Fios de Prata

2251 Words
O relógio apontava para às 4 da manhã — o brilho esverdeado na tela piscava indiferente e repetitivo. Tinha sido praticamente resgatada do pesadelo que me tragou tanto em seu emaranhado caótico que quando despertei foi quase como se tivesse sido trazida a vida por alguma força sobrenatural como acontecia em séries ou filmes, embora fosse um pouco fantasioso da minha parte usar ficção como um comparativo. Ainda assim, a sensação que o tenebroso devaneio me trouxe me impediu de retomar meu sono sem temer o risco de ser sugada novamente aquele abismo. Sem muita alternativa, permaneci na cama matutando o significado dele e concluí que se devia ao meu estresse das provas que se aproximavam e o receio de falhar e a ansiedade opressora afetou, muito provavelmente, meu subconsciente. Ou simplesmente foi um sonho r**m e aleatório sem nenhum simbolismo oculto, uma fabricação da minha mente muito criativa. Encarei o teto pelo que pareceu uns bons minutos antes de decidir levantar e curtir um pouco da serenidade de uma faculdade mergulhada no silêncio. Peguei minha bolsa, um livro e um pacote de aperitivo e, sem enrolar demais, segui para fora. Meu horário biológico era maluco o suficiente para me fazer acordar às 3 ou 4 horas para não fazer nada, principalmente nos fins de semana, mas me derrubar por mais tempo quando necessito ficar na ativa cedo — poderia afirmar que tudo em mim seria do contra. Sendo honesta até gostava parcialmente. Madrugadas são o único período que tenho tempo pra mim e as coisas que gosto de fazer — a paz e o silêncio são recompensadores naquele pequeno intervalo de tumulto antes das primeiras aulas matutinas. Os campos abarrotados de alunos se tornam um lugar pacífico e mais atrativo para alguém como eu, claro que, como toda universidade que se preze, tinha áreas nos quais eram inacessíveis pelo horário e por conta do toque de recolher. Se tratando das dependências universitárias, estávamos proibidos de explorar, entretanto, tínhamos liberdade nos dormitórios para perambular por aí ou ficar acordada até mais tarde como no meu caso. Apesar do frio e estar usando somente um longo casaco que cobria o suficiente para que ninguém notasse que ainda estava de pijama, percorri um curto trajeto até chegar em um banco em um ponto estratégico que, mesmo a tarde, ninguém se incomodaria em procurar ali por qualquer assunto que seja. Peguei o pacote com pequenos cookies de chocolate que trouxe e comecei a comer tranquilamente, retomando de onde parei na leitura do meu livro de romance policial — mais especificamente Depois da Escuridão. Me apeguei ferrenhamente a trama e não conseguiria dormir sem saber qual seria o destino da protagonista em meio a tanta loucura e plot twists de tirar o fôlego. Conforme prosseguia o ritmo da história e imergindo nos acontecimentos, me desliguei do resto do mundo concentrada unicamente na experiência vivenciada pelos cativantes personagens — ansiando por um desfecho aceitável. Estranhei quando, lendo o último capítulo, uma intensa luminescência azul irrompeu há poucos metros de mim tão ofuscante que tive que proteger meus olhos para não causar desconfortos. Movida pela curiosidade, andei o mais próximo do local banhado pela luz que agora se mitigava a uma fagulha tímida de um tom mais diáfano. — Mas o que foi isso...? — murmurei, me escondendo, e prendi instintivamente a respiração ao ver uma silhueta masculina que se erguia imponente sobre o feixe sutilmente iluminado. A brisa recebeu o rapaz rodopiando ao redor dele, seu cabelo branco — literalmente não tinha como alguém possuir por métodos naturais uma tonalidade tão específica e tão chamativa — esvoaçante destoava um pouco dos trajes escuros que ele vestia, como se o destacasse em vez de disfarçá-lo. Ele encarava o céu como se visse algo que minha visão limitada não capturasse e não queria arriscar apenas para saciar a curiosidade. O garoto não parecia ser muito mais velho que eu, na verdade, podia deduzir vagamente que teria, no máximo, uns dois anos de diferença entre nós. Não que isso fosse relevante se considerar que ele veio do nada em uma explosão de luz que aparentemente fui a única a testemunhar nas redondezas — para o meu azar. O fato era: tinha algo muito errado no invasor e não só ele ter surgido sem explicação, do absoluto nada e estar envolvido em uma atmosfera perturbadora que flutuava até mim. Minha intuição me dizia para sair dali e cuidar dos meus assuntos, entretanto, o pavor de ser descoberta congelou minhas pernas que pesavam mais do que todas as vezes que me exercitava demais. O estranho passou a mão pelos cabelos e, para meu horror, os olhos dele emitiram um fulgor azul que variou para um laranja florescente. Engoli em seco, rindo internamente com minha projeção maluca e por estar tão atordoada que estava imaginando aquela maluquice toda. Não tinha como um humano ser capaz de tamanha proeza, sobretudo, pelo que aconteceu em seguida: as roupas dele se modificaram, antes o que se assemelhava a um traje sombrio de algum jogo, agora se transformaram em algo casual que qualquer pessoa usaria sem ninguém desconfiar. Seu cabelo estava preso em um r**o de cavalo, com mechas emoldurando sua face, e a jaqueta de couro se moldava bem ao seu corpo... Por que raios estou reparando nisso? Chacoalhei a cabeça afugentando pensamentos sem sentido. De repente, o rapaz parou e virou sua atenção total para onde estava escondida e, nesse instante, entendi que minha hora tinha chegado. Franzi o cenho com ele andando até mim e, em um impulso frenético, disparei a toda velocidade — obrigando minhas pernas a atingirem marcas além de tudo que já tinha experimentado em qualquer aula de ginástica em toda minha vida. — Ei, espera! — o escutei gritar atrás de mim. m*l conseguia respirar com os pulmões em chamas e resfolegadas superficiais. Meus músculos doíam, as pernas imploravam descanso e meus sentidos apurados se esforçavam para permanecerem funcionando para não perder o ritmo da corrida e ser capturada. Precisava contar para alguém e pedir socorro! Voltei ao meu quarto, trancando a porta. Christine, minha colega de quarto, me fitou confusa e fiquei mais aliviada ao vê-la acordada. — O que houve? — ela perguntou com a voz embargada de sono. — Chris, um cara estranho invadiu a faculdade! Eu vi! — despejei aterrorizada. Christine me estudou com seriedade, certificando-se que não tinha perdido o juízo. Conhecia ela há tanto tempo que podia lê-la com relativa facilidade. — Não era uma sonho? — Não! — revirei os olhos pela questão i****a em um momento tão inoportuno. — Não foi um sonho! — Não era algum aluno? Bufei. — Sério que vai fazer esse tipo de pergunta com um maluco a solta no Campus? — rebati impaciente. — Será que poderia me acompanhar? — Pra? Fechei a cara. Não do tipo “Serio, i****a?” e sim do “Se não se mover, vou te arrastar”, não que isso a tenha alertado de imediato, porque Christine ficava meio lerda de manhã e, segundo ela, antes de tomar uma xícara de café não funcionava como queria. O semblante grogue e o cabelo um pouco desgrenhado evidenciavam sua falta de energia. Agarrei o pulso dela, após uma breve inspeção na sua imagem — encontrar outra pessoa com o cabelo em pé sairia menos crível do que gostaria — e a conduzi junto comigo até a sala da diretora, o que também poderia não ser tão efetivo logo cego, mas, por sorte, ela estava lá preparando a papelada. Mirana Régis, mais popularmente conhecida como Diretora, se tratava da pessoa mais durona que pôs os pés naquele lugar. Não que sua personalidade fosse desprezível e seus meios de educação degradantes, mas pelo seu grande senso de responsabilidade e ser comprometida com seu trabalho. Sempre que as regras se faziam necessárias, ela não hesitava em colocá-las em prática para que não houvesse exceções. Os olhos perspicazes por trás dos óculos nós miravam, analisando-nos de cima a baixo, um semblante profundamente sério e preocupado. — Posso ajudá-las? — indagou com um tom transmitindo maturidade e amabilidade. — Sim! — Resfoleguei, me aproximando. — Eu vi um estranho no parque do Campus! Ele apareceu do nada! Tenho certeza que invadiu a propriedade! Estava com os nervos a flor da pele e era impossível não ignorar as normas de comunicação e descarregar tudo em uma única tacada, sem tomar ar e sem perder tempo explicando com detalhes. Quanto mais resumida a situação, melhor o entendimento. — Invasão? Você tem certeza? — sua voz soou cautelosa em meio a minha falta de coordenação. — Sim, eu vi! — Onde exatamente? — Na área mais isolada do parte, do lado de trás dos dormitórios. — gesticulei inquieta. — Ele tinha cabelo claro, tipo... Branco! Era bem alto e usava roupas pretas! Mirana se ajeitou no assento, um pouco pensativa. — Eu vou cuidar do assunto, voltem ao seu dormitório e vão para aula. Agradeço a informação, senhoritas. Franzi o cenho com a resposta, não esboçando minha insatisfação. No entanto, não poderia fazer muito mesmo se quisesse. Melhor que as autoridades resolvessem o assunto e, de resto, só teria que me cuidar e não baixar a guarda. — Viu? Nem era nada de mais. — Christine comentou, bocejando. — Preciso tomar uma boa xícara de café, hoje já começou bem. — Eu precisava verificar que atitudes tomariam com o intruso... — Esse é o ponto: não tem intruso. Você está lendo livros de suspense demais. — cortou com um ar bem espirituoso. — Vamos logo nos arrumar para a aula porque já perdemos muito tempo com essa história. — Tudo bem. Escutei burburinhos pelos corredores — tão animados que fiquei tentada a puxar assunto para saber do que se tratava tanta euforia. Mantive minha atenção para seguir meu caminho para minhas aulas, dissolvendo a curiosidade em uma mera distração e indo direto ao primeiro período. Um aroma floral navegou por ali e inspirei, imaginando de quem pertenceria um perfume tão inebriante. Virei em direção a intersecção do corredor vendo, entre as pessoas que transitavam, uma silhueta de preto com aspecto familiar — havia algumas garotas seguindo no encalço dele e não pude distinguir bem mais detalhes do garoto. Paixões de universidade até entendia, mas era um pouco exagerado como elas se vidraram alucinantemente nele. Dei de ombros, apagando a última faísca de curiosidade remanescente. Vezes ou outra minha mente vagava para o invasor e me questionava o que seria aquele show de luzes e as bizarrices que testemunhei. Não tinha como ser uma mera obra de ilusão de ótica e duvidava que alguém perderia tempo realizando truques sem plateia tampouco desperdiçar energia para, sorrateiramente, adentrar o Campus, exceto se fosse alguém que possuísse um ou dois parafusos a menos. As aulas prosseguiram como nos dias anteriores e tomei notas das observações dos professores e anotando as minhas próprias para utilizá-las nas provas vindouras. Terminado o período, parti direto para o que eu denominava como a pátio de socialização do meu seleto grupo de amigos. Christine e eu não cursávamos a mesma especialidade, enquanto ela se ocupava com os estudos para letras, eu me focava em direito. Eventualmente a gente se encontrava em muitas ocasiões conforme o dia transcorria. Boa parte dos nossos amigos eram de outras áreas fora um ou outro que seriam nossos colegas de classe. — E a Eve foi contar a Mirana sobre o suposto invasor. — revirei os olhos com o modo divertido e despreocupado que Chris relatava o que tinha ocorrido de manhã. — Que história é essa? — Matt perguntou, rindo. — Sério mesmo? — Aí, gente. Ela estava andando de madrugada, se eu visse um cara estranho assim também teria pensado o pior. — Alice interveio não achando graça. — Temos que ver o contexto, não tudo por um ângulo superficial. Deve ter sido traumático. Alice tinha uma vibração de empatia que somente alguém bem analítica e gentil desenvolveria. Christine parou de tagarelar — se calou como se tivesse desligado o interruptor do falatório. Sua expressão se traduzia em pura fascinação, os olhos manavam uma resplandecência de alguém que está profundamente apaixonado e o sorriso que se recusava a recuar e que a deixava mais bonita serviram como prova incontestável de seu interesse repentino no garoto novo. — Parece que a estrela chegou. — Matt, que possuía uma certa paixonite em Christine, debochou. — Não acha que está indo muito depressa com o novato? — inquiri com curiosidade, não contendo o riso com sua euforia nítida. Chris se virou para mim e me fitou com estranheza, quase que mortificada, um pouco escandalizada, demais com minhas palavras para verbalizar de início. Ela arqueou a sobrancelha, avaliando meu rosto procurando algo nele. Seu comportamento interrogatório me incomodou bastante, porém o clima tenso se reduziu a uma explosão súbita de gargalhadas da parte dela — não alta o suficiente para atrair olhares inquisidores. — Está doida? — balançou a cabeça, corada pela risada. — É nosso colega desde que entrámos, foi praticamente um novato junto com a gente, não lembra? Arregalei os olhos, confusa. — Não. Ele não estava com a gente. Você que perdeu por completo o juízo, nem conheço ele. — rebati abismada com o absurdo. Christine deu de ombros com o meu comentário, cortando passagem entre o grupo que cercava o suposto novato. Fiquei petrificada ao vislumbrar os cabelos claros... Anormalmente claros. O novo aluno era o cara maluco intruso de antes!
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