Marcados

2417 Words
Capítulo - I Marcados Tiana " Você pode ter qualquer coisa na vida se sacrificar todo o resto por isso." ( J.M . Barrie) Essa frase nunca carregou tanta verdade. É possível realizar qualquer desejo que temos, mas é necessário estar disposto a enfrentar tudo que nos impede de alcançá-lo. Eu renunciei a muitas coisas para ter momentos que, na minha visão, valeriam por toda a minha vida. Ao tentar escapar da rigidez do mundo, acreditei que o segredo também me livraria da responsabilidade pelo que fiz. Acreditei nisso, mas não me preparei para o que o destino tinha reservado. Não me preparei para a mão do destino que mudou tudo como se fosse um jogo e fez o meu segredo ser revelado. O buquê de orquídeas brancas em minhas mãos se inclina com suas flores em cascata, assim como a chuva que cai lá fora, vinda de grandes e pesadas nuvens. Está sendo diferente do que eu imaginei. Era uma vez um conto de fadas que nunca existiu... o medo que se transformou em pesadelo... _ Você está linda! Olho para Tininha, que sorri radiante, enquanto o vestido que estou usando me aperta tanto que parece humanamente impossível respirar. _ Obrigada, minha amiga. Meus olhos espelham a apreensão. _ Olha essa chuva que não cessa! Vai estragar com a decoração, ainda bem que pelo menos não temos vento. Joaquina se aproxima e arruma o véu em minha cabeça. Uma peça que comprou na França para usar no dia do seu casamento. _ Não deveria ter me presenteado com algo caro, Quininha. _ Por que não ? Sou sua madrinha é meu dever zelar pela minha noiva mais amada. Recebo um abraço e choramos juntas. Estamos dentro do quarto da minha amiga. _ Obrigada por tudo... quero te pedir algo. - minha voz sai embargada. _ Peça, minha querida. _ Cuide dos meus pais e do meu irmão, Tomazio tem o sangue quente e.... _ Cuidarei e sempre estaremos em contato, use o celular que meu pai te deu. Por favor, nos dê notícia suas, Alemanha não é logo ali, tão perto que dê para chegar de ônibus. - sorrimos juntas. Joaquina segura as minhas mãos. _ Meu Deus! Você vai casar!Vai casar, minha linda!- recebo mais um abraço, estamos cheias de emoções. _ Não era assim que.... _ Não importa, meu bem, não importa....Você o ama?- pergunta ao se afastar e soprar vagarosamente em minha face para que as lágrimas não escorreguem por minha face e manche a maquiagem. Balanço a cabeça em afirmação. _ Então está tudo certo. Você será feliz, futura senhora Wolfgang. Quero muito acreditar nisso, muito mesmo. Acontece que depois que tudo aconteceu, Alef mudou. Lembro com agonia que ele levantou-se colocou a roupa e me disse um adeus tão frio que doeu na alma. Não havia nem sombra do homem gentil que foi, tudo tinha se esvaido. _ Arrumei suas malas, coloquei roupas quentes, botas e bolsas. _ Não deveria se desfazer das suas coisas. _ Quero que não se preocupe comigo e sim com você, sorte a sua usarmos o mesmo manequim. - Joaquina sorri pega o celular e tira uma fotografia minha. Escutamos alguém bater à porta. Quininha vai abrir e quando o faz vejo o Coronel. _ O noivo chegou. Vamos, Tiana , seu pai te espera. Balanço a cabeça em afirmação. Caminho feito um robô, sem delicadeza o nervosismo me consome. Saio de braços dados com o coronel, enquanto Joaquina se ocupa em ajustar a calda do vestido e o comprimento do véu. Meu coração bate tão forte que o som ecoa na minha cabeça. _Está sentindo frio, menina?- ele olha para o meu rosto- Não fique assim, você mesma está arrumando a bagunça que fez. Se tivesse dado ouvidos e seguido a educação que seus pais te deram, não estaria passando por isso. Casamento não é algo fácil; exige muita disciplina, jogo de cintura e vontade para superar os desafios e permanecer juntos. Feliciano não está contente com o fato de você se casar com alguém de fora, alguém que não conhecemos, sem saber de onde veio ou quem são os pais. Você entende, Tiana, quem se meteu em confusão. Baixo a cabeça, não tenho nada a dizer; pelo contrário, sinto uma vergonha imensa, pois Gumercindo sempre esteve presente na minha criação e sabe da educação que recebi, a mesma que meu irmão Tomásio teve. O coronel também estava lá quando meu pai me deu uma surra com uma toalha molhada, e quando minha mãe pregou as janelas do meu quarto, me trancando lá dentro com a chave, para que eu não fugisse e fizesse a coisa certa. Ele também presenciou o momento em que a mão pesada de Dona Ermelinda atingiu meu rosto quando eu disse que não iria me casar. Não está sendo fácil ouvir certas verdades; por mais que ele tenha razão, também dói e machuca. Já estou no fundo do poço e não preciso de ninguém me chutando. _Estou limpando o nome do meu pai, não estou? Estou restaurando a honra dele e do meu irmão, para que não andem por aí mortos de vergonha. _Você está sendo sábia e sensata, menina; não está fazendo mais do que o seu dever como filha, porque nenhum pai quer passar vergonha e sofrer a humilhação de ser apontado na rua por causa dos deslizes dos filhos. Emudeci, não tenho mais nada a dizer, e a poucos passos chegamos à sala onde Tomásio, meu pai, minha mãe e algumas poucas pessoas me aguardam. Trovões ressoam como se fossem uma trombeta anunciando minha chegada. Eu me encolho e olho para o teto forrado. _ A chuva não para de cair, compadre; isso é um grande presságio para o casamento, é Deus alertando que não deve acontecer. Pela primeira vez, estou ouvindo meu pai se opor a esse enlace. _ Não se atormente, Feliciano; chuva é sinal de renovação, boas bênçãos e prosperidade para o casal. Além disso, está tudo organizado, leve Tiana para o altar. Gumercindo me entrega ao meu pai; os olhos do velho Feliciano brilham ao me ver vestida de noiva. _ Você está tão bonita, parece um anjo....- murmura. _ Agradeço, meu pai. Observo minha mãe enxugar as lágrimas e Tomásio me olhar com tristeza. Em breve nós não estaríamos mais juntos; em breve ele não me veria sair correndo da cozinha para o receber e dizer que a nossa mãe fez as broas de milho que ele gosta; em breve eu não ouviria todos os dias as vozes deles, a separação está me matando lentamente. Tento controlar o meu choro, minha agonia. Toda a festa e os detalhes foram decididos por Dona Emiliana, junto com minha mãe, Joaquina e com a aprovação do coronel. Dona Ermelinda sempre sonhou que eu me casaria dentro de uma igreja, rodeada por flores brancas, com um vestido estilo princesa e um véu cobrindo meu rosto; ela sempre disse que o branco representa a pureza. Embora eu esteja fugindo da regra de casar dentro de uma igreja e sim em um ambiente organizado em uma fazenda, tenho certeza de que ela não abriu mão das flores brancas. Observo o senhor Gumercindo, junto com os demais, saírem primeiro, indo na direção de onde foi organizando tudo. Em seguida, meu pai e eu descemos as escadas. O Coronel havia solicitado a montagem de uma cobertura removível para nos proteger do sol, mas agora enfrentamos a chuva. Assim que piso no gramado, uma camada de água entra nas minhas sandálias. Olho para meu pai. — O vestido vai molhar. — Não importa, o mais importante é que você vai se casar e ter um nome. Ninguém vai falar m*l da filha de Feliciano. Aperto o buquê com mais força enquanto meu pai me guia até a entrada do gazebo. Os convidados se apertam nos bancos, e as colunas cobertas de flores brancas marcam a entrada, enquanto o tapete vermelho está encharcado. Engulo em seco ao vê-lo no altar, perto do oficial de registro civil. Fico surpresa com a cor da roupa dele. — Ele está vestido de preto, como se estivesse em um velório — murmura meu pai, visivelmente desapontado. É um contraste: ele todo de preto e eu de branco, ele com seu semblante sério e eu, amedrontada. Os passos que dou são pesados, a barra do vestido pesa e o véu arrasta-se na água. Nunca vi tanta chuva nessa região. Os trovões ecoam, como se fossem uma reprimenda de Deus por eu ter conhecido os prazeres antes do tempo certo. Não consigo olhar para ninguém; meus olhos estão fixos no pequeno deck onde Alef está com sua tia. Em poucos minutos, estou perto dele, meu corpo treme. Alef me observa, seus olhos estão vazios, sua expressão é sombria. — Entrego-lhe minha filha, cuide bem dela — meu pai diz, mas não recebe nenhuma resposta ou o menor gesto do homem, que continua a me olhar com frieza, apesar de sua expressão neutra. Diante da ofensa do genro, meu pai se afasta para ocupar o lugar vazio ao lado da minha mãe. — Alef... Meu braço é agarrado abruptamente. O homem me faz subir um pequeno desnível para ficarmos de frente ao oficial. A cerimônia começa, mas não consigo prestar atenção em nada. É como se meus ouvidos lutassem contra tudo isso, talvez minha alma, mas isso não faz sentido, já que não consegui resistir ao seu poderoso encanto. Educadamente, o oficial prossegue com algumas palavras e frases de praxe — parte do contexto, que raramente muda, já que casamentos acontecem todos os dias ao redor do mundo. Depois, ele lê a ata e chega o momento das perguntas; meu estômago está tão apertado... — Sr. Alef Castiel Wolfgang, é de sua livre e espontânea vontade que você aceita a senhorita Sebastiana Barroso Delgado como sua legítima esposa? Vejo seus olhos verdes se fixarem em meu rosto. O tempo que Alef leva para dizer o "sim" seco e amargo é o mesmo que ele passa olhando para mim. — Senhorita Sebastiana Barroso Delgado, é de sua livre e espontânea vontade que você aceita o senhor Alef Castiel Wolfgang como seu legítimo esposo? — Eu, n... A dor em minha mão me faz olhar para Alef. Ele está esmagando meus dedos, exercendo uma pressão intensa. Seguro um gemido, enquanto lágrimas se acumulam em meus olhos. Tento retirar minha mão do aperto dele, mas não consigo. Ele continua a exercer sua força brutal até que murmuro um "sim", que sai sufocado, enquanto lágrimas escorrem dos meus olhos. Assim que minha resposta é dada, o aperto afrouxa, e consigo me livrar de sua mão. Meu olhar para Alef é de medo e surpresa; não esperava que ele fosse capaz de me machucar assim. O oficial prossegue com a cerimônia e, em seguida, pede que façamos os votos. Depois, trocamos as alianças e finalmente chega o momento de assinar o livro. Quando é minha vez, estou tão nervosa que a caneta m*l fica em minha mão. Forço meus dedos a deslizar a ponta da caneta pelo papel. — Com o poder que me foi concedido... De repente, a chuva se intensifica. O teto de lona branca não suporta e se rasga ao meio, fazendo com que a água invada o interior da tenda. Os convidados correm apressados em busca de abrigo, e o oficial faz o mesmo. Ficamos apenas eu e ele em cima do pequeno altar montado. A chuva nos atinge, é volumosa e nos molha completamente; pesada e intensa. Penso em sair, mas sinto sua mão segurando firme meu braço. Meu olhar encontra o dele, carregado, enquanto seus olhos verdes repousam sobre mim. — Parabéns, você conseguiu o que tanto queria. Sua forma de falar é ácida, e não consigo entender. Quando olho em sua direção, sou surpreendida por um beijo que não é bem um beijo; Alef morde meu lábio inferior, e grito entre seus lábios no momento em que sinto a dor da carne sendo cortada, ele se aproveita disso, sua língua invade a minha boca. Luto para me desvencilhar, mas ele segura meu cabelo com força, causando ainda mais dor e me deixando imóvel, enquanto aprofunda o beijo, que tem gosto de sangue, do meu sangue. As lágrimas escorrem dos meus olhos, misturando-se com a água da chuva. Quando Alef se dá por satisfeito, ele se afasta. Consigo ver a zombaria em seu rosto, enquanto seus lábios se curvam em um sorriso de escárnio. — Carregue meu sobrenome e queime no inferno; não me importarei nem um pouco com isso. Desde o momento em que você, Tiana, aceitou ser minha esposa, assinou sua sentença. Tudo que leva meu nome é meu, e com esses, faço o que quero. Foi um deleite esse último beijo , mas felizmente acabou, me deixou entediado. - Seus olhos estão escuros como flechas que atravessam a imensidão de uma floresta, atingindo fatalmente a carne do meu peito. Como pude negligenciar que ele nunca foi um homem afetuoso e ainda assim me entreguei a ele? Pessoas ricas sempre buscam vingança para si mesmas e para suas famílias. Elas colocam muitas peças cuidadosamente no lugar, garantindo que nenhuma mão consiga alcançá-las. Eu sou uma dessas pequenas mãos que jamais alcançaram essas peças. Casamentos arranjados, embora não sejam incomuns, têm sido um pouco esquecidos nos últimos anos; faço referência ao Brasil, afinal, nunca saí do meu país para explorar terra estrangeiras. Afinal, por mais que muitas crenças e culturas resistam à evolução, ela acontece, e com isso muito do que é arcaico acaba sendo esquecido ou substituído. No entanto, o frescor das páginas dos livros que li e, pelo menos nas histórias que guardei em meu coração, as pessoas se casam por amor, mesmo as mais pobres. Ou pelo menos é essa a ideia que o autor tenta transmitir na narrativa. Diferente de muitas moças, nunca tive delírios de grandeza, acreditando que algum príncipe encantado chegaria para me levar em seu cavalo de pelagem branca e brilhante. Sei que a vida traz muitos perigos disfarçados de boas intenções e nunca me considerei uma donzela indefesa. Portanto, se eu precisar fingir um sorriso, mesmo com todas as peças sendo arrancadas e quebradas dentro de mim, eu farei. Se precisar mostrar força, mesmo nos piores momentos, eu fingirei. Não serei digna de pena. Suponho que certas coisas aconteçam quando já estamos nas profundezas, tornando difícil enxergar e fácil fingir que esquecemos. Eu estou caindo no mais profundo oceano....
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