— Você não entendeu ainda, Layla. Isso aqui não é sobre te manter presa. Eu quero que você fique.
— Então me dá uma porta aberta e me observa sair.
Ele se aproxima de novo. Dessa vez, mais devagar. Os olhos fixos nos meus, como se quisesse ver até onde vai minha coragem.
— Você me fascina. — ele confessa, e dessa vez, não há ironia na voz. Só sinceridade. Quente e desconcertante. — Eu poderia ter qualquer mulher... mas nenhuma delas me olha como você olha. Nenhuma delas fala comigo como se eu não valesse nada. Isso... isso me excita.
Sinto meu rosto esquentar. De raiva. De medo. De algo que não quero admitir.
— Isso é doentio.
Ele sorri. Um sorriso lento, perigoso.
— Talvez. Mas o mundo é feito de doentes, Layla. Alguns admitem. Outros fingem sanidade. Eu apenas escolhi ser honesto e isso sempre terá de mim.
Me afasto dele. Eu preciso de ar. Eu preciso sair. Eu preciso...
— Eu quero meu celular. Agora.
Ele dá um passo para trás, como se estivesse me dando espaço. Mas sua expressão não muda. Ele ainda tem aquele olhar de predador que observa a presa tentando fugir da armadilha.
— Seu celular está com meus homens. Eles vão te devolver... quando eu quiser.
— Isso é cárcere privado.
— Isso é segurança. Você não entende as ameaças que rondam esse lugar. Existem perigos reais lá fora.
— E aqui dentro? — rebato, e vejo seus olhos se estreitarem, como se minha pergunta tivesse atingido algum ponto cego.
Ele respira fundo, e por um instante, o silêncio entre nós é quase... íntimo. Como se houvesse uma brecha. Um cansaço nos ombros dele. Um peso que não entendo, mas percebo.
— Layla... eu não vou te machucar. Nunca. — ele diz, e pela primeira vez, a voz sai mais baixa. Quase... vulnerável.
Ele se vira, começando a sair com aquele andar imponente, como se o mundo inteiro tivesse sido desenhado para servir de passarela para ele. Mas antes que cruze a porta, minha voz o alcança, afiada como navalha:
— Espera aí. Como você fala tão bem o português?
Ele para. Não se vira de imediato. Respira fundo, como se ponderasse se vale a pena responder. Então gira o corpo com a mesma calma irritante de quem tem todo o tempo do mundo.
— Minha mãe era portuguesa — diz ele, com naturalidade. — Aprendi com ela.
Arqueio uma sobrancelha.
— Coitada. Foi amarrada e amordaçada para casar-se com ele também?
Um sorriso surge no canto da boca dele. Um daqueles sorrisos que provocam pequenos terremotos de raiva e... outra coisa que eu não quero nomear.
— Não precisou — responde, com aquele sotaque carregado de ironia e mistério. — Parece que, entre eles, houve um elemento... complicado, eu acho. Algo em que eu pessoalmente não acredito muito.
Cruzo os braços.
—Ah! E o que seria?
— Amor.
Diz a palavra como se fosse um mito antigo, uma superstição ultrapassada. E depois simplesmente sai, me deixando ali com a pergunta pairando no ar, com o coração ligeiramente fora do compasso e uma irritação nova e inexplicável tomando forma dentro de mim.
Eu fico parada no meio do quarto, olhando para a porta aberta como se ela ainda carregasse o vulto dele. Amor, ele disse. Como quem fala de uma doença extinta. E o pior: com aquele sotaque que transforma até heresia em poesia.
Reviro os olhos.
— Amor, é? — resmungo, encarando o teto como se ele fosse responder. — Vai ver a mãe dele confundiu adrenalina com destino. Acontece. Especialmente quando o pretendente chega de turbante e jatinho.
A porta se fecha atrás dele com um estalo seco, ríspido. Eu continuo ali, parada. Coração martelando, garganta fechada, mente em colapso.
As palavras dele ecoam na minha cabeça como maldições:
"Você será minha esposa. E acabou."
A palavra gruda nos meus dentes como um espinho que não desce. Eu olho em volta daquele quarto dourado, de paredes decoradas com arabescos e cortinas pesadas, e tudo o que vejo é uma prisão. Um cativeiro com vista pro deserto.
E o pior?
Ele realmente acredita que está me fazendo um favor.
Meu peito sobe e desce, descompassado. Uma mistura de medo, revolta e um orgulho que, por algum milagre, ainda se recusa a morrer dentro de mim.
Corro até a varanda. Lá fora, o deserto se estende até onde a vista alcança. Um mar de areia silencioso, c***l, infinito. Não tem estrada. Não tem carro. Só o nada.
O vento quente me bate no rosto. Seco. Quase como um tapa. E mesmo assim, é melhor do que o ar pesado daquele quarto de princesa sequestrada.
— Tradutora... — murmuro pra mim mesma, apertando o corrimão da varanda com força. — Você veio aqui para trabalhar, Layla. Não para ser enfeite de palácio. Não para casar-se com um príncipe lunático.
Mas fui arrastada. Empurrada pra um papel que nem sabia que existia. Uma noiva de mentira. Uma esposa por acidente. Ou talvez... por escolha de alguém que viu em mim uma oportunidade.
A imagem dele me volta como um tapa: o olhar calculado. O sorriso de pedra. As palavras afiadas como navalha.
"Eu te vi. E te comprei." Ele não disse exatamente isso, mas age como quem compra um cavalo raro. Um vinho premiado. Uma... distração.
Allah, como alguém consegue ser tão... imperial? Tão dono de tudo?
Mas não de mim.
Não de mim.
Porque, se tem uma coisa que aprendi com a vida, é que tudo tem um preço.
E eu vou pagar o meu com cada gota de resistência que ainda me resta.
Mal sabe ele...
Que não comprou uma mulher submissa.
Comprou uma tempestade.
Eu sou brasileira. E brasileira não foge. No máximo, dá um jeitinho.
Fecho os olhos com essa promessa ecoando em mim. Amanhã começa meu plano de fuga. E se esse tal de amor resolveu dar o ar da graça por aqui... vai ter que disputar espaço com a minha ironia e um bom plano de saída.