu machucado.
— Bruna? — Renan pergunta, surpreso. — O que você faz aqui?
— Eu preciso da sua ajuda! — ela responde. — Podemos falar?
— Vem — Renan fala. — Depois terminamos — ele fala, e eu assinto com a cabeça.
Observo Renan levar a garota para a boca, Manco se aproxima de mim, e eu levo o baseado à boca, dando uma tragada.
— Quem é essa garota? — eu pergunto.
— Bruna, prima de Renan — ele fala, e eu estreito os olhos.
— Bruna? Bruna, aquela garotinha que morava aqui? — eu pergunto, e ele me encara.
— Ela mesma.
— Ué, ela não tinha ido embora?
— Foi, mas pelo jeito voltou — Manco fala. — Vou descer para a entrada, qualquer coisa chama no rádio.
Manco desce, e eu estreito meus olhos pensando na vinda dessa garota para o morro, do nada! Algo me diz que devo ficar de olho nela.
-