O Preço da Permanência

2006 Words
O silêncio do penthouse não era mais vazio; era preenchido pela presença imponente e constante de Julian Kaine. Desde a vitória esmagadora no conselho, Seraphina e Julian haviam entrado numa fase de rotina que era, para Seraphina, mais exaustiva do que a própria guerra. Eles estavam casados e viviam juntos, mas o seu relacionamento não era um refúgio; era um campo de manobras constantes. Seraphina acordou no meio da vasta cama, a luz do sol filtrando-se pelas janelas panorâmicas. Julian não estava ao seu lado, mas ela ouviu o som suave do correr da água. Ele estava no duche, e o espaço vazio onde ele dormira parecia ainda pulsar com a sua energia. Ela se levantou e caminhou em direção à casa de banho, vestida apenas com uma das suas camisas de Julian que havia se apropriado. A porta de vidro do duche permitia-lhe ver a silhueta dele. Seraphina sentiu o calor subir pelas suas bochechas. A i********e era esmagadora e inevitável, um subproduto do Novo Contrato que ela tinha que aceitar. Quando Julian saiu do duche, com uma toalha enrolada na cintura, ele a viu. Ele não se surpreendeu. Ele nunca se surpreendia. — Bom dia — disse ele, a voz firme. — O nosso ritual da primeira hora começou. O seu café está a ser feito. — O meu ritual começa no escritório — Seraphina rebateu, encostada à ombreira da porta, cruzando os braços para manter a sua defesa. — O escritório espera. Você precisa de ser nutrida. — Ele se aproximou, e o ar ficou eletrizado com o vapor e o cheiro a menta. — O Novo Contrato exige que ambos estejamos na nossa máxima capacidade de combate. E a sua capacidade máxima começa com a satisfação. Ele não a beijou. Em vez disso, Julian pegou nas suas mãos e levou-as ao seu próprio peito, onde ela podia sentir o ritmo forte do seu coração. — O conselho está aterrorizado connosco. O Égide está a subir no mercado como um míssil. A guerra acabou. Agora é o momento da consolidação. E a consolidação exige uma base sólida. — E a nossa base é a transparência. E a cama. — Exatamente. — Ele finalmente sorriu, um sorriso que lhe arrepiou a espinha. — A sua exigência de verdade total é o meu maior desafio, Seraphina. Eu estou a aceitá-la. Agora, venha tomar o pequeno-almoço e diga-me o que pensa sobre o último relatório de dívida soberana da Europa. O pequeno-almoço era sempre uma reunião estratégica. Sentados à mesa de mármore, eles desmembravam os mercados, o casamento deles uma câmara de guerra em tempo integral. Julian era um mestre em alternar entre o toque casual (a sua mão a deslizar sobre a dela para apontar um gráfico) e a frieza profissional (descartando sumariamente uma estratégia dela com base em dados que ela não havia considerado). A convivência diária revelava que Julian não era apenas o predador que a sociedade o pintava; ele era obsessivamente organizado e surpreendentemente dedicado à sua segurança. Ele havia instalado uma nova equipa de segurança pessoal para Seraphina, e monitorizava o seu schedule com a precisão de um CEO, mesmo sem a perguntar. A maior dificuldade, no entanto, era o Home Office. A antiga Suíte Leste de Seraphina estava agora completamente transformada, as suas secretárias espelhadas, separadas por uma vasta tela de vidro. Eles trabalhavam lado a lado, Seraphina a gerir o Égide e Julian a gerir a Kaine Industries. Certo dia, Seraphina estava a preparar uma aquisição complexa de tecnologia limpa e sentiu a sua concentração a falhar. — Julian — ela disse, sem tirar os olhos do ecrã. — Por favor, pare de olhar para mim. — Não estou a olhar. Estou a analisar. — Ele respondeu, a sua voz vinda do outro lado da sala. — É a mesma coisa. Sinto a sua presença. É uma distração. Julian pousou a sua caneta. — A presença é a sua nova realidade, Seraphina. Você tem que aprender a operar sob a pressão constante do nosso poder. A sua necessidade de isolamento era o seu único mecanismo de defesa. Agora, esse mecanismo não serve mais. Você tem que se adaptar. — E se eu me sentir sufocada? — Então, você aceita o sufoco e continua a vencer. Você é a Rainha do Égide. E eu sou o seu Rei. E reis e rainhas não têm o luxo da solidão. Ele se levantou e caminhou até o seu lado. Em vez de a beijar, ele massageou os seus ombros tensos, um gesto de conforto que desarmou todas as suas defesas. — O seu controlo não está perdido. Ele apenas mudou de foco. Em vez de controlar o mundo à sua volta, você controla o seu interior. A franqueza de Julian era uma nova forma de i********e. Ela descobriu que, no meio de toda a sua manipulação, havia um respeito genuíno pela sua mente e pela sua força. A Transparência Total No final da semana, Seraphina decidiu usar a sua condição de "transparência total" para o confrontar com a parte mais sensível do seu passado: a parceira que ele havia perdido. Eles estavam a tomar um copo de vinho na varanda, a cidade espalhada diante deles como um tabuleiro de xadrez que eles dominavam. — Você me contou sobre a parceira que perdeu, aquela que não conseguiu lidar com a pressão. O que era o nome dela? — Seraphina perguntou, a sua voz suave, mas a sua intenção era cirúrgica. Julian parou o copo no meio do caminho para os seus lábios. O seu corpo ficou tenso, a sua máscara voltou a fechar-se, mas ele havia prometido a verdade. — Alice Vane. — E ela trabalhava para a Kaine Industries? — Ela era o meu braço direito. Foi ela quem desenvolveu o algoritmo inicial de mineração de dados. Ela era brilhante, quase tanto quanto você. — Por que ela... saiu? Julian bebeu o vinho de uma só vez. — O dinheiro e o poder não a preencheram. Ela começou a pensar que a nossa parceria era mais do que um negócio. Quando eu não retribuí, ela se auto-destruiu. Ela tentou levar informações confidenciais para fora da empresa para me forçar a correr atrás dela. Eu não corri. E ela... — Ela cometeu suicídio. — Seraphina completou a frase, a voz baixa. Julian assentiu, os seus olhos azuis cheios de uma escuridão que ela nunca havia visto. — Sim. E o mundo pensou que eu a havia arruinado. Foi o único momento em que eu perdi o controlo. É por isso que eu exijo que você esteja sempre à vista. Não por controlo possessivo, Seraphina. É a minha forma de garantir que a sua mente nunca se vire contra si mesma. Eu não posso lidar com a perda de outro ativo insubstituível. A revelação foi um terremoto emocional. O seu controlo era, na verdade, medo. Seraphina sentiu uma onda de compaixão por ele, um sentimento que ela não queria sentir. — Eu não sou Alice. Eu sei separar o negócio da tragédia. E eu não vou atrás da sua aprovação emocional. Eu vou atrás da vitória. — E é por isso que você é a minha esposa. O Novo Desafio: A Concorrência Pessoal No dia seguinte, a ameaça à sua estabilidade não veio do mercado, mas do passado de Julian. Seraphina estava no home office quando a assistente executiva de Julian bateu à porta. — Desculpe interromper, Sra. Kaine. Mas a Sra. Leona Hayes está aqui para uma reunião urgente com o Sr. Kaine. Seraphina sentiu o seu estômago apertar. Leona Hayes era a CEO da Helix Global, uma rival feroz da Kaine Industries em tecnologia espacial. Ela era conhecida pela sua beleza implacável e pela sua reputação de fechar negócios com a mesma rapidez com que destruía homens. Julian levantou a cabeça do seu ecrã, e a sua expressão tornou-se de um pragmatismo frio. — Diga-lhe para esperar na sala de espera. Seraphina, você não precisa de estar nesta reunião. É estritamente Kaine Industries. — Não. Eu sou sua parceira. E ela é uma rival de topo. Eu vou estar na reunião. Transparência total, lembra-se? Julian a olhou fixamente por um longo momento, avaliando o desafio nos seus olhos. Ele viu que ela estava a testar os limites do seu acordo e, mais importante, a sua confiança nela. — Muito bem. Mas fique calada. Leona Hayes entrou na sala de conferências (a antiga sala de jantar). Ela era deslumbrante em um vestido vermelho justo, uma cor que Seraphina havia usado para a sua própria performance de poder. Leona não desviou o olhar de Julian. — Julian — disse ela, a sua voz era melosa, mas com um toque de aço. — Que bom ver que você finalmente se instalou. E você deve ser Seraphina. A Noiva de Ouro. — Sra. Hayes — Seraphina respondeu, com a voz gélida. — E eu sou a CEO do Égide. E a acionista majoritária do meu marido. Leona riu, um som calculado. — Eu sei. Você se move rápido, Seraphina. Mas Julian sempre gostou de projetos novos e ardentes. Mas vamos ao negócio. A reunião era sobre uma joint-venture de tecnologia espacial que a Kaine Industries precisava para um novo contrato militar. Leona Hayes estava a usar a negociação para flertar descaradamente com Julian, ignorando a presença de Seraphina. — Eu só confio em si, Julian — disse Leona, olhando para ele com uma i********e forçada. — Nós temos história. E eu sei que você sempre fecha o negócio mais lucrativo. Julian manteve-se frio e profissional, mas Seraphina notou a sua tensão. Ele estava a navegar por um passado desconfortável. — Sra. Hayes, Seraphina é a minha única parceira estratégica. As suas observações devem ser dirigidas a ambos. — E qual é a sua história, Julian? — Seraphina perguntou, quebrando o silêncio, a sua voz baixa, mas chamando a atenção. — Sra. Hayes parece insinuar que vocês têm uma parceria que transcende o quadro de lucros. Leona sorriu, vitoriosa. — Tivemos uma breve aliança antes de Julian se casar. Ele precisava de fundos para a sua primeira grande aquisição. Eu os forneci. E Julian, como sempre, retribuiu de forma muito satisfatória. A insinuação era clara: Leona e Julian haviam sido amantes ou, pelo menos, parceiros íntimos. Seraphina sentiu uma pontada de ciúme que a chocou. O seu coração estava a reagir a Julian Kaine. Julian virou-se para Seraphina, os seus olhos sem emoção, mas a sua mandíbula apertada. Ele sabia que Seraphina precisava da verdade, e ele a daria publicamente. — Seraphina. Leona Hayes forneceu um empréstimo de transição para a Kaine Industries. Foi um negócio puramente financeiro. Ela tentou transformá-lo em algo mais, mas eu não me envolvi. E o negócio foi fechado de forma... profissional. Não houve relação pessoal. A minha aliança com a Sra. Hayes terminou assim que o contrato foi assinado. Leona Hayes ficou lívida. A sua estratégia de usar a história pessoal para minar a posição de Seraphina havia sido desmantelada pela transparência de Julian. — Você está a mentir, Julian! — Eu não minto à minha esposa sobre os meus ativos — Julian retrucou, o seu tom era um ultimato. — Agora, Sra. Hayes, sobre a joint-venture. Sim ou não. Leona, derrotada, aceitou os termos de Julian. Quando a porta se fechou atrás de Leona, Seraphina olhou para Julian, a sua raiva e ciúme ainda a borbulhar. — Isso foi desnecessário. Você podia ter-me dito antes. — E você teria acreditado? — Julian perguntou, pegando na sua mão e apertando-a. — A transparência não é apenas a verdade sobre o passado, Seraphina. É a verdade no presente. Você tinha que ver a forma como eu a rejeitei, para que nunca mais duvide da minha lealdade ao nosso império. Julian beijou-a, um beijo vitorioso. Seraphina sabia que o preço da permanência era a sua total aceitação de Julian, com todas as suas sombras e jogos de poder. A guerra com Marcus havia acabado. A guerra pelo seu casamento estava apenas a começar.
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