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971 Words
Sophia A caixa preta, reluzente e pesada, com o X carmesim pintado em cima, me provocava como se respirasse. Um mensageiro a havia entregue vinte minutos antes, mas eu ainda não a tinha aberto. Estava nervosa demais. Coloquei-a na cama, tentando decifrar por que Andrew Bonanno me enviaria qualquer coisa. Lá embaixo, a mansão fervilhava de caos. Funcionários corriam de um lado para o outro preparando a minha festa de noivado — a celebração do meu casamento forçado. Buffet, decoradores e bartenders transformavam o salão principal em um espetáculo de luzes brancas e douradas. Tudo perfeito, impecável... e absolutamente sufocante. Era o tipo de evento que Tatiana, minha madrasta, amava organizar: exuberante o bastante para disfarçar o desconforto real das pessoas. Apenas mais uma forma de me exibir como moeda de troca. “São negócios”, eu repetia para mim mesma, mas o nó no estômago não desaparecia. Meu casamento não era um conto de fadas — era uma aliança entre famílias. E, embora o homem com quem eu iria me casar fosse perigoso, a pior parte era saber que meu próprio pai havia permitido isso. Ou ordenado. Passei o dedo sobre o X vermelho. Segundo os rumores, era o símbolo de Andrew. O sinal de que ele havia conquistado tudo o que queria — inclusive eu. Uma parte de mim queria acreditar que era apenas política. A outra sabia que eu era o preço. A porta do meu quarto se abriu com um estrondo. — Então é verdade. — A voz de Tatiana cortou o ar como uma lâmina. Ele apoiou o ombro no batente, o olhar frio e provocador. — O noivo da semana te mandou presente? Fechei a caixa e me virei. — Sai do meu quarto. — Está nervosa, ? — ela debochou, cruzando os braços. — Achei que você ficaria feliz. Afinal, é a primeira vez que alguém te quer pra alguma coisa. O sangue me ferveu. — Cuidado com o que diz, Tatiana. — Ou o quê? Vai chorar? — ela riu, aproximando-se. — Você herdou o pior da sua mãe. Nem bonita o suficiente pra ser desejada, nem esperta o bastante pra ser útil. A raiva me cegou. Dei um passo à frente, o impulso me dominando, mas antes que eu pudesse reagir, uma dor aguda explodiu no meu rosto. Tatiana. A mão dela ainda pairava no ar quando me virei, sentindo o gosto metálico no canto da boca. — Você devia agradecer por eu permitir que continue vivendo sob este teto. — Você que me provocou! — protestei, sentindo o calor da lágrima que ameaçava cair. — Você ouviu o que ela disse! — Eu vi uma garota ingrata tentando agredir o próprio irmão — rebateu Tatiana. — E o que o seu pai vai pensar quando souber que a filha mais velha perdeu completamente o controle? — O papai nunca vê o que você faz! — gritei, e o silêncio que se seguiu pareceu me sufocar. Os olhos dela brilharam com triunfo. — É claro que não vê. Ele sabe quem eu sou, e sabe quem você é. — Um sorriso gelado curvou seus lábios. — A diferença é que ele me escolheu, Sophia. Você foi apenas um erro que ele nunca pôde apagar. O golpe foi mais profundo do que o tapa. Tatiana saiu do quarto levando Sebastian pelo braço, ambos com aquele ar satisfeito que eu conhecia bem — a expressão de quem vence mais uma vez. Fiquei parada por alguns instantes, respirando com dificuldade. O rosto ardia, mas o que doía de verdade era a covardia do meu pai. Mais tarde, bati na porta do escritório dele. — Entre. Ele estava sozinho, sentado atrás da mesa, como um rei cercado por papéis e segredos. — Sophia, ouvi dizer que houve um desentendimento com seu irmão. Desentendimento. Quase ri. — Se por “desentendimento” quer dizer que sua esposa me bateu, então sim. Ele suspirou, apoiando as mãos na mesa. — Tatiana tem sido paciente com você. — Paciente? — engasguei. — Ela me odeia, pai! E você finge não ver porque é mais fácil! — Cuidado com o tom — ele advertiu, e o gelo na voz fez minha raiva se retrair. — Você vai entender que às vezes, em nome da família, é preciso engolir o orgulho. — Em nome da família? — As lágrimas me ardiam nos olhos. — É isso o que o casamento com Andrew é? Mais um sacrifício em nome da sua “família”? — É mais do que um casamento, Sophia. — Ele se levantou, caminhando até mim. — Você será os meus olhos dentro da casa Bonanno. Quero saber o que ele planeja, quem ele confia, o que esconde. Meu corpo gelou. — Então… é isso? Eu não passo de uma espiã? Ele segurou meu queixo, forçando-me a encará-lo. — É um papel importante. A honra da nossa casa depende disso. — E o meu coração? — sussurrei. — A minha vida? — Já não pertencem a você, sobrinha. — A voz dele soou quase compassiva, mas sem nenhum traço de amor. Apenas cálculo. — Depois que ele confiar em você, traga-me tudo o que descobrir. Engoli o choro. — E se ele descobrir? — Então você morrerá como uma Torello — disse, sem hesitar. — E eu me certificarei de que ninguém esqueça o seu nome. Saí do escritório tremendo. Lá fora, as luzes da festa já iluminavam o jardim, refletindo nos vidros e nas rosas brancas que pareciam zombar de mim. Tudo era falso. A música, os sorrisos, o noivo… e agora eu também. A filha esquecida, empurrada para o altar como uma peça em um jogo de poder. E ninguém — nem mesmo o meu tio — parecia se importar se eu sobreviveria à jogada.
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