Elijah era um dos soldados de confiança de um homem conhecido apenas como Sombra, poucas pessoas sabiam mais do que isso, apenas que esse homem era a ponte entre todos e o Fera, o verdadeiro líder. Poucos sabiam quem era o Fera, imaginavam que no Brasil o acesso a ele fosse mais fácil, mas a história contava que um dia, a filha perdida do antigo capô se apaixonou por um mostro, um psicopata que sentia prazer pelo sangue, a lenda afirmava que sozinho Fera matou centenas de homens usando apenas as próprias mãos e que após isso, Sombra precisou escolher, teria se ajoelhado aos pés de Fera e a humilhação fez com que o novo capô mantivesse Sombra vivo.
No condomínio, alguns poucos mais velhos conheciam outra história, diziam que Sombra traiu a Hermes, o antigo capô e criou uma armadilha para que Fera ascendesse a liderança, mas que na verdade quem realmente controlava tudo era o subchefe.
Havia ainda alguns poucos que diziam que tudo aquilo era bobagens e que Sombra e Fera eram amigos, que estavam em outro país porque se apaixonaram loucamente por mulheres brasileiras, descreviam a esposa do subchefe como uma deusa e diziam que ele rastejava por ela graças a uma feitiçaria que Júlia teria feito usando um fio do cabelo de Sombra.
Já Elijah sabia exatamente a versão real e nenhuma das três estava certa, cresceu no condomínio, foi treinado para se tornar um executor, mas sua inteligência se destacou nos testes a ponto do líder americano falar com Sombra.
Em uma das viagens do subchefe, se conhecerem, se ajudaram, lutaram juntos e Elijah passou a ser o elo que fazia as informações chegarem de um lado para o outro, uma vez que o líder americano tinha problemas com Apollo, o pai de Sombra e conselheiro da organização. Uma história longa e antiga, mas que ainda guardava muita mágoa e rancor.
- Você parece ser um bom homem, Elijah. Fica como meu homem em Nova York, sua palavra é lei, mas não se esqueça com grandes benefícios vem grandes responsabilidades. Use esse poder com sabedoria, porque se eu souber que o meu nome está sendo usado do jeito errado, você vai pagar.
- Jurei o juramento antigo, senhor! Poderia ter escapado, mas fiz questão de passar por cada uma das provas e entregar o meu sangue pelo acredito. Não quero poder, quero fazer o certo. Confie em mim.
E realmente, em anos, Sombra nunca teve nenhum problema com Elijah, sempre foi um mediador justo e competente, corajoso e resiliente, mas agora, aos quarenta anos, ansiava por um casamento, uma família, filhos...
- Chefe, os casamentos sempre foram arranjados pelo capô.
- Estava enfiando onde quando as coisas mudaram? Isso não acontece há muito...muito...tempo. Se vira aí, encontra uma mulher solteira, honesta e faça do jeito mais difícil, namore, noive e case se ela quiser. Caso não queira, vá tentando. Veja bem, nem Deus acertou quando tentou se meter nesse assunto, arrumou a Eva para o Adão e deu maior merdα! Vai aí, meu mano, eu estou fora! Te vira.
Carta branca na mesa, e Elijahh se lembrou de alguém, Caio tinha uma filha que ninguém nunca tinha visto, ele sabia, não deixava passar absolutamente nada dentro daquele condomínio e um dia em que seguiu o tesoureiro até o convento, o interrogou e Caio foi obrigado a contar. A menina ficou oculta, protegida, justamente porque naquele mundo, meninas não tinham direito a escolha.
- Vou guardar o seu segredo, tesoureiro, mas não porque sou bonzinho. Um dia, conversaremos sobre isso. Tudo tem um preço.
- Estarei disposto a pagar, por Aurora, qualquer preço!
Os anos se passaram e Elijahh nunca mais falou sobre aquele assunto com Caio, mas sempre que se encontravam havia uma espécie de cumplicidade no ar.
Então o dia da cobrança chegou...
- Caio, sabe o preço da traição?
O tesoureiro respondeu aquela pergunta já com a voz estremecida, algo parecia segurar a voz na garganta. O medo era a rotina daqueles homens que mostravam ao mundo seu poder e arrogância. Tinham mais dinheiro do que a maioria, eram juízos e executores dos crimes de outros, viviam em um universo em que as leis da sociedade em nada podia contra eles, mas o código podia descer sobre a cabeça de qualquer um, sem aviso e sem piedade, um erro era o bastante para que a dor mais excruciante se apresentasse como realidade e em seguida, se tivesse sorte, a morte.
Muitas histórias circulavam entre eles, incluindo uma que era particularmente assustadora, a lenda dizia que um soldado havia se apaixonado pela namorada de Sombra, diziam que um dia Demo havia tentado conversar com a menina, foi descoberto e passou a ser perseguido por Sombra. Tentou fugir, mas o homem foi caçado em todos os lugares, nem mesmo o código o protegeu, quando finalmente Sombra cansou do jogo de gato e rato, havia arrancado o órgão genitαl do concorrente e feito ele engolir, queimado suas cordas vocais com ácido, arrancado parte de sua pele e lacerado o αnus a tal ponto que o homem nunca mais deixou de usar fraldas. Diziam que os dentes foram arrancados e usados para um colar que enfeitava o pescoço do traidor até hoje, nem mesmo a velhice havia livrado o antigo soldado do seu destino sem honra ou dignidade.
Essas lendas eram irreais, a história em parte verdadeira, mas bastante diferente, foi sendo modificada com o passar dos anos e servia para amedrontar aqueles que ouviam. Caio com certeza era um deles.
- Do...do...do que vooocê está falando?
Elijah respondeu com a voz fria e o olhar distante de sempre, não costumava entrar em discussões.
- Estou falando dos seus desvios, Caio! Sei deles há muito tempo e sei que a cada dia nos rouba mais para pagar suas dívidas de jogo, o colégio caro da sua filha e bancar as prostitutαs que sustenta.
Caio tentou correr, mas foi segurado pelo braço antes que pudesse dar mais do que alguns passos.
- Quietinho, tesoureiro, se lembra do que conversamos, não há almoço grátis, protegi o seu segredo, a sua filha nunca foi revelada, assim como os seus roubos também não, pois agora, chegou o momento de me pagar.
Caio se tranquilizou, imaginou que Elijah pediria um favor, ou dinheiro, mas empalideceu quando soube que o que o homem queria era justamente a menina que ele tinha ajudado a proteger.
- Ela é freira!
- Melhor ainda! Significa que é pura, me caso com ela!
- Ela tem uma deficiência
- Não me importo! Escuta aqui, Caio. Eu me caso com a sua filha ou você morre e eu vou buscar a minha mulher e fazer ela se casar comigo de uma forma ou de outra. A escolha é sua, pode levar Aurora ao altar ou assistir do inferno, para mim, tanto faz!
E foi assim que Caio apareceu para buscar Aurora e a esperava ansioso e com medo da reação da menina.