Sophia
Acordei com o vento soprando meu rosto, ainda sem abrir os olhos esfreguei lentamente os pés com o cobertor que abraçava boa parte do meu corpo. O calor embaixo das cobertas emitia pequenas ondas de prazer e quase desejei ficar aqui pelo resto do dia. O sol ainda tímido entrava pelas pequenas frestas da janela tentando driblar o grosso tecido das cortinas que escondia os vidros bastante sujos. Levo a mão para procurar o celular e a luz da tela do aparelho faz a minha cabeça doer, são 10h da manhã e eu não gostaria de sair da cama tão cedo, a semana já havia sido exaustiva o suficiente. Mas é claro que a Mia não pensava da mesma forma. Mia é o felino mais preguiçoso e com excesso de gordura que já conheci, seus pelos são macios e de cor preta com caramelo, a cauda é longa, seus bigodes desalinhados e claramente ela percebeu que estou acordada. Sinto o peso caminhando pela cama se aproximando do meu rosto e rapidamente fecho os olhos na tentativa de enganá-la, mas o focinho gelado toca os meus lábios e vem acompanhado de leves tapinhas de uma pata muito fofa nas minhas bochechas. Não consigo deixar de sorrir e decido que a Mia venceu. Sento-me na beira da cama e espero poucos minutos para processar tudo o que há ao meu redor, o frio arrepia a minha pele nua enquanto procuro pelo roupão de microfibra barata em qualquer lugar do quarto.
Alimentar a Mia é a primeira tarefa de todos os dias, procuro por alimento para gatos no único armário que temos na cozinha e encontro o último sachê sabor salmão.
- Precisa ser o suficiente até a mamãe voltar, tudo bem? – Não seria necessário explicar a situação financeira que estamos, Mia tem sido o meu melhor refúgio na maioria das vezes em momentos de desespero. Despejo o conteúdo do pacote em um pote rosa com orelhas de gato, enquanto ela dá pequenas voltinhas em meio as minhas pernas.
Tenho 23 anos e moramos eu e a Mia nesse apartamento, o lugar não é muito grande, mas é bastante confortável para nós duas, mesmo que ainda não tenhamos todos os móveis. Estou na faculdade de direito e graças a um financiamento do governo não preciso arcar com as parcelas que seriam difíceis de serem pagas com o meu salário de aprendiz. O que a maioria das pessoas não sabe é que um início de carreira é muito complicado até que se tenha uma estabilidade financeira, então procuro pequenos trabalhos aos finais de semana para complementar a renda.
Respiro fundo saindo do meu próprio devaneio, entrego o pote para a Mia que está impaciente aos meus pés, e ouço meu estômago roncar. A maior dificuldade da vida adulta é certamente decidir se está cedo demais para almoçar ou tarde o suficiente para o café da manhã, sabendo desse impasse opto por ovos mexidos com bacon e uma xícara de chá. O cheiro dos ovos se espalha por todos os lados e estou grata por ainda não ter tomado banho, não consigo imaginar como seria o odor impregnado nos meus cabelos limpos.
Depois um belo café da manhã, preciso começar a me arrumar para um dos mais variados trabalhos de final de semana. O lugar de hoje é o mais privilegiado bar da cidade frequentado pela alta sociedade, eu provavelmente não teria a chance de entrar se não fosse empregada. A escolha da roupa foi um vestido preto pouco atraente, mas elegante na medida do possível, um par de sandálias de salto agulha que provavelmente deixarão os pés machucados, mas foi uma exigência para que eu pudesse conseguir a vaga, e não me preocupo com cabelo e maquiagem, como sempre vou optar pelo simples um coque e um pouco de base devem resolver.
Deixo a roupa em cima da cama, mesmo sabendo que a Mia irá dormir sobre o vestido e entro no banho. É o momento de relaxar, esquecer as tensões e me preparar para uma noite longa e cansativa.