Entre a razão e o ódio

841 Words
Muitos soldados haviam perdido suas vidas naquele atentado na plataforma de desembarque do aeroporto, entre os mortos estava o corpo de Sarita. O sepultamento foi feito ao meio dia, com um grupo de familiares próximos que tentavam inutilmente consolar Diogo. Não havia palavras, gestos capazes de amenizar sua dor de estar do lado do caixão que carregava o corpo de sua esposa. Seus pais tentavam fazê-lo caminhar, sair do cemitério e entrar no carro para levá-lo para casa. Porém Diogo se recusou, queria passar um tempo ali, sozinho, tentando entender como tudo aquilo acabou acontecendo. Não poderia aceitar tão facilmente que Sarita estava morta. Como almejou por aquele reencontro, como desejava abraça-la forte em seus braços, ouvi-la contar sobre sua vida na sua ausência. Sarita era médica veterinária, amava os animais de tal maneira que havia construído um "Recanto para os bichos" assim mesmo se denominava. Acolhia nesse espaço todos os gatos e cachorros em situação vunerável na rua. Cuidava com todo amor e os colocava para a adoção. A falta que o marido fazia era compensada em horas e horas no trabalho. O dia de sua volta para casa foi a certeza de que o dia mais feliz de sua vida tinha chegado. Mal sabendo eles que era o dia determinado para a separação. A forma mais dolorida de dizer adeus, de nunca mais ouvir a voz ou ver o rosto de quem tanto se ama. Diogo não saberia lidar com aquilo, nem que passasse uma vida toda para aprender. Não havia sido preparado ou treinado para aquela situação. Era um soldado de alta patente, muito bem remunerado, mas não fazia ideia de como lutar com sua angústia. Como continuar a viver depois de ser brutalmente nocauteado pela vida? Como levantar a cabeça, tirar a poeira do corpo e permanecer na batalha? Com qual força? Com qual ânimo? Com a ajuda de outros soldados, seus amigos de missão o ajudaram entrar no carro. Seu choro era semelhante ao de uma criança que anseia encontrar a mãe perdida na multidão. Esse era o sentimento, de estar perdido e não encontrar aquela que seu coração desejava. ... Na casa de seus pais, foi obrigado a deitar-se e tentar descansar. Não havia sono ou insônia, apenas havia vazio, desesperança. Heloísa sua mãe estava muito preocupada com sua saúde, ele se recusava a come, a sair de casa. Sua rotina era do quarto para o banheiro e retornava para a cama. Já não se ouvia mais seu choro, no lugar das lágrimas se deu a um silêncio profundo e absoluto. Não queria ouvir nada nem ninguém, queria apenas paz para sua dor, que não tinha fim. A barba cresceu nesse meio tempo, emagreceu, perdeu músculos, conquistou rugas de expressão e a vida passava diante de seus olhos. Uma tarde em que já completava dois meses da morte da esposa, sua cunhada Hellen foi visitá-lo. Diogo ainda morava com os pais e Heloísa ficou contente com a presença de Hellen aquele dia. Tinha esperança que o filho pudesse superar aquele quadro depressivo e voltar a viver. Sabia o quanto Hellen era ligada a Sarita e tinha também grande respeito e admiração por Diogo. Ele a chamava de "irmãzinha caçula". Nem Hellen nem mesmo o Capitão de sua missão era bem vindo. Ele não queria falar, não queria ouvir e nem ver ninguém. A dor ainda estava prematura e tão recente, a revolta o tomava, que assunto poderia ter no ápice de seu sofrimento? Diogo foi obrigado pela mãe para ir receber Hellen na sala de visitas. Ela estava com os olhos tristes e quando o viu foi ao seu encontro e o abraçou. Diogo manteve inexpressivo, com as mãos caídas ao lado do corpo. Hellen notou sua frieza, seu olhar vazio, mas estava ali para trazer uma notícia nada agradável. Já estava adiando aquele encontro desde o sepultamento da irmã, não conseguia mais dormir em paz sem que a imagem de Diogo invadisse sua mente. Ele se sentou sem demonstrar nenhum tipo de interesse na presença dela ali. Em outras ocasiões antes da tragédia, Diogo era sempre amável com ela, lhe trazia alguma lembrança dos lugares que visitava durante as missões. Brincavam um com o outro, ele era um verdadeiro irmão, não o via como apenas seu cunhado, mas um irmão querido. Hellen sentou-se também, os olhos vazios de Diogo a tomava o ar. Respirou fundo tomando coragem e lhe contou que Sarita estava grávida, carregava um bebê de quatro meses e aquele dia em que morreu iria contar a ele. A princípio Diogo a ouviu sem demonstrar nenhuma emoção. Segundos depois as primeiras lágrimas rolaram por seu rosto. Ele cerrou os punhos e então ela pode ouvir o som do seu choro. Era lamentável vê-lo sofrer e sem poder fazer nada para ajudar. A única coisa que estava aos eu alcance foi abraça-lo. Hellen sentou no chão e entrelaçou sua cintura. Acariciou seus cabelos escuros, passou as mãos por seu rosto, a barba crescida exageradamente roçou seu rosto. E junto dele Hellen também chorou.
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