3 - Nu

2292 Words
Alina Tentei não me impressionar com Steven Davis, mas era difícil. Ele era tão autoritário, tão responsável por tudo na casa. Quando o conheci, eu estava determinada a me manter firme. Não queria que ele pensasse que eu era uma flor tímida e reservada, facilmente explorada. Quando vi a publicação online dizendo que um bem-sucedido empresário estava procurando uma babá, quase não respondi. Eu não tinha experiência profissional cuidando de crianças, embora gostasse de ser babá. Decidi encarar essa tarefa como qualquer outra. Quando larguei meu emprego para cuidar da minha avó, não tinha experiência como auxiliar de saúde domiciliar, mas aprendi. Seria a mesma coisa com o cuidado de crianças. Eu criaria um cronograma e o seguiria. Descobriria o que a pequena gostava de fazer e me certificaria de incorporar essas atividades à rotina diária. Eu precisava de um lugar para ficar, e a vaga de babá incluía hospedagem e alimentação. Era perfeito, e me concentrei em me apresentar profissionalmente para fechar o negócio. A primeira entrevista foi com um cavalheiro chamado Ray. Ele foi simpático, explicou o que seu empregador queria e quantas vezes eles falharam em acertar. Percebi que o nível de exigência era alto e decidi impressioná-los com minhas habilidades. Se eu conseguisse durar um ano, seria uma grande melhoria em relação a quem eles contrataram antes de mim. Aceitei uma carona de volta para a mansão de Steven. O verde do interior da Irlanda era evidente até mesmo na cidade. Árvores grandes pontilhavam as ruas e os parques, brotando até nos intervalos. Quando nos afastamos dos arranha-céus e dos hotéis rumo a terrenos particulares, pude ver que os gramados eram magníficos. A casa de Steven ficava aninhada em um bosque tranquilo, bem escondida da estrada. Segui Ray pelo hall de entrada, passando pela sala de estar, até um escritório nos fundos da casa. O tempo todo, mantive os olhos fixos no meu anfitrião. Não queria que ele me visse olhando ao redor, examinando todos os móveis e obras de arte emolduradas. O edifício era, de longe, o recinto mais opulento em que já estive. O teto era de dois andares no hall de entrada, com um lustre gigante dominando a vista. Os sofás e poltronas eram de couro, com dois assentos dispostos no espaço de estar de conceito aberto, em vez de apenas um. As paredes eram pintadas de um creme suave, captando a luz do dia de várias janelas. Em suas superfícies, pendiam retratos de pessoas ricas, cada quadro emoldurado em ouro. Era difícil não me encantar com o ambiente, mas era ainda mais difícil não apreciar o próprio homem. Quando entrei pela porta, atravessei o espaço vazio. Mantendo em mente a aparência profissional que eu desejava apresentar, ofereci a Steven minha mão. Ele se ergueu em toda a sua altura, e não pude deixar de notar como seus músculos preenchiam sua camisa. Ele era mais velho do que eu, mas não muito. Percebi que ele também havia passado por um turbilhão emocional. O peso do mundo estava gravado em seu rosto, e imediatamente senti uma conexão. Eu me perguntava como ele tinha se tornado pai solteiro. A esposa dele tinha morrido ou o abandonado? Se ela o havia abandonado, o que se passava na cabeça dela? Será que ela não via o esplendor em que ele vivia? Será que ela tinha sido tão infeliz a ponto de abrir mão de tudo? Guardei esses pensamentos, concentrando-me na entrevista de emprego. Steven era rude, me avaliando instantaneamente. Eu me perguntei se ele conseguia ver através da minha blusa. Mas sabia que era ridículo. Usei minha melhor roupa, uma das duas únicas que poderiam ser chamadas de profissionais. O resto do meu guarda-roupa era jeans e camisetas, o traje padrão americano que me serviu bem durante toda a faculdade. — Ray vai te mostrar o seu quarto — disse Steven, encerrando nossa conversa. — Eu consegui o trabalho? — perguntei, espantada que tivesse sido tão fácil. — Se você quiser. — Sim — respondi rapidamente, a excitação me traindo. Eu queria adotar a atitude despreocupada que tantas negociações exigem, mas Steven não se deixou enganar. Nem tínhamos conversado sobre o meu salário e eu já estava aceitando o cargo. Seguindo Ray pela porta, perguntei a ele: — Quanto isso paga? — O cargo é de cinquenta mil euros anuais, com alojamento e alimentação — respondeu ele, levando-me por um caminho sinuoso pelo primeiro andar da mansão. — Você terá folga aos domingos e poderá usar o carro, se tiver carteira. — Tenho carteira — respondi. — Mas não na Irlanda. — Posso ajudá-la a se candidatar a uma — ele sorriu graciosamente, indicando uma porta no fundo do salão de serviço. Olhei para dentro. Não havia nada além de uma cama e uma cômoda, nenhum banheiro anexo e muito pouco espaço no chão. Vaguei pelo quarto, inspecionando-o, mas não demorou muito. Entendi que começaria a trabalhar imediatamente. Assim que Noah acordasse do cochilo, eu teria que me apresentar. — Deixei minhas coisas no hotel — eu disse. — Vou mandar alguém buscá-las — disse-me Ray. — E podemos pagar a sua conta. — Não é necessário — eu tinha uma pequena economia que havia trazido comigo, o suficiente para cobrir as despesas de uma semana. — Por favor — Ray argumentou. — Isso é o mínimo que podemos fazer. Você é uma salva-vidas. — Não sei sobre isso — baixei os olhos, cautelosa com a abundância de elogios logo no começo. Noah acordou antes que eu percebesse, interrompendo minha conversa com Ray. Nos demos muito bem assim que demonstrei que conseguia descer ao nível dela e brincar. Ela me mostrou todos os seus brinquedos. Ela tinha uma sala de jogos inteira cheia de bonecas e quebra-cabeças, muito mais do que eu tinha quando criança. Caminhamos de um lado para o outro da sala. Cada boneca tinha um nome e uma profissão. Havia carrinhos de brinquedo e dinossauros de plástico. Abrimos um espaço no meio da sala e fizemos um desfile de moda. Meus dedos de adulta possibilitaram trocas rápidas de figurino, e, quando ela descobriu isso, Noah exigiu que eu vestisse e trocasse de roupa em cada brinquedo. Horas se passaram antes do jantar. A garotinha me levou até a cozinha, subindo em sua cadeira por hábito. A cozinheira era uma mulher gordinha, com olhar pragmático. Ela serviu pratos de palitos de peixe e batatas fritas. Olhei para ela, alarmada. Era uma refeição de criança, sem nenhum adorno de vegetais verdes. A cozinheira me lançou um olhar fulminante, e eu engoli minha objeção antes de expressá-la. Eu estava acostumada a cozinhar para mim mesma e já havia aperfeiçoado vários pratos saudáveis para compartilhar com a vovó quando ela ainda era viva. Eu preferia aspargos e saladas com um pouco de frango assado para obter proteína. Eu não comia um espetinho de peixe desde os dez anos de idade. Noah estava animada demais para notar, me contando tudo sobre seu pônei. Prendi a respiração e engoli a refeição com uma cerveja. Pelo menos nesse aspecto, eu era tratada como adulta. Depois daquele primeiro dia, eu estava determinada a fornecer alguma estrutura. Ela iria para o jardim de infância em breve, o que significava que precisava aprender a ler. Coloquei alguns livros ilustrados no meu tablet e reservei um tempo para estudarmos. Nos intervalos, brincávamos de nos fantasiar, andávamos pelo jardim e fazíamos nossas refeições. Não vi Steven com muita frequência nas primeiras semanas. Como prometido, ele saía de casa todas as manhãs e só voltava tarde da noite. Eu me cansava tentando acompanhar minha pequena e terminava cada dia, grata, na cama às nove. Uma vez, eu estava lá em cima, perto do quarto principal. Estava tentando chamar Noah para descer e tirar sua soneca, e precisava de um rolo novo de papel higiênico. Uma das rotinas que eu queria implementar era visitas regulares ao banheiro. Ela já sabia usar o penico, mas eu queria que adquirisse o hábito de ir ao banheiro antes de dormir, para aproveitar ao máximo o tempo livre depois. Noah tinha seu próprio banheiro no quarto infantil, e eu a mandei até lá para fazer suas necessidades. Um momento depois, ouvi sua vozinha pedindo mais papel. Em vez de ir até o armário no andar de baixo, decidi pegar um rolo do quarto de Steven. Foi uma péssima escolha, e me arrependi no momento em que pus os pés lá dentro. Eu esperava que ele estivesse no trabalho. Nem sabia que estava em casa. Entrei sem pensar, como se fosse dona do lugar, determinada a pegar o que precisava. Ele estava parado no meio do quarto, com uma toalha enrolada na cintura. O ar estava cheio de vapor, as paredes do banheiro ainda molhadas. Fiquei boquiaberta de surpresa ao vê-lo quase nu. Seu cabelo curto, em um tom âmbar escuro, parecia ainda mais vivo por causa do calor. A barba delineava o maxilar, disfarçando o formato reto do queixo. Seu pescoço era um tronco firme de músculos e, abaixo, seu peito nu era coberto por tatuagens. Eu nunca tinha visto tantas. Elas se entrelaçavam em voltas e redemoinhos intrincados, cruzes irlandesas e faixas entrelaçadas. Seus ombros desciam até bíceps generosos, seu abdômen era puro deleite. O que estava escondido sob a toalha certamente era igualmente magnífico, e eu não conseguia tirar os olhos da cena. Ele rosnou para mim. Literalmente rosnou, como um animal selvagem. Eu não entendi. Era um som feroz e carnal, que rompeu a civilidade cuidadosa que havíamos construído até então. Senti meu coração saltar na garganta e bati a porta com força. Amaldiçoando-me por trair sua confiança, saí às pressas. Encontrei um pacote de papel higiênico no andar de baixo e levei de volta para Noah, que ainda esperava. Quando vi Steven novamente, ele estava completamente vestido e nem se deu ao trabalho de me olhar. Eu segurei minha língua. Ele era como a Fera naquele conto de fadas — todo poder e bordas afiadas. Fiz o meu melhor para me redimir, sorrindo sempre que ele estava na sala. Mas ele fingia não se importar. Tentei não deixar isso me afetar. Se ele não fosse tão gostoso, teria sido bem mais fácil. Eu o imaginava nu quando ia para a cama à noite. Era uma loucura — ele era meu chefe. Mas aquelas tatuagens, a barba… a combinação fazia meu coração disparar. Eu sentia uma pequena emoção toda vez que o via. **** Domingo era o meu dia de folga, o que significava que Steven estaria em casa para cuidar de Noah. Ray havia prometido me ajudar a tirar minha carteira de motorista, mas o tempo de espera era típico das burocracias governamentais. Pedi ao motorista que me deixasse no centro da cidade para que eu pudesse passear um pouco. Dublin era uma cidade grande, mas não se parecia em nada com Los Angeles. A maioria dos prédios era antiga e havia muito mais vegetação dentro e ao redor dos arranha-céus. De vez em quando, eu me deparava com uma taverna, aninhada entre prédios mais modernos. Alguns deles datavam de séculos. Como americana, fiquei surpresa ao saber que o que os irlandeses consideravam novo, passava por antigo do outro lado do oceano. Recebi meu primeiro salário por depósito direto. Arranjei um cartão de crédito para ter dinheiro para gastar. O salário era generoso. Eu não ia ganhar uma fortuna como babá, mas estava ganhando muito mais do que poderia ganhar em casa. Escolhi um dos cafés aconchegantes e luxuosamente decorados para almoçar. Havia algumas mesas espalhadas pela área de jantar, que circundava o café e se estendia até a calçada. Havia uma grade de proteção erguida ao redor do recinto de refeições, separando os clientes dos pedestres. Sentei-me perto da entrada. Estar em Dublin me fez sentir como se tivesse voltado no tempo, para um reino mágico onde as aventuras matavam a sede antes de começar uma jornada de um ano. Os celulares nas mãos da maioria dos frequentadores quebraram a ilusão, e precisei me lembrar de que prédios históricos eram comuns naquela cidade. A garçonete veio e me perguntou o que eu queria comer. Eu m*l conseguia entender o sotaque dela, que era tão espesso. Eu consegui fazer meu pedido e me acomodei para apreciar a vista. Notei outra mulher sentada à mesa ao meu lado, com a mesma dificuldade de comunicação. — Você não é daqui? — Imaginei, assim que a garçonete foi embora. — Meu Deus, você é americana? — Ela se aproveitou da referência comum, revelando-se como uma colega expatriada através da voz. — Sou da Califórnia — Eu disse. — Illinois — A outra mulher estendeu a mão. Nós nos cumprimentamos e eu a convidei para pegar a cadeira vaga na minha mesa. Ela pulou de um assento para o outro, feliz por ter encontrado uma alma gêmea. Conversamos sobre o tempo e sobre o transporte público. Ela me disse que estava na cidade há dois meses, transferida para o trabalho dela. Eu expliquei o que estava fazendo e como tinha encontrado essa família para morar. Nós trocamos números de telefone depois do almoço, prometendo manter contato. Eu não sabia o quanto eu sentia falta de conversas com americanos. Brincar com Noah era ótimo, mas eu não tinha amigos adultos na vizinhança. Steven não poderia ser chamado de amigo. Ele era meu chefe e eu não o via com frequência. Eu nem sabia se ele tinha amigos. Ele parecia severo e rude, dois adjetivos que não evocavam amizade. Mesmo assim, havia algo nele que eu achava intrigante. Eu estava determinada a passar o resto do meu dia desligada, explorando Dublin, mas no fundo da minha mente, havia outro pensamento. Eu queria muito conhecer Steven melhor.
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