Peso da coroa.

1341 Words
Capítulo- V Peso da coroa " Se o príncipe abaixa a cabeça a coroa cai e os demais passam por cima." Dante Vejo o gelo do meu whisky boiando enquanto escuto meu tio Vittório falar-me sobre uma pretendente para ser minha esposa. Se há algo que aprecio, é a minha solteirice — não quero mulher no meu pé, não quero ter que lidar com problemas familiares além dos milhares que surgem o tempo todo no meu caminho. Ser o chefe, a cabeça de uma organização, não é fácil. Nem sempre conseguimos manter o sangue frio; nem sempre mantemos a cabeça no lugar. Muitas vezes dá vontade de pegar uma arma e eliminar, um por um, os soldados que julgo fracos, ineficientes, falhos — e, acima de tudo, aqueles que cometem erros grotescos, dignos de um amador, longe de ser um dos nossos, forjado no fogo para servir com margem de erro beirando zero por cento. — Está ouvindo o que eu estou dizendo, meu sobrinho? — meu tio pergunta. — As demais famílias estão revoltadas. Nunca um Don ficou tanto tempo à frente da liderança sem casar-se. Normalmente isso ocorre antes mesmo de assumir a cadeira; é o primeiro sinal de que está pronto para guiar um contingente grande como o nosso. — Sinceramente, não me interessa o que falam — respondo, sorvendo um pequeno gole da minha bebida. — Evidente que não, entretanto deveria dar toda e total atenção; afinal, estão colocando em questionamento sua capacidade. Não que a sua capacidade deixe a desejar, mas por quebrar o protocolo do clã — e agora, com o casamento de Renzo se aproximando, os olhares voltam-se para você. Estão cobrando de mim, do seu pai e dos demais um posicionamento, um parecer. Você pode ter o domínio nas mãos, mas quem, por trás, tem os pulsos de ferro sou eu. Dou um sorriso frio — um esgar — e olho de soslaio na direção do meu tio. — O senhor nunca se afastou completamente. Sempre esteve por perto, sempre analisando, tomando conta. — respondo. — Eu sei que esse império é do seu filho e que eu só ocupei o lugar porque, na época, não havia filhos homens teus para assumir a cadeira. E uma vez que Havana é mulher, isso vai contra o protocolo exigido dentro deste clã. — Engana-se — ele rebate. — Você entrou porque atendeu a todos os requisitos. Poderia ter sido Matteo, Leonardo, Vincenzo; outros tinham, no entanto, os requisitos básicos. Recaiu sobre você porque foi bem nos treinamentos, nas disciplinas, sempre atento, crescendo por fora e por dentro, sendo verdadeiro filho para essa mãe, para essa organização que é a cosa nostra. Saiba que está onde está por ser merecedor — nada mais, nada menos. — Escute bem, meu sobrinho — acrescentou, a voz agora menos acusatória. — Não estou julgando suas ações nem querendo desmerecê-lo. Contudo preciso alertar — fazer com que veja certas coisas que, por causa da sua idade, acredita serem irrelevantes. — Por favor, meu filho, seja mais maleável — disse meu pai, erguendo-se e indo até a bandeja espelhada. Seus dedos escolheram uma garrafa; ele colocou uma dose no copo e o completou com três pedras de gelo. Os dois resolveram se unir para encher minha cabeça, como se os problemas que tenho não fossem o suficiente. Ontem, depois de lidar com a maluca da filha de Cosimo Falzone, tive uma madrugada infernal: confinado num quarto no subsolo de um galpão, tentando arrancar informações de um desgraçado capturado nos limites de Consenza. O maldito pertencia à Società Foggiona — ou simplesmente Società, também conhecida como Máfia Foggiana, a quinta máfia. Essa organização opera em grande parte da província de Foggia e tem infiltrações significativas em outras regiões italianas. Trata-se de um desertor que firmou aliança com um cartel estrangeiro rival. Trabalhou debaixo do nariz do próprio líder, abrindo um corredor de contrabando que ligava Cosenza a um cartel externo, reduzindo as receitas locais. Precisei intervir. Apesar de a Società ter nascido em 1989 e ainda ser um bebê em crescimento, temos um acordo de apoio mútuo; diante disso, não podemos anular ou prejudicar os ganhos um do outro. A Società opera nas seguintes vertentes: assassinato, contrabando de cigarros, tráfico de armas, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, extorsão, prostituição, usura, jogos e ecomáfia. Não há discrepância com relação aos nossos negócios; contudo, em toda e qualquer esfera do submundo, os líderes mantêm uma “relação” amistosa baseada no respeito de espaço. Uma vez pisando em solo que não lhes corresponde, o alerta é lançado. Se houver insistência, a cabeça daquele que usurpou é pedida ao líder, que avalia e dá o aval. Marino foi interceptado numa casa na periferia onde chegavam veículos para carga e descarga; foi capturado durante a venda que negociava diretamente com os estrangeiros. Como consequência, foi exposto como “traidor da própria casa”: manto cortado, nome riscado dos livros de família pela eternidade — e o restante da punição saiu das minhas mãos. Ontem, cheio de sangue; hoje, limpo, segurando um copo de bebida atrás da mesa do meu escritório, localizado em Reggio Calabria, bem no coração comercial, onde se veem prédios altos de vidro e concreto, cafés elegantes no térreo e escritórios nos andares superiores. A Cantine del Vento S.r.l. surgiu com meu tio e segue na linhagem da família. É aqui que lavo boa parte do dinheiro que ganho com os negócios ilícitos. A Cantine ocupa dois andares e meio de um prédio moderno: vitrine ampla com garrafas alinhadas, letreiro em metal envelhecido e uma pequena escadaria que leva à entrada dos clientes. Atividade declarada: produção, engarrafamento e exportação de bebidas artesanais — vinhos regionais, amari e licores de bergamota, vermutes e uma linha premium de destilados. A marca Vento di Calabria cultiva imagem de tradição e terroir. Catálogos sofisticados e um site polido dão legitimidade. Ninguém suspeita do que está por trás. Suspiro com enfado; ter que casar não me deixa satisfeito. — Quem é a menina? — pergunto, já sabendo que, se os dois estão aqui, há alguém em vista ou algo formalizado sem meu conhecimento. — Filha do caporegime de Crotone — responde meu pai, sentando-se na poltrona. — Lígia é o nome dela. Tem vinte e um anos. Estamos sondando; não há nada declarado. Antes, viemos ter contigo. Sorrio sem humor. — Vocês casaram por amor — retruco. — Por que eu tenho que casar apenas para f***r uma mulher e gerar filhos? — Não estamos te obrigando, apenas conversando — Vittório interpõe. — Rechaço Lígia. Deixe que eu escolha com quem irei conviver — digo, seco. Meu pai e meu tio trocam olhares; logo o assunto muda. — Renzo, quando retorna para a Calábria? — pergunta meu pai, depois de raspar a garganta. — Está embarcando para a Itália amanhã; o assunto no Brasil foi rápido. Conseguiu eliminar quem deu cabo do Nino Fonti? Termino de beber o whisky sem pressa. — Sim, tio. Ninguém encosta num negociante do meu clã e fica vivo para contar história. Nino Fonti era um negociante de drogas que estava no Brasil há mais de sete anos, sempre fazendo a ponte e as entregas. Um maldito achou que poderia fazer a encomenda, matar Nino no dia da entrega e roubar o produto. Acreditou que se daria bem nas minhas costas. Enganou-se. Mandei capturá-lo: Renzo. Meu irmão é responsável por eliminar esses problemas de cérebro atrofiado e arrojo demais. — O que acha da filha dos Falzone? — pergunta meu pai, com olhar de análise. — Intrometida, faladeira, pergunta demais. Irritante... quero descartá-la. Renzo é uma bomba e ela a mão que puxa o pino. Quero meu irmão inteiro. — digo, olhando na direção dos dois homens que me fitam. — E a dívida, Dante, como será honrada? E devolver Hadassa é uma recusa que pode nos gerar conflitos — pontua meu tio. — Não estou dando nada por afirmado — respondo. — Se ela fica ou não, saberei com o tempo.
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