Sophia
A caixa preta, reluzente e pesada, com o X carmesim pintado em cima, me provocava como se respirasse. Um mensageiro a havia entregue vinte minutos antes, mas eu ainda não a tinha aberto. Estava nervosa demais. Coloquei-a na cama, tentando decifrar por que Andrew Bonanno me enviaria qualquer coisa.
Lá embaixo, a mansão fervilhava de caos. Funcionários corriam de um lado para o outro preparando a minha festa de noivado — a celebração do meu casamento forçado. Buffet, decoradores e bartenders transformavam o salão principal em um espetáculo de luzes brancas e douradas. Tudo perfeito, impecável... e absolutamente sufocante.
Era o tipo de evento que Tatiana, minha madrasta, amava organizar: exuberante o bastante para disfarçar o desconforto real das pessoas.
Apenas mais uma forma de me exibir como moeda de troca.
“São negócios”, eu repetia para mim mesma, mas o nó no estômago não desaparecia.
Meu casamento não era um conto de fadas — era uma aliança entre famílias. E, embora o homem com quem eu iria me casar fosse perigoso, a pior parte era saber que meu próprio pai havia permitido isso.
Ou ordenado.
Passei o dedo sobre o X vermelho. Segundo os rumores, era o símbolo de Andrew. O sinal de que ele havia conquistado tudo o que queria — inclusive eu.
Uma parte de mim queria acreditar que era apenas política. A outra sabia que eu era o preço.
A porta do meu quarto se abriu com um estrondo.
— Então é verdade. — A voz de Tatiana cortou o ar como uma lâmina. Ele apoiou o ombro no batente, o olhar frio e provocador. — O noivo da semana te mandou presente?
Fechei a caixa e me virei.
— Sai do meu quarto.
— Está nervosa, ? — ela debochou, cruzando os braços. — Achei que você ficaria feliz. Afinal, é a primeira vez que alguém te quer pra alguma coisa.
O sangue me ferveu.
— Cuidado com o que diz, Tatiana.
— Ou o quê? Vai chorar? — ela riu, aproximando-se. — Você herdou o pior da sua mãe. Nem bonita o suficiente pra ser desejada, nem esperta o bastante pra ser útil.
A raiva me cegou. Dei um passo à frente, o impulso me dominando, mas antes que eu pudesse reagir, uma dor aguda explodiu no meu rosto.
Tatiana.
A mão dela ainda pairava no ar quando me virei, sentindo o gosto metálico no canto da boca.
— Você devia agradecer por eu permitir que continue vivendo sob este teto.
— Você que me provocou! — protestei, sentindo o calor da lágrima que ameaçava cair. — Você ouviu o que ela disse!
— Eu vi uma garota ingrata tentando agredir o próprio irmão — rebateu Tatiana. — E o que o seu pai vai pensar quando souber que a filha mais velha perdeu completamente o controle?
— O papai nunca vê o que você faz! — gritei, e o silêncio que se seguiu pareceu me sufocar.
Os olhos dela brilharam com triunfo.
— É claro que não vê. Ele sabe quem eu sou, e sabe quem você é. — Um sorriso gelado curvou seus lábios. — A diferença é que ele me escolheu, Sophia. Você foi apenas um erro que ele nunca pôde apagar.
O golpe foi mais profundo do que o tapa. Tatiana saiu do quarto levando Sebastian pelo braço, ambos com aquele ar satisfeito que eu conhecia bem — a expressão de quem vence mais uma vez.
Fiquei parada por alguns instantes, respirando com dificuldade. O rosto ardia, mas o que doía de verdade era a covardia do meu pai.
Mais tarde, bati na porta do escritório dele.
— Entre.
Ele estava sozinho, sentado atrás da mesa, como um rei cercado por papéis e segredos.
— Sophia, ouvi dizer que houve um desentendimento com seu irmão.
Desentendimento. Quase ri.
— Se por “desentendimento” quer dizer que sua esposa me bateu, então sim.
Ele suspirou, apoiando as mãos na mesa.
— Tatiana tem sido paciente com você.
— Paciente? — engasguei. — Ela me odeia, pai! E você finge não ver porque é mais fácil!
— Cuidado com o tom — ele advertiu, e o gelo na voz fez minha raiva se retrair. — Você vai entender que às vezes, em nome da família, é preciso engolir o orgulho.
— Em nome da família? — As lágrimas me ardiam nos olhos. — É isso o que o casamento com Andrew é? Mais um sacrifício em nome da sua “família”?
— É mais do que um casamento, Sophia. — Ele se levantou, caminhando até mim. — Você será os meus olhos dentro da casa Bonanno. Quero saber o que ele planeja, quem ele confia, o que esconde.
Meu corpo gelou.
— Então… é isso? Eu não passo de uma espiã?
Ele segurou meu queixo, forçando-me a encará-lo.
— É um papel importante. A honra da nossa casa depende disso.
— E o meu coração? — sussurrei. — A minha vida?
— Já não pertencem a você, sobrinha. — A voz dele soou quase compassiva, mas sem nenhum traço de amor. Apenas cálculo. — Depois que ele confiar em você, traga-me tudo o que descobrir.
Engoli o choro.
— E se ele descobrir?
— Então você morrerá como uma Torello — disse, sem hesitar. — E eu me certificarei de que ninguém esqueça o seu nome.
Saí do escritório tremendo. Lá fora, as luzes da festa já iluminavam o jardim, refletindo nos vidros e nas rosas brancas que pareciam zombar de mim.
Tudo era falso. A música, os sorrisos, o noivo… e agora eu também.
A filha esquecida, empurrada para o altar como uma peça em um jogo de poder.
E ninguém — nem mesmo o meu tio — parecia se importar se eu sobreviveria à jogada.