Ravana. ( monólogo)
Ravana
Aos meus quinze anos, foi formalizado meu noivado com o homem que comandaria o famoso Cartel de Cali.
Nos últimos dois anos da minha vida, um dos nomes que mais ouvi foi o dele: Dário Castillo, vulgo príncipe.
Fui conectada ao herdeiro Castillo por um contrato de matrimônio, antes mesmo do meu nascimento. Tudo ocorreu através de um acordo denominado "Flores de Sangue". Depois, por documentação, no papel consta que eu sou dele e ele é meu.
Esses documentos de união entre dois membros de famílias distintas, mas que pertencem ao submundo, são uma tradição; melhor explicando: trata-se de uma precaução para que nenhuma das partes envolvidas decline do acordo, seja por quais motivos forem.
E se, por ventura, ocorrer uma desistência, não há apelo nem conversa. A bala voa e o sangue jorra. O extermínio é mais do que fundamentado, assim como as covas rasas e as pás de terra na face dos ceifados.
O que sei é que, a partir do momento em que a ponta da caneta deslizou pelo papel, marcando-o com a assinatura dos meus pais, o acordo foi sacramentado.
Foi dessa forma que selaram o meu destino, tirando-me qualquer livre-arbítrio.
Cresci numa redoma de proteção, cheia de espinhos, afastando qualquer garoto que tivesse interesse em mim, resguardando todas as minhas purezas para o filho do demo. Dentro desse domo invisível aos olhos alheios, mas que era como ter pimenta nos meus olhos, fui crescendo, sendo doutrinada para ser a senhora Castillo, orientada a respeitar e obedecer o futuro líder do perigoso Cartel de Cali.
Queriam que eu fosse subserviente, uma esposa perfeita, a ideal.
Ouvir que sairia de dentro do meu ventre a criança que teria a combinação do sangue das duas famílias, Grecco e Castillo, causava-me arrepios. Confesso que ainda é dessa forma, pouco mudou.
Ter conhecimento, por parte dos pais de Dário, de que eles tinham e têm predileção por um neto do sexo masculino foi como receber uma coroa de espinhos; foi como ser avisada de que tenho que gerar um menino para que dê continuidade ao legado dos Castillo. Uma vez que, segundo as regras da máfia, depois de casada, sou da família colombiana.
Todas as vezes que tais comentários chegaram aos meus ouvidos, por mais sutil que fossem, meu sangue gelou nas veias.
Eu não queria esse enlace, assim como ainda rechaço veementemente; muito menos gerar uma criança que, para tê-la, teria de chegar às vias de fato com um homem mais velho.
Sinto o peso de uma escolha que não fiz. Sou sufocada por toda essa força que tenta me arrastar para trás.
Por causa de um acordo feito entre dois homens de grande envergadura no submundo, todos os meus passos sempre foram vigiados de perto.
Minha aspiração de ter uma adolescência "normal" foi substituída por milhões de queixas que eu fazia constantemente para a minha mãe. Eu não entendia por qual razão não podia participar de algumas festas dos meus colegas de classe, por qual razão não podia dormir na casa de uma amiga e por que eu não podia fazer trabalhos escolares na residência de outro m****o do grupo.
As respostas não eram convincentes na minha concepção. Porém, engolia todas na força da raiva e do ódio.
Sempre soube que o motivo era ele, somente ele; desta forma, mesmo antes de conhecê-lo, Dário conseguiu aflorar em mim o desprezo e o ódio. Eu não suportava mais ouvir falar sobre noivado, casamento e Colômbia.
A instituição de ensino que eu frequentava faz parte de uma das escolas que assistem os filhos da nata calabresa; os pupilos da elite desta comuna italiana.
Por causa dessa multifacetada composição do corpo estudantil, muitos alunos não pertenciam ao meu mundo, não tinham qualquer ligação com a máfia; outros, não posso dizer o mesmo.
A mesclagem no meu grupo de amigos existia. Portanto, muitas meninas sabiam do meu noivado; elas diziam que eu tinha sorte por ter o "príncipe" como futuro marido. Não podia redarguir por saber que, assim como eu, elas conheciam as tradições que implicam as uniões entre casais do nosso meio. Muitas delas alimentavam a ilusão de ser escolhida do meu primo Dante ou Renzo.
De tudo o que eu desejava e não aceitava, eram palavras soltas ao vento que são amortecidas pelo tempo, como a água gelada faz ao paladar.
Não acredito que isso importasse para o herdeiro de Calli. Depois da festa em comemoração aos meus quinze anos, ele sumiu.
Não posso negar que o homem era muito atraente e, no momento em que fui abordada na penumbra, meus olhos não desgrudaram do rosto dele. Porém, sua intimidante presença me causou medo.
Ele exalava perigo: poder e perigo. Um magnetismo avassalador e pujante.
Naquela noite, não dormi pensando nos olhos estranhos do Castillo.
A minha revolta cresceu em demasia no período em que minhas colegas experimentavam o primeiro beijo, inclusive o devasso beijo de língua, e eu sequer tinha trocado um selinho inocente com algum garoto. Algumas, em nossa roda de conversa, chegaram a comentar sobre a violação do lacre da castidade.
Muito foi podado do meu caminhar; por exemplo, eu não podia nem sonhar com garotos. Me aproximar de qualquer um era proibido. Trocar saliva com algum seria pedir para ter minha língua arrancada.
Pior que a vontade que me acometia e o impulso de sair por aí tascando beijos em muitos meninos era gigante; contudo, somente um em especial teria tudo de mim: Alessio.
Nunca fiz segredo sobre gostar do menino. Jamais escondi minha vontade de desfazer o acordo que fizeram em meu nome.
Por isso, não meço forças com o meu Don, com minha mãe e com o d***o a quatro para conseguir minha liberdade. Quero me jogar na vida sem pesar ou pensar nas consequências. Minhas roupas ousadas são uma forma de me impor, uma forma de mostrar que não será fácil diminuir o pouco espaço que tenho.
Por muito tempo, indaguei os membros da minha família; meus porquês eram sempre os mesmos e as respostas deles, insatisfatórias. Dizer que tenho que aceitar o meu destino é como me pedir para pular de uma ponte com um paralelepípedo preso em minha garganta.
As frases formadas, muitas das vezes, de efeito, ecoam por muitas vezes dentro das paredes do lugar onde resido: "Todos devemos seguir as regras perpetuadas nas raízes e no coração do clã; afinal, ninguém com o sobrenome Grecco foge das suas batalhas ou abaixa a cabeça para o inimigo, por pior que esse possa se apresentar. Nosso nome é a nossa honra e o nosso sangue, nossa força; sagrado e intocável."
Todos esperam que eu apenas abaixe a minha cabeça e acate o que me foi dado: um presente de grego.
Não se trata de um cavalo de madeira, mas não deixa de ser menos pior.
Porém, não recebi o nome Ravana à toa.