Heloísa
Os guardas vieram correndo na nossa direção e falaram que estava tendo uma rebelião. Mandaram a gente se abaixar, disseram que iam ficar do lado de fora protegendo a ala médica. Como se meu dia não tivesse sido bom o bastante, agora eu ainda tinha que enfrentar isso.
Fabíola: meu Deus, eu vou pedir demissão desse lugar, eu não aguento mais. Toda hora esses presos tentam se matar.
Heloísa: maldita hora que eu fiquei vendo aqueles filmes penitenciários e acreditei que seria divertido trabalhar dentro de um presídio.
Nós ficamos ali abaixadas, encolhidas, e foi aí que escutamos um dos guardas gritar. Logo depois, ouvimos uma sequência de tiros. A porta foi arrombada e entraram vários traficantes. Eu e a Fabíola começamos a tremer; eles ficaram encarando nós duas durante alguns segundos, e um deles apontou a arma pra mim.
Sabiá: eu quero saber quem é a p***a da médica, c*****o!
Nós começamos a tremer ainda mais e não respondemos de imediato. Então ele deu um tiro para o alto e gritou mais uma vez:
— Vocês são surdas, p***a? Eu quero saber quem é a médica!
Eu olhei pra Fabíola, que estava chorando e provavelmente não ia conseguir fazer o que eles queriam e acabar morta. Então eu levantei a mão.
Helô: sou eu.
Sabiá: doutora, pega todos os materiais que tu precisar. O nosso chefe tá fodido lá na sala. Um filho da p**a enfiou um ferro na barriga dele e ele tá desmaiado. Tu vai ter que costurar ele lá dentro mesmo.
Helô: e… e… eu?
Sabiá: filha da p**a, eu não tô te dando escolha! Eu tô falando que tu vai lá costurar a barriga do nosso chefe. E se ele morrer, eu vou pegar essa arma aqui e meter uma bala no meio da tua cara, igual eu meti na dos carcereiros que estavam aí fora, entendeu? Bora logo, p***a!
Eu me levantei correndo e comecei a catar todos os materiais que achei que iriam servir pra salvar o chefe deles, mas não é bem assim que as coisas funcionam. Quando terminei de pegar as coisas, ele me segurou pelo braço, e os outros vieram carregando o restante. No meio do caminho, um bando de homens veio pra cima da gente, gritando, mas eles começaram a meter bala, então os caras correram.
Helô: pelo amor de Deus, gente, eu não posso morrer! Eu tenho uma filha pequena, ela é um bebê, ela precisa de mim!
Sabiá: se tu ficar suave, ninguém vai morrer aqui não, doutora. É só tu fazer o teu trabalho que tu vai voltar, tá ligado? Tem que ser antes da polícia entrar aqui, porque eu sei que o choque e o BOPE vão entrar pra conter essa merda, ainda mais agora que tem carcereiros mortos. Mas tu vai ficar suave e vai fazer o teu trabalho, entendeu? Se o nosso chefe morrer, tu nunca mais vai ver tua filha.
Eu comecei a tremer todinha, e eles foram fazendo a minha segurança até a cela. Quando cheguei, a cena era desesperadora: o cara tava sangrando muito. Fiquei encarando por alguns segundos, e então eles fecharam a cela. Todos ficaram do lado de fora, como se estivessem fazendo a proteção.
Sabiá: dá teus pulos aí, doutora, pra salvar ele. Eu quero saber o que tu vai fazer, c*****o. Mas tu vai salvar a vida dele, senão tu também não sai daqui com vida. Aí vão ser dois enterros.
Peguei a maleta que trouxe: luvas, gaze, atadura, pinça, tesoura, fio e agulha, seringa com anestésico, solução salina, compressas e um bisturi pequeno. Coloquei as luvas e tentei manter a voz firme, mesmo com o coração disparado.
Helô: calma… ele ainda respira? Mostra o ferimento.
Um dos homens entrou e afastou o pano. A barriga estava aberta, sangue fresco, tecido exposto. Pulso fraco, respiração curta. Ele tava apagado, inconsciente.
Sabiá: tá fudido, doutora. Rápido.
Primeiro, controlei o sangramento com compressas. Pressionei firme, identifiquei o vaso que jorrava e prendi com uma pinça improvisada. Infiltrei anestésico ao redor do ferimento só pra reduzir o reflexo; ele nem reagiu, tava apagado.
Limpei com solução salina, retirei os coágulos com gaze. Com a pinça segurando o vaso, passei pontos profundos na camada muscular pra conter a hemorragia. Amarrei rápido, nós firmes. A perda de sangue diminuiu.
Sabiá: tu segura ele aí, doutora. A gente vai buscar antibiótico, analgésico, soro e mais compressa. Vamo rápido.
Helô: eu fico com ele. A sutura não pode afrouxar. Se der, tragam oxigênio.
Eles saíram em bando pelo corredor pra buscar mais coisas, e eu fiquei ali, vigiando o curativo. O sangramento estava controlado, a sutura firme, a compressa no lugar. O homem continuava inconsciente, mas o pulso voltou mais forte. Segurei a respiração, esperando que voltassem rápido.
E eu só conseguia pensar na minha filha. Eu preciso voltar pra minha bebê.