UM NOVO RECOMEÇO

1254 Words
O carro velho de Rosa avançava pela estrada sinuosa que cortava os arredores de Trabzon, uma cidade à beira do Mar n***o, cercada por montanhas verdes e neblina densa. A madrugada carregava um frio cortante, e o farol iluminava apenas os trechos irregulares da estrada. Laura apertava Malu contra o peito, sentindo o corpo pequeno tremer de sono e medo, mas seus próprios olhos estavam fixos no retrovisor, esperando, aterrorizada, qualquer sinal de Eduardo. Depois de quase duas horas de viagem, entraram na parte antiga de Trabzon, onde as casas de pedra e madeira se alinhavam às ruas estreitas e íngremes. As calçadas de paralelepípedo estavam molhadas pelo orvalho da madrugada, e o vento trazia o cheiro forte do mar e do pão recém-assado das pequenas padarias que começavam a abrir. Rosa parou diante de uma pensão modesta chamada “Konak do Sol”, um prédio antigo de três andares com janelas de madeira azul e um portão de ferro enferrujado. O rangido da porta ecoou pelas ruas desertas, mas ninguém apareceu. — Aqui ninguém vai desconfiar — murmurou Rosa, olhando ao redor. A dona da pensão, uma mulher idosa chamada Fatma, abriu a porta minutos depois, os olhos curiosos. Quando Rosa explicou rapidamente, Fatma apenas assentiu e abriu o portão do fundo: — O quarto dos fundos está livre. Entrem rápido. Laura carregou Malu escada acima até o quarto: um espaço estreito com paredes de pedra branca, uma cama simples coberta com uma colcha de lã e uma pequena janela que dava para um pátio interno, onde galinhas ciscavam e gatos passavam silenciosos. Não era luxuoso, mas era seguro. Nos dias seguintes, mudaram-se discretamente: passaram algumas noites em uma antiga guesthouse próxima ao centro histórico de Sümela, depois em um pequeno apartamento alugado em Of, um vilarejo na encosta das montanhas. Cada lugar oferecia abrigo temporário, mas a constante sensação de vigilância tornava cada noite insone. Certa noite, enquanto o vento soprava frio entre as colinas, Malu perguntou com a voz baixa: — Mamãe… ele vai nos encontrar? Laura apertou a filha contra si, escondendo as lágrimas. — Enquanto estivermos juntas, meu amor… ninguém vai nos machucar. Mas o medo persistia. Eduardo poderia estar em qualquer lugar, e cada sombra projetada pelas luzes fracas da cidade lembrava que a liberdade delas ainda estava ameaçada. E muito cansada laura se deita ao lado de Malu, na intenção de confortá-la e assim acabaram adormecendo deixando aquele dia difícil para trás no intuito de um novo dia começar. O sol nascia por trás das montanhas verdes de Trabzon, tingindo o Mar n***o com tons dourados. Laura ainda estava acordada, sentada na pequena cama do quarto de pedra, observando Malu dormir em silêncio. A menina parecia tão frágil, tão pequena diante de um mundo que, até então, Laura descobria ser c***l e incerto. Arrumar uma vida do zero não seria fácil. O dinheiro era escasso, e cada passo exigia cuidado. Laura precisava trabalhar, mas sabia que qualquer emprego exporia onde estavam. Ela respirou fundo, olhando a rua estreita lá fora, onde poucos comerciantes começavam a abrir as suas lojas de café e especiarias. — Preciso encontrar algo… — murmurou para si mesma. No centro histórico de Trabzon, ela encontrou uma pequena loja de tapetes e tecidos chamada “Oficina de Selim”, dirigida por um homem idoso, de barba grisalha e olhos gentis. Ao explicar discretamente a sua situação, Laura pediu apenas um trabalho simples: costurar e organizar tecidos. Selim, após alguns minutos de observação, concordou, desconfiado, mas sem perguntas. — Apenas faça o seu trabalho e será bem-vinda — disse ele, a voz firme, porém gentil. Enquanto trabalhava, Laura sentia o coração acelerar a cada carro que passava, a cada rosto desconhecido na rua. Eduardo ainda estava em algum lugar, e a sombra da sua perseguição pairava sobre elas. Mas ali, entre os tapetes coloridos e o cheiro forte de lã, Laura sentiu pela primeira vez a sensação de controle por menor que fosse sobre as suas próprias escolhas. Malu começou a se acostumar com a rotina de esconderijos, embora as perguntas sobre o pai surgissem sempre. — Mamãe… vamos ficar aqui para sempre? — perguntou uma manhã, no pequeno quarto da pensão. Laura suspirou, acariciando o cabelo da filha. — Não sei por quanto tempo, meu amor… mas enquanto estivermos juntas, estaremos seguras. O preço da liberdade era alto. Cada passo exigia coragem, cada dia representava luta. Laura sabia que reconstruir a suas vidas seria doloroso e lento, mas também percebeu que a esperança podia crescer mesmo nos lugares mais improváveis — nas montanhas de Trabzon, entre ruas estreitas e em gestos de bondade de estranhos. Enquanto o sol se ergueu mais alto, iluminando o Mar n***o com reflexos dourados, Laura sentiu uma força nova crescer dentro de si. A fuga ainda não tinha acabado, mas a liberdade, mesmo que temporária, já era real. De volta ao quarto da pensão, sentou-se ao lado de Malu e começou a costurar alguns tecidos para Selim, tentando transformar o medo em ação. A menina observava silenciosa, ainda insegura sobre o futuro, mas admirada com a coragem da mãe. À noite, Laura se sentou à janela, olhando para o Mar n***o iluminado pela lua. Sentiu uma mistura de cansaço, medo e determinação. A liberdade tinha um preço alto, sim, mas era o único caminho possível. Cada escolha era uma batalha, cada pequena vitória era uma prova de que poderiam sobreviver. E, apesar de tudo, Laura sabia que o mais importante já estava garantido: Malu estava viva, segura, e juntas poderiam enfrentar qualquer obstáculo que surgisse. A esperança, mesmo que delicada, ainda brilhava entre as sombras de Trabzon. Enquanto Laura se adaptava à rotina em Trabzon, percebeu que não estavam sozinhas. Pequenos gestos de estranhos se tornavam pontes de esperança em meio ao medo constante. Selim, do Atelier de Tapetes, tornou-se mais que um empregador: oferecia conselhos discretos, recomendava lugares seguros para comprar mantimentos sem chamar atenção e muitas vezes fingia não perceber quando Eduardo poderia estar próximo, protegendo-as com silêncio cúmplice. Ele até permitiu que Laura guardasse alguns pertences no atelier, criando um esconderijo improvável, mas confiável. Fatma, a dona da Pousada do Sol, sempre deixava a porta do quarto de Laura aberta apenas o suficiente para que ninguém suspeitasse da sua presença. Quando via Laura cansada, trazia chá quente ou pão recém-assado, dizendo apenas: — É para você e a sua filha. Cuidem-se. Em uma manhã fria, enquanto Laura caminhava até o mercado local, uma senhora idosa chamada Ayla, conhecida por todos como “a mulher do café”, percebeu o olhar atento de Laura para cada rosto e cada sombra. Sem perguntar nada, Ayla colocou discretamente algumas frutas na sacola da menina e sussurrou: — Para você e a sua filha. Não precisam agradecer. Mesmo entre estranhos, Laura sentiu que podia confiar, embora soubesse que a vigilância de Eduardo nunca cessaria. Pessoas como Selim, Fatma e Ayla ofereciam pequenas oportunidades de respirar, pequenas fortificações para que a fuga continuasse. Cada ato de bondade parecia dizer: “Vocês podem sobreviver, podem continuar.” Malu, ao perceber esses gestos, começou a confiar aos poucos. Cada sorriso ou palavra gentil das pessoas de Trabzon construía uma nova realidade: um lugar onde poderiam existir sem medo constante, um lugar onde poderiam, finalmente, começar a reconstruir a vida. E assim, entre ruas estreitas, tapetes coloridos e o cheiro do pão da manhã, Laura aprendeu que, mesmo no exílio, a solidariedade humana podia ser a maior arma contra o medo.
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