Destrutor
Mano, eu não tava sentindo nada. Acho que o bagulho do soro que tava em mim tava anestesiando a minha dor, e mesmo assim eu tava de olho na beleza da doutora. p**a que pariu, parecia um anjo: loirinha, olhos claros, boca carnuda. Eu não sei como é um anjo e não sei se isso é desrespeito, mas a mulher é gata pra c*****o. Tô dando a sorte dela cuidar de mim, sim, porque isso deve ser sorte. Podia ser um n***o de dois metros de altura, mas é essa coisa bonita cuidando de mim.
— Tu tem família, doutora? — perguntei, arqueando a sobrancelha, mas ela não me respondeu.
Ela tava encolhida no canto e se encolheu mais quando eu perguntei.
— Qual foi, doutora? O gato comeu a tua língua? Só te fiz uma pergunta, não vou te morder, não.
Helô: eu tenho uma filha, ela é um bebê. Os seus homens falaram que iam me matar se eu não te salvasse e que eu nunca mais deveria ver ela. E se você vai usar ela para me ameaçar, eu te mato. Eu juro que, se você falar que vai tocar na minha Júlia, eu acabo com a tua vida.
Destrutor: que isso, doutora, pra que tanta agressividade com um homem ferido assim? Tu me ofende. Mas vagabundo não encosta em criança, não. Tá maluca? As crianças são sagradas aqui dentro, na favela também.
Helô: então me deixa sair dessa cela, me deixa voltar para o meu posto de trabalho. Amanhã de manhã tem a troca de turno, e eles vão perceber que eu não voltei. Aí vão começar a me procurar e vão me encontrar aqui. Você acha que isso vai ser bom para você?
Destrutor: e marido, tu tem?
Ela me encarou durante alguns segundos, desconfiada, mas não respondeu à minha pergunta. Então eu dei um sorrisinho. Ou ela é casada e não quer me falar, ou é solteira e não quer me falar também.
Helô: você pode parar de me fazer perguntas, pelo amor de Deus? Eu prefiro ficar em silêncio. Isso aqui é horrível, está muito quente aqui dentro.
Destrutor: tá mermo. Por isso que eu digo que essa merda aqui e o inferno são a mesma coisa. Mas vagabundo não leva fé. Calma aí, vou resolver teu problema. Sabiá!
Assim que eu gritei, ele entrou desesperado.
Sabiá: chamou, chefe?
Destrutor: pega o outro ventilador que tá escondido na sala do amigo e traz pra cá. A doutora tá com calor.
Helô: não precisa.
Destrutor: tá de marola, doutora? Tava reclamando e agora vai falar que não quer? Vai lá, Sabiá, traz o bagulho. Eu quero que a nossa visita fique confortável.
Sabiá: suave.
Ele saiu e voltou com o ventilador.
Destrutor: tu gosta de série?
Helô: sim.
Destrutor: embaixo daqueles bagulhos ali do café tem um notebook. Pega lá, bora ver Netflix.
Helô: como você tem um notebook aqui dentro?
Destrutor: doutora, essa p***a aqui é um comércio. Se jogar dinheiro na mão desses cu azul, nós conseguimos comer até a mãe deles. É só pagar, pô.
Ela me encarou séria durante alguns segundos, mas não respondeu. Pegou o notebook e apertou o botãozinho da Netflix.
Helô: você gosta de alguma série específica?
Destrutor: pode ver qualquer bagulho. Eu só uso essa p***a pra investir meu dinheiro.
Helô: investir?
Destrutor: claro, pô. Tem que lavar o dinheiro em algum lugar.
Ela me encarou séria e depois colocou uma série: Wandinha. Eu nunca fui muito de desenho, mas eu me lembrava um pouquinho da Família Addams, tá ligado? Só que eu não lembrava o quanto essa garota era estranha. Ela virou pra eu assistir também e eu fiquei olhando pra ela, que foi se acalmando aos poucos. Conforme o perfume dela foi entrando no meu nariz, eu fui ficando doido. Bonita, cheirosa e gostosa, com todo respeito… eu fico fraquinho.
— Tu ainda não me respondeu se é casada, doutora Heloísa.
Helô: não, eu não sou casada. Eu me separei agora, sou mãe solo.
Porra, na hora quase falei que eu ia virar pai da filha dela, porque, na moral, com todo respeito, tem que ser muito burro pra largar uma mulher dessas. Na moral.
Destrutor: f**a, mas tu é rica, então tua bebê vai ficar suave.
Helô: quem disse que eu sou rica?
Destrutor: essa tua cara de paty dá pra ver que dura tu não é. Até porque tu é médica, né? Então, com certeza, tem uma grana.
Helô: eu não posso reclamar do meu salário, eu não ganho m*l, mas eu trabalho bastante para manter a minha vida nos eixos. Eu trabalho aqui no presídio e, alguns dias, no hospital. Ou seja, trabalho bastante.
Destrutor: é… não curte?
Helô: não tenho tempo.
Destrutor: tu tem quantos anos?
Helô: 25.
Destrutor: ah, c*****o, como tu é médica? Tu é muito nova.
Helô: entrei pra faculdade cedo, me formei cedo e agora eu tô aqui, presa dentro de uma cela com um traficante super perigoso. Isso tudo porque eu achei que ia ser legal trabalhar dentro de presídio, mas eu acho que amanhã eu vou pedir minha demissão, porque eu tô bem traumatizada.
Destrutor: que isso, doutora, fala pra mim: quem foi que te traumatizou? Vou mandar matar agora.
Ela me encarou com os olhos arregalados e se afastou de mim. Eu dei um sorriso de canto e falei:
— Só tô brincando, pô. Relaxa.
Helô: eu acho que está na hora de você tomar seu remédio.
Destrutor: amanhã o vagabundo deve me levar pra enfermaria, aí tu vai cuidar de mim lá.
Helô: e… e… eu? E outros médicos?
Destrutor: só vou deixar tu me tocar, pô. Não quero nenhum outro médico encostando em mim nem cuidando do meu ferimento. Agora eu confio em você, doutora, tô na tua responsa.
Ela se aproximou de mim devagar pra poder colocar a medicação no soro. Colocou, e eu fiquei encarando ela. Ela botou a mão no meu rosto e chegou bem pertinho pra ver se eu tava com febre. Aí, meu mano, eu não resisti: beijei ela.