Prólogo
Beatriz nunca esqueceria aquela cena. Ela tinha acabado e sair da escola, quando viu o carro do pai parado a certa distância. Seu coração acelerou prevendo que algo não estava bem. Seu pai não costumava ir busca-la no colégio, seja porque ela já tinha 17 anos ou porque a escola ficava a duas quadras do seu apartamento. Mais estranho ainda foi sua irmã mariana de 10 anos se encontrar sentada no Banco de trás.
Ela se aproximou rapidamente do carro e indagou ao pai antes mesmo de entrar no carro.
- A mamãe está bem?
Ele estava de óculos escuro e ela não poder ver o que ia em seus olhos.
- Entre no carro Beatriz, precisamos ir ao hospital.
Com as pernas tremendo ela obedeceu e cerca de meia hora depois os três desciam em frente ao hospital que a mãe estava internada a mais de um mês devido ao agravamento de um câncer no ovário.
A recepcionista os levou ao quarto e Beatriz viu a mãe cercada de médicos e parecia mais pálida do que nos outros dias.
Mariana agarrou a mão do pai e não quis se aproximar da cama, mas Beatriz se colocou ao lado da mãe e segurou sua mão magra e fina.
- Oi mãe, o papai disse que você queria falar comigo.
Ela tossiu e tentou respirar lentamente, mas via-se que fazia um esforço sobre-humano.
- Sim filha, quero sim.
A voz dela mais baixa e mais fraca do que no dia anterior.
- Calma, fale devagar.
Ela tinha olhado fixamente para Beatriz e proferiu as palavras que ela carregaria para o resto da vida.
- Não vou aguentar muito tempo filha, então escute...
-Mãe...
Ela tinha apertado a mão da filha.
- Não filha, vamos encarar os fatos, minha doença é terminal.
Beatriz não segurou as lágrimas e assentiu para que a mãe continuasse.
- Eu sei que você só tem dezessete anos, é uma criança, mas terá que cuidar da sua irmã, promete?
Ali sua vida tomava um novo rumo.
- Sim. Prometo minha mãe.
***
Beatriz
Era uma manhã de sábado ensolarada típica do verão carioca e Beatriz estava parada em frente à Mansão de Jefferson Ryan em Copacabana, Rio de Janeiro.
Aquele seria seu primeiro dia de trabalho como chef de cozinha na casa daquele empresário riquíssimo e cheio de “detalhes” como disse Joana, a secretária de confiança dele, quando lhe indicou para o serviço. Beatriz se perguntava por que alguém precisava de uma chef de cozinha em casa. Bastava uma simples cozinheira e se queria comer pratos sofisticados que fosse a um restaurante. Mas se ele queira pagar uma fortuna para ela fazer pratos exóticos nos fins de semana, o problema era dele. Ela queria mesmo era ganhar um dinheiro extra e poder quitar a faculdade de medicina da irmã que estava no último semestre.
Ela estava com sensação do dever cumprido. Mariana estava pronta para seguir a vida sozinha. Estava formando em Medicina, e aprovada na residência para um bom hospital. Ela podia respirar um pouco depois de muito tempo.
Sua vida fora basicamente cuidar da irmã e tentar cuidar de si mesma. Sua mãe falecera muito cedo devido a um câncer no ovário e seu pai resolvera cuidar da própria vida ao lado de outra mulher. Embora ele tentasse dar alguma atenção para as filhas, o processo natural de ter outra família o afastava de suas vidas. Para Beatriz não foi fácil se ver aos dezessete anos tendo que assumir a responsabilidade de uma casa e de uma irmã de dez anos. Ela não teve que se preocupar tanto com questões financeiras, pois a mãe que era funcionária pública deixou uma pensão que possibilitou que elas pudessem estudar sem precisar trabalhar e um seguro de vida que ela guardou para momentos de crise. E seu pai, pelo menos foi sensato e deixou que elas ficassem no apartamento que moravam e comprou outro para ele. Ele também era funcionário público e ajudava sempre que possível quando elas tinham grandes necessidades.
Não podia dizer que tivera uma vida economicamente r**m, mas a falta do amor e da proteção materna a fizeram sofrer muito a ponto de precisar de acompanhamento psicológico para se manter de pé. Hoje, treze anos depois ela estava bem, e tentava seguir a vida, mas os reflexos dos anos de sofrimento fizeram Beatriz se tornar um pouco cética diante de muita coisa na vida, principalmente no que se refere aos homens e ao amor.
O casamento dos pais nunca fora um mar de rosas e sua mãe sofrera muito com as traições do marido e aquilo foi fazendo com que ela fosse desacreditando um pouco na beleza do casamento. Não que ela se privasse de namorar, ao contrário, ela não recusava quando um cara legal mostrava interesse, apenas não se deixava iludir achando que ele era seu príncipe encantado. Príncipes não existiam e quando se mostravam como tal no final virava sapo, tal como tinha acontecido com Gustavo. Ela pensou ter encontrado uma pessoa legal e ele quase a destruiu. Mas aquilo estava no passado e ela não queria relembrar os piores momentos da sua vida. Tinha conseguido empurrar tudo para o fundo da memória e aquela história parecia que tinha acontecido com outra pessoa e não com ela.
Ela suspirou e voltou à realidade. Desceu no carro e se dirigiu ao portão de entrada da casa. Antes porém observou o quanto era enorme e bonita. Era toda branca com telhados vermelhos. Tinha uma infinidade de janelas de vidro, um jardim enorme que ladeava a casa e uma piscina gigantesca na frente. Uma casa daquela naquele bairro deveria custar uma fortuna. Então o tal Jefferson deveria ser um milionário. Fora informada que ele morava sozinho, mas estava noivo e Alana frequentava a mansão como se já fosse a dona e que ela deveria seguir suas ordens como se fossem do próprio Jefferson.
- Vamos lá Beatriz, vamos ver como vai ser lidar com essa gente esquisita que paga tanto dinheiro para ter a chef de cozinha do “Bom Paladar” exclusivamente para eles.
Ela se identificou no portão e foi informada que Joana a aguardava na cozinha. Lá encontrou, além de Joana, uma fileira de empregados uniformizados como se estivessem preparados para entrar num campo de batalha, só faltaram bater continência para ela.
- Bom dia a todos.
Joana deu um passo à frente e estendeu a mão
- Seja bem vinda Beatriz.
Ela descansou a bolsa em cima do balcão sentindo-se uma alienígena. Pensou em suas roupas florais e extravagantes, o cabelo vermelho curtinho, as duas tatuagens saltando para fora da camiseta e o piercing no nariz e olhou para aquelas criaturas vestidas de preto e branco, sem nenhuma expressão no rosto e imaginou como seria o dono daquela casa.
- Obrigada, Joana.
Beatriz foi apresentada aos funcionários. Tinha funcionário para cuidar do jardim, da piscina, dos banheiros, da roupa, da cozinha e etc.
- Você terá uma pessoa com você na cozinha para ajudar na limpeza, não queremos que você faça o serviço pesado. Você foi contratada para criar os pratos e não para lavá-los.
- Agradeço.
- De acordo com o cardápio que combinamos para este fim de semana, já providenciei todo o material necessário
- Tudo bem
- O Sr. Jefferson está dormindo e só deve acordar perto do almoço, então você terá tempo para preparar os pratos que ele escolheu. Ah, e faça para duas pessoas porque a Srta. Alana está com ele. Vou precisar me ausentar, qualquer coisa me avise e tão logo o almoço seja servido a Srta. está dispensada. Alguma dúvida?
- Não, tudo certo. Pode ir tranquila.
Ao se ver sozinha, Beatriz observou calmamente a cozinha. Era quase maior que seu apartamento inteiro e muito bem mobiliada. Era o sonho de qualquer chef ter uma cozinha daquela para trabalhar e ela pretendia mostrar que era digna da profissão que escolhera.
Foi até o banheiro e colocou o avental fazendo uma oração para que tudo desse certo em seu primeiro dia de trabalho.