A mansão dos segredos

1172 Words
A estrada era longa, sinuosa, com matas cerradas em ambos os lados. O sol do meio-dia atravessava as copas das árvores em feixes dourados, e o carro de Dario serpenteava pelas curvas com tranquilidade. Helena olhava pela janela, sentindo o estômago leve como se estivesse indo para um lugar que não era apenas físico — como se atravessasse uma fronteira invisível entre o que ela conhecia e o que ainda não sabia nomear. — Já estamos perto — Dario disse, sem tirar os olhos da estrada. Helena assentiu, embora não tivesse perguntado. Suas mãos estavam frias, apesar do calor. A brisa do mar se aproximava, carregada com o sal da lembrança de algo que ela não conseguia definir. A mansão surgiu de repente, após um último contorno de estrada: imensa, branca, de arquitetura colonial com varandas largas e janelas que refletiam o céu. Cercada por jardins bem-cuidados, ela se erguia como uma presença solene. Um lugar que pertencia mais ao silêncio do que ao tempo. — Bem-vinda ao meu exílio dourado — disse Dario, sorrindo, enquanto estacionava. Helena desceu do carro lentamente, os tênis afundando levemente na areia fina que cobria o caminho. O portão de ferro atrás deles rangeu com o vento. Ela ergueu os olhos para as janelas no segundo andar e teve a súbita sensação de que estava sendo observada. — Seu pai está? — perguntou. — Ainda não. Ele chega hoje à noite — respondeu Dario. — Mas a casa é toda nossa por enquanto. Você vai ver, é mais viva do que parece. Helena sorriu de canto, mas não respondeu. O interior da casa era tão impressionante quanto o lado de fora: pisos de madeira antiga, paredes claras, quadros com paisagens antigas e um silêncio que parecia gritar. A escada central levava ao segundo andar com uma elegância sombria. Ela não podia contar a Dario que viu seu pai e o porque da mentira? Porque o próprio pai se escondeu do filho e o que ele estava fazendo naquela casa de praia? — Te mostro o quarto? — ele perguntou, conduzindo-a por um corredor. O quarto era espaçoso, com uma cama de dossel, cortinas brancas e uma janela aberta para o mar. Ao longe, o som das ondas misturava-se com o assobio do vento entre as árvores. — Aqui você vai dormir como uma princesa — brincou Dario, deixando a mala dela junto à porta. — Princesas geralmente dormem m*l em contos assim — respondeu Helena, num tom quase profético. Ele riu, mas ela permaneceu séria. Havia algo naquela casa que latejava sob a superfície, como uma memória que não era dela, mas que a tocava de forma íntima. Mais tarde, enquanto Dario tomava banho, Helena saiu para explorar. Os corredores pareciam mudar de tamanho conforme ela caminhava. Passou pela biblioteca, onde livros de capa dura forravam as estantes até o teto. Entrou discretamente, os dedos deslizando pelas lombadas gastas, até parar diante de um exemplar com o título em francês: “Les Ombres du Passé”. Ao abri-lo, uma pequena foto antiga caiu. Era de uma mulher jovem, cabelos escuros e expressão grave. Helena teve um sobressalto. A mulher se parecia com ela. Muito. Guardou a foto no bolso, sem saber explicar por quê, e seguiu. Na sala de estar, havia uma lareira apagada, algumas poltronas e um relógio de pêndulo que marcava o tempo com precisão quase angustiante. A cada tic-tac, Helena sentia o peso de algo que se aproximava — não em passos, mas em atmosfera. Era como se a casa respirasse com ela, como se conhecesse seus passos antes mesmo de dados. Foi então que chegou ao final do corredor e viu uma porta entreaberta. O interior era um escritório — diferente do resto da casa, com paredes mais escuras e móveis pesados. Um aroma de couro e tabaco pairava no ar. Havia uma escrivaninha organizada com perfeição. Sobre ela, um porta-retratos com uma foto de Dario ainda pequeno, ao lado de um homem mais jovem, de terno e olhar severo. O pai. Ela não soube explicar por que aquilo a incomodou tanto. Mais à direita, sobre uma mesa lateral, um pingente. Um pingente exatamente igual ao que ela recebera na festa universitária — simples, prateado, com uma pedra azul no centro. O coração dela disparou. Ela se aproximou, engolindo em seco. Não era possível. Seria coincidência? Ou seria... ele? Não houve tempo para perguntas. Um trovão rasgou o céu de repente. Helena recuou, como se despertasse de um transe. A chuva começou a cair com fúria sobre o telhado da casa, tamborilando como dedos nervosos. Ela voltou para o quarto em silêncio, e quando Dario apareceu, trajando bermuda e camisa leve, ela tentou sorrir, esconder o peso do que sentira. — Quer jantar aqui ou sair? — ele perguntou. — Aqui. Não estou com humor pra multidões — respondeu. Eles comeram à luz de velas, por causa da queda de energia provocada pela tempestade. A atmosfera parecia tirada de um livro de suspense. Ouvia-se apenas a chuva, os talheres e, ocasionalmente, o som do mar colidindo com as pedras lá fora. Mais tarde, deitada na cama, Helena tentou dormir, mas o som do vento e o barulho de passos no andar de baixo não a deixavam. Ela se sentou, olhando em direção à porta. Talvez fosse apenas Dario — ou talvez não. Levantou-se e caminhou silenciosamente até o corredor. O relógio ainda marcava as horas com precisão assombrosa. Helena seguiu o som que parecia vir da sala de estar. Quando chegou à escada, hesitou. E então viu. A silhueta de um homem parado junto à lareira. Alto, de costas, o paletó escuro bem cortado, o cabelo molhado pela chuva. Ele segurava algo nas mãos. Ela estremeceu. Como se pressentisse a presença dela, ele se virou devagar. E quando os olhos dele encontraram os dela, Helena sentiu o mundo parar por um segundo. Era ele. O pai do meu melhor amigo. Mas agora ele não era mais um mistério solto na noite. Agora... ele estava na casa onde ela passaria os próximos dias. E onde o passado começava a se encaixar como peças de um quebra-cabeça esquecido. Antes que ela pudesse falar algo, ele disse, com voz baixa e firme: — Eu sabia que você viria com amiga meu filho. Helena deu um passo para trás, o coração batendo como um tambor desgovernado. — Quem era de fato esse homem? Como surge de um lugar para outro assim? Por um segundo Helena pensou que estava tendo alucinaçãoes acordada. — Helena, está tudo bem?- perguntou Dario — Sim, e que não entendi porque não ficamos naquela casa com os outros? — Meu pai pediu um tempo so comigo e então aqui estamos nós e para de fazer essa cara de espanto vamos encontrar nossos amigos a noite e aqui e bem melhor não acha? E então... A porta da frente bateu com força, como se selasse um destino. "Naquela noite, uma tempestade começou... e trouxe junto o homem que eu deveria ter esquecido."
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