Presenças Que Pesam

1133 Words
Bruno Desde o aniversário da Maria, algo não me desce. A felicidade dela, com os olhinhos brilhando ao soprar as velas do bolo, é o que me move. Mas Camila… Camila começou a me parecer uma peça fora do lugar. No início, achei que era carinho, talvez até excesso de cuidado. Agora, estou certo de que é algo mais profundo e mais perigoso,ela aparece em lugares onde não deveria estar. Um dia, Maria comentou que Camila foi buscá-la na escola, mesmo sem eu pedir. Outro, apareceu no consultório da pediatra. Quando questionei, ela riu e disse: — "Queria ajudar, amor… só isso. Me importo com ela." Mas não era só isso. Camila passou a colocar fotos nossas nas redes sociais, como se fôssemos uma família. Maria gosta dela, claro, é uma criança, vê carinho e brincadeira. Mas até ela começou a dizer: — "Pai, por que a Camila dorme aqui se a mamãe não pode?" Como eu responderia isso? Milena. Eu a vejo às vezes, de longe. Trocamos Maria na escola ou nos dias combinados. A relação entre elas cresceu. Maria fala com orgulho da mãe, dos abraços apertados, das histórias antes de dormir. É estranho. Um alívio ver minha filha feliz, mas um soco lembrar que eu quase criei ela sozinho… achando que Milena estava morta, e como esquecer as fotos? Ela com Gustavo. Os beijos. A vida. A cama, será que o amor morre? Ou vira outra coisa… como raiva? e então tem Rodrigo. Desde que ele reapareceu, nunca mais tive paz. A amizade antiga com Milena virou cumplicidade. Conversas no canto, olhares. Ele é advogado dela. Está sempre perto,perto demais,outro dia, cheguei para pegar Maria e ele estava lá, servindo café, rindo com Milena. Fingi que não vi. Ele também,mas por dentro…por dentro, eu explodi, Rodrigo Narrando Nunca foi minha intenção me meter entre eles. Mas agora, não vou mentir: gosto da Milena. Talvez sempre gostei, mesmo quando ela era só a amiga rebelde da adolescência. E agora que ela está lutando para reconstruir a vida, eu quero estar aqui,mas o olhar do Bruno me corta. Ele me mede, avalia. Sei o que ele pensa,ele acha que estou tentando substituir o espaço que ele perdeu,mas esse espaço, ele mesmo largou,ela dormiu em meus braços uma noite,estava vulnerável, assustada e ainda assim, linda,eu jamais faria nada sem o consentimento dela,mas Bruno não entende isso. Ele está acostumado a ser o herói, o pai sozinho,agora, que Milena voltou à vida, ele quer o controle de novo,mas talvez seja tarde demais. Bruno Narrando Hoje eu a vi com ele de novo, Milena. Rodrigo,foi na saída da escola. Maria correu até mim com a mochila nas costas, feliz, como sempre. Mas logo atrás vinha Milena… e Rodrigo segurando um casaco dela. Aquele gesto. Simples, íntimo,não me contive. — "Você vai continuar colado nela até quando, Rodrigo?" Ele não respondeu. Milena ficou tensa. — "Estamos resolvendo coisas da guarda da Maria" — disse ela, firme, mas eu já não ouvia,Camila apareceu do nada. Com um pacote de doces nas mãos. — "Trouxe as balas favoritas da Maria!"— ela disse, rindo,Rodrigo me olhou. Um daqueles olhares que não dizem nada, mas falam tudo,naquela noite, Camila quis dormir aqui de novo. Insistiu. — "É para te ajudar a relaxar", — ela disse,mas eu não consegui,passei a noite em claro,pensando no que perdi e no que ainda pode ser tirado de mim. Rodrigo Narrando Eu a vi chorar outro dia,Milena, ela me abraçou e disse que não aguentava mais os olhares de desconfiança. — "Eu só quero ficar bem com a Maria, Rodrigo… só isso." — "E o Bruno?" Ela não respondeu eu também não insisti,mas algo me diz que esse jogo ainda não acabou e que Camila…Camila não é só uma namorada, ela é um aviso. Milena A noite estava quente, abafada, como se o ar carregasse eletricidade. Eu havia acabado de colocar Maria para dormir quando a campainha tocou. Uma batida firme. Impaciente. Eu soube antes mesmo de abrir Bruno. Abri a porta e lá estava ele. Camisa social aberta no colarinho, cabelo bagunçado, olhar escuro. Estava claramente alterado,não de álcool, mas de sentimento. De tudo que nos liga e nos arrebenta. — "O que aconteceu?" — perguntei, mantendo a voz firme, apesar do coração disparado. Ele entrou sem pedir. Foi direto para o meio da sala, os olhos girando pelo ambiente como se buscasse alguma prova invisível. — "Rodrigo está aqui? " — ele soltou, ríspido. — "Não." — Cruzei os braços. — "E mesmo que estivesse, qual o problema?" Bruno se virou com violência, os olhos faiscando. — "O problema é você, Milena! É essa sua mania de brincar com o sentimento dos outros, como se todo mundo fosse descartável!" Dei um passo à frente. — "Eu nunca brinquei com você, Bruno. Nunca." — "Não?! "— Ele deu uma risada amarga. — "E os cinco anos que sumiu? Acha que foi fácil acordar todos os dias achando que você estava morta? Acha que foi fácil criar a Maria sozinho, enquanto você vivia com aquele desgraçado? " — "Você acha que eu escolhi isso? "— gritei de volta. — "Acha que eu acordei em um hospital no Chile e decidi esquecer meu nome, minha filha, minha vida?! Eu fugi porque estava entre a vida e a morte! " Silêncio. Um silêncio espesso. — "Eu te vi nas fotos. "— ele disse baixo, os olhos mergulhados nos meus. — "Você parecia feliz. Ele te beijava, você sorria. Você parecia… dele." Engoli em seco. — "Eu estava tentando sobreviver." Bruno deu um passo à frente. Estava perto agora. Tão perto que senti seu cheiro. Madeira, suor, e algo mais… algo dele. —" E agora?" — ele perguntou, quase num sussurro. — "Vai sobreviver nos braços do Rodrigo?" Minha mão tremeu. — "Você não tem esse direito, Bruno." — "Eu tenho todo o direito!" — ele explodiu. — "Você era minha vida, Milena. Eu te amei com cada célula do meu corpo. E mesmo agora… mesmo agora, quando eu deveria te odiar, eu ainda…" Ele não terminou. Me puxou com força pela cintura, e nossos corpos colidiram como faísca e pólvora. Os lábios se encontraram com raiva, com fome, com tudo que foi sufocado por anos. Era um beijo de guerra. De revanche. E ainda assim, era um beijo de amor. Mas quando nos afastamos, arfando, olhos ainda queimando, a realidade caiu como um balde de gelo. — "Eu… não posso…"— ele murmurou, dando um passo para trás. —" Bruno…" — "Eu tenho nojo de mim por ainda te querer." — ele disse, antes de virar as costas e sair. Fiquei ali, tremendo. Sozinha. Com o gosto dele ainda nos meus lábios. E uma dor insuportável crescendo no peito.
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