- Não, Pablo eu não vim aqui pra isso.
O hacker segurou Lis pela parte de trás do pescoço e a beijou, estava com saudade da conexão que tinham, do aperto no peito bom que sentia quando estavam juntos, a pele arrepiada, o desejo quase selvagem, mas principalmente, de vê-la deixar de ser uma guerreira e se tornar menina em seus braços.
- E veio aqui pra quê? Fala! Diz pra mim que não quer e eu vou embora, o que está fazendo com aquele cara se bastou um beijo para você se entregar?
Poucas pessoas conheciam o rosto de Ming ou o que ele representava e Pablo estava alheio a todos os assuntos da organização, em especial este, por razões óbvias, depois que os líderes descobriram que o chinês havia acabado com a guerra entre as famílias, mesmo após o assassinato do irmão em troca da mão de Lis, esconder isso do hacker era fundamental para que as coisas continuassem caminhando.
Pablo também estava casado, depois que a noiva o abandonou ele cedeu, aliás desistiu, o relacionamento dos dois havia sido longo e cheio de conflitos, a maior parte deles porque Lis não era e nem aceitaria ser como as outras mulheres, o sonho com o príncipe encantado, a necessidade de proteção, a ideação de maternidade, nada disso tinha muito valor para a garota. Conhecia a pior face da humanidade e sabia jogar com as armas que tinha, o seu único deslize durante o percurso foi se apaixonar tão perdidamente por Pablo que nada era capaz de fazê-la esquecer.
Ivan foi o principal apoiador, incentivou o relacionamento de Pablo com Rachel de todas as maneiras, gostava do amigo e achava que Lis era uma mistura explosiva de todas as coisas que eram capazes de destruir um homem.
- Pablo, o amor precisa calmo, cuidadoso, precisa entender que já faz dez anos entre idas e vindas, e em nenhum momento você teve alguém ao seu lado de verdade. Se quer uma mulher só para sеxο é melhor pagar, agora se quer ser feliz, precisa aprender a gostar de quem gosta de você e a Lis não gosta nem dela, nunca gostou.
A máfia tinha nuances machistas, aliás a sociedade tem, mas ali tudo ficava muito normal, as decisões eram masculinas, o poder, e cabia as mulheres serem belas e submissas, obviamente era uma ilusão, todos sabiam que Sara comandava o capô, Júlia apesar do jeito doce era o norte do subchefe e Ayla dava o tom da vida do contador, não eram os únicos, mas a diferença estava da forma, elas sabiam fingir fraqueza e usá-la como força, Lis não curtia jogos, era sempre ela, sempre a mesma.
Mas foi mentindo que ela respondeu a Pablo, com a alma em pedaços, o coração sangrando, ainda assim mentiu.
- Sempre foi só isso, Pablo, a gente sempre foi só uma fodα boa demais para dispensar. E sabe que não deixo passar oportunidades, mas isso nem de longe quer dizer que vou abandonar o meu marido, um homem que se orgulha de andar comigo na rua, que me respeita, que será o pai dos meus filhos e não um pαu mandado de uma montanha de músculos qualquer. Você é o quê?
- Um cara que te ama.
Pablo falou abaixando a cabeça, nunca foi inseguro, aliás ao contrário, beirava a arrogância, no entanto depois de perder o braço, de viver nas sombras e vencer tudo isso pelo que sentia pela mulher a sua frente, flertava com o medo de não ser o suficiente cada minuto da sua vida e foi esse pânico que o fez aceitar o amor de Rachel, ainda lembrava da fala de Solar, a filha do conselheiro que sequer tinha qualquer amizade com ele.
- Está aceitando esmolas por medo de não ser digno de receber mais e isso é perigoso, já vivi isso.
Solar viveu uma paixão que quase a destruiu, se apaixonou por Dylan, um dos soldados da organização, mas o homem nunca foi capaz de retribuir esse sentimento. A garota só descobriu que o que ela chamava de amor era falta de autoestima quando conheceu Dragón, o atual marido a enchia de certezas, foi como despertar de um pesadelo onde ela não significava nada, para um mundo onde ela era simplesmente tudo. E de alguma forma, achava que era exatamente isso que o hacker estava fazendo, aceitando o que tinha, por medo de não conseguir o que realmente queria.
Lis tocou em uma autoestima já destruída, como um cristal quebrado e que foi só encaixado no lugar, no primeiro toque espatifou e ela percebeu, o sorriso debochado que amava tinha sumido, o aperto firme em seu corpo, o olhar decidido, foi como o perder de novo. Quis poder gritar que era mentira, que o amava com loucura e que nenhum homem, jamais seria capaz de substitui-lo, mas não podia, Ming tinha poder demais e ela não estava disposta a chorar a morte de Pablo.
- Não seja ridículo, nerd! Você está casado, tem um filho. Não foi você quem me cobrou por algumas mensagens com um desconhecido quando achei que você estava MORTO, que moral você tem?
- Você foi embora, posso ser só um nerd aleijado, mas eu não te traí, não tem o direito de falar da minha família, Rachel é uma boa mulher.
Lis odiou ouvir o ex-noivo falar da atual esposa daquela forma, a defender como nunca tinha feito por ela, sentiu um nó na garganta, mas não cedeu.
- Agora sou eu que pergunto, e está fazendo o que aqui?
- Nada... Eu sou um idiotα.
Virou as costas e saiu, não sentia apenas que tinha feito papel de trouxα outra vez, mas também uma culpa terrível por deixar a esposa e casa e correr como um cachorrinho atrás de alguém que sempre deixou claro que preferia a liberdade descompromissada a uma família, ela o negou o que Rachel havia lhe dado com felicidade, mas ainda assim, ele a procurava compulsivamente durante todo aquele tempo.
Assim que chegou na porta ela o chamou e isso o encheu de esperança outra vez, como se aquela voz tivesse o poder de arremessá-lo do inferno ao céu.
- PABLO!
Ele voltou e a encarou.
- Fala, boxeadora, pelo amor de Deus fala, me diz qualquer coisa.
Lis queria, quis lhe dizer muitas coisas, da saudade que sentiu, das vezes que desejou que ele estivesse com ela, das músicas que ouviu, do vento no rosto que a fazia lembrar os passeios de moto, quis pertencer a ele para sempre, mas não foi o que disse.
- Vai ser feliz, Nerd, não me procura mais.
Pablo voltou para o Brasil, mas deixou toda a sua capacidade de sentir naquele quarto de hotel, decidiu que aquela seria a última vez que se deixaria guiar por sentimentos, que valorizaria a família que tinha ao lado da esposa com racionalidade e ainda assim, tinha certeza de que ela seria grata por isso.
Lis tomou um banho e se arrumou antes de sair, precisava voltar para casa e sabia que enfrentaria o marido pelo que fez, estava disposta a isso, aceitaria qualquer que fosse o preço desde que o homem que amava estivesse bem.
O problema era que nem mesmo ela esperava o que aconteceria, estava casada com alguém disposto a tudo para vencer e isso incluía muitas coisas.