LAÇOS QUE CURAM

1209 Words
A casa simples de Izmir nunca esteve tão cheia de vida quanto naqueles dias. A presença de Rose trouxe um calor diferente, uma alegria que Laura não sabia que ainda poderia sentir. Havia tempo desde que alguém de seu passado tinha cruzado aquela linha invisível entre medo e esperança para estar ao seu lado. Agora, entre risos, cheiros de café fresco e conversas noturnas, ela se permitia sonhar de novo. A manhã de pequenas alegrias Logo cedo, Rose já se levantava junto com Laura. Enquanto Malu ainda dormia enroscada nos cobertores, as duas se reuniam na cozinha. O cheiro de pão assando preenchia o espaço, misturado ao aroma forte do café turco que Emir preparava com paciência. — Nunca imaginei você aqui, Emir — Rose comentou sorrindo, enquanto observava o homem movimentar-se com naturalidade no ambiente. — Mas preciso admitir: você cozinha melhor do que nós duas juntas. Emir arqueou uma sobrancelha, divertido. — Isso é um elogio ou uma crítica escondida? As três riram, e Laura, de avental, mexia a massa com as mãos enfarinhadas. Rose não resistiu e pegou uma bolinha de massa para brincar, jogando na amiga. Logo, ambas estavam às gargalhadas, cheias de farinha até os cabelos. Emir apenas abanava a cabeça, sorrindo, enquanto servia o café. — Vocês duas juntas são mais perigosas que Eduardo solto — brincou ele, arrancando gargalhadas ainda mais altas. Quando Malu acordou, encontrou a cozinha em festa. A menina riu ao ver a mãe e a tia Rose parecendo fantasmas de farinha. Correu para participar da bagunça, espalhando ainda mais ** branco pela sala. — Essa casa nunca mais vai ser a mesma — disse Emir, rindo de verdade, como poucas vezes fazia. O passeio à beira-mar Naquela tarde, resolveram sair todos juntos. O dia estava claro, e o mar de Izmir brilhava como um tapete de espelhos. Laura hesitava, sempre preocupada com os riscos, mas Emir garantiu que estavam seguros: Selim já havia feito a ronda e o local era tranquilo. Rose caminhava de mãos dadas com Malu, apontando barcos e gaivotas. — Olha lá, Laurinha… lembra quando a gente dizia que um dia viajaria juntas? Pois é, estamos aqui. — Só não imaginava que seria desse jeito — respondeu Laura, com um sorriso melancólico. — Talvez não seja como sonhamos, mas é real. E eu não trocaria esse momento por nada. Elas se sentaram na areia, enquanto Emir ajudava Malu a montar castelos. A menina gritava a cada onda que ameaçava derrubar suas construções, e Emir ria, paciente, ensinando-a a erguer muralhas mais fortes. — É impressionante como ele se dá bem com ela — Rose murmurou, observando a cena. Laura olhou para os dois, os olhos marejados. — Ele se tornou… parte da nossa vida. Rose segurou sua mão. — Eu percebo. E acho que você merece, Laurinha. Depois de tanto sofrimento, você merece alguém que lute por vocês. Laura apertou a mão da amiga, em silêncio. O vento carregava o cheiro salgado do mar, e por um instante, parecia que nada poderia atingi-las. As noites de confidências Quando Malu adormecia, Laura e Rose se recolhiam à varanda, enroladas em cobertores, com uma garrafa de vinho entre elas. Emir ficava por perto, mas dava espaço — sabia que aquelas duas precisavam falar de coisas que só amigas compreendem. — Você mudou, Laurinha — disse Rose, depois de um gole. — Ainda é a mesma menina de coração gigante, mas seus olhos… carregam o peso do mundo. Laura suspirou fundo. — Eu não tive escolha, Rose. Se não mudasse, não sobreviveria. — Mas ainda assim… você não perdeu sua essência. Está aí, em cada gesto com a Malu, em cada sorriso tímido quando olha para o Emir. Laura riu baixinho, corando. — Você percebeu? — Amiga, eu te conheço desde que rabiscávamos cadernos na escola. É claro que percebi. Ficaram em silêncio por um tempo, ouvindo o som distante da cidade. Depois, Laura sussurrou: — Eu tenho medo, Rose. De perder tudo de novo. De acreditar que sou feliz e… que isso me seja arrancado. Rose a abraçou, apertado. — O medo é parte de quem sobreviveu. Mas você não está mais sozinha. Tem a mim, tem o Emir, tem a Malu. Não importa o que aconteça, você nunca mais vai lutar sozinha. Laura fechou os olhos, sentindo-se finalmente segura nos braços da amiga. Um jantar inesquecível Certa noite, Emir decidiu preparar um jantar especial. Ele quis mostrar a Rose a hospitalidade turca, mas também queria dar a Laura uma lembrança bonita, algo que ficasse marcado como um ponto de luz em meio a tanta escuridão. A mesa foi posta com velas simples, mas acolhedoras. O aroma de cordeiro assado e especiarias preenchia a casa. Malu ajudou a colocar flores no centro da mesa, orgulhosa de sua obra. — Sejam bem-vindas ao meu pequeno banquete — disse Emir, servindo os pratos com um sorriso raro. Rose ergueu a taça. — Um brinde. À amizade, ao amor e à coragem de seguir em frente. — À vida — completou Laura, emocionada. A noite correu com risos, histórias engraçadas, lembranças compartilhadas. Rose contou episódios da juventude que fizeram Laura chorar de tanto rir. Malu, com olhos brilhantes, dizia que aquele era o melhor jantar da vida dela. Quando a sobremesa chegou — um doce turco feito por Emir com a ajuda atrapalhada de Malu —, Rose comentou: — Laurinha, eu nunca vi você tão… viva. Laura olhou para Emir, que sorria discretamente, e respondeu: — Acho que é porque, pela primeira vez em muito tempo, eu não estou lutando sozinha. A música que uniu corações Na última noite da visita de Rose, Emir apareceu com um presente inesperado: um alaúde turco, instrumento de cordas com um som suave. — Sempre achei que música cura feridas invisíveis — disse ele, entregando o instrumento a Rose, que adorava cantar. Rose sorriu, encantada. — Faz tempo que não toco, mas vamos ver se ainda lembro. Ela dedilhou algumas notas, e logo a melodia suave encheu a sala. Laura começou a cantar junto, a voz embargada, mas doce. Emir observava em silêncio, os olhos fixos nela. Malu batia palminhas, tentando acompanhar o ritmo. Aquela cena ficou gravada como uma fotografia viva: quatro pessoas unidas, cantando, rindo, compartilhando um instante que parecia eterno. Laura, com lágrimas escorrendo, sussurrou no fim da música: — Obrigada. Obrigada por me lembrarem que a vida ainda pode ser bela. O amanhecer da despedida Quando o dia da partida de Rose chegou, o coração de Laura apertou. Elas se abraçaram longamente no porto, o vento bagunçando os cabelos, as mãos tremendo por não querer soltar. — Eu volto — disse Rose, os olhos marejados. — E você nunca mais vai caminhar sozinha. — Eu te amo, amiga — respondeu Laura, chorando. — Obrigada por me devolver pedaços de mim que eu tinha perdido. Rose embarcou, acenando até desaparecer no horizonte. Laura ficou ali, com Malu no colo e Emir ao lado, sentindo o coração dividido entre a saudade e a gratidão. Sabia que aqueles dias haviam sido um presente precioso. Um respiro. Um pedaço de paz roubada à vida. E mesmo que as sombras ainda rondassem, ela guardaria cada instante de cumplicidade como uma arma contra o medo.
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