O ANIVERSÁRIO INTERROMPIDO

1209 Words
O sol de Izmir iluminava a varanda da casa com uma claridade dourada, como se tivesse sido pintado especialmente para aquele dia. Laura acordara cedo, o coração acelerado. Era o aniversário de 15 anos de Malu, sua menina, sua razão de viver. Quinze anos… parecia impossível. Tantas noites de fuga, tantos medos, e agora ela estava ali, viva, sorrindo, crescendo diante de seus olhos. Laura olhou para a filha dormindo no quarto decorado com flores e fotografias. Malu já não era mais aquela garotinha que se escondia em seus braços com medo dos gritos de Eduardo. Agora era quase uma mulher, cheia de sonhos, de rebeldias adolescentes, mas também de ternura infinita. — Parabéns, meu amor… — Laura sussurrou, ajeitando uma mecha de cabelo no rosto da filha. Malu abriu os olhos, preguiçosa, e sorriu. — Já está chorando, mamãe? É só meu aniversário, calma… Laura riu entre as lágrimas. — “Só” o seu aniversário? Você tem ideia do que significa para mim chegar até aqui? Ver você completar 15 anos é como desafiar o destino, Malu. É vencer todas as batalhas que tentaram nos derrubar. A filha a abraçou, aconchegando-se em seus braços. — E a gente venceu, não é? Laura hesitou por um segundo. No fundo do peito, sabia que a batalha ainda não tinha acabado. Mas para Malu, pelo menos naquele dia, merecia a resposta que ela precisava ouvir. — Sim, vencemos. A festa A casa foi enfeitada com flores brancas e lilases, as cores favoritas de Malu. Emir ajudou a organizar tudo, Selim trouxe amigos músicos para tocar violão no jardim, e até Fatma apareceu com doces típicos da região, sorrindo orgulhosa. Malu, em seu vestido claro, parecia radiante. Laura não se cansava de olhar para ela, de admirar a forma como havia crescido forte, mesmo depois de tudo. No momento em que os primeiros convidados chegaram, Laura percebeu que o sorriso da filha era diferente: não era apenas alegria, era vitória. Era como se Malu estivesse dizendo ao mundo: “Estou aqui. Nada me destruiu.” Houve dança, música, gargalhadas. Emir filmava trechos da festa, fingindo não perceber quando os olhos de Laura se demoravam nele mais do que deveriam. Malu, que percebia tudo, trocava olhares cúmplices com a mãe, como se dissesse: “Eu já sei.” No auge da noite, com todos reunidos, Malu se levantou para falar algumas palavras. Sua voz, firme, ecoou no jardim iluminado por pequenas lanternas: — Mãe, este aniversário não é só meu. É nosso. Você me deu a vida, mas também me devolveu a vida todas as vezes que tentou me proteger. Eu sei o quanto lutou para me manter segura, sei o quanto sofreu, e quero que todo mundo saiba que se eu cheguei até aqui é porque tenho a melhor mãe do mundo. Laura não conseguiu conter o choro. Abraçou a filha diante de todos, e os aplausos ecoaram como música. Por um instante, parecia que nada poderia destruir aquela paz. O olhar na multidão Foi Malu quem percebeu primeiro. Enquanto todos riam e dançavam, ela viu, entre os rostos, um homem parado do outro lado da rua. Não estava sorrindo, não parecia convidado. Apenas observava. — Mãe… — Malu sussurrou, puxando de leve o braço de Laura. — Quem é aquele? Laura seguiu o olhar da filha e seu corpo gelou. O homem tinha um semblante duro, barba por fazer e um casaco escuro, mesmo com o calor da noite. Não se movia, apenas encarava a casa. Emir percebeu logo em seguida. Aproximou-se discretamente, colocou-se entre elas e o desconhecido. — Entrem. Agora. — disse com a voz firme. Laura obedeceu sem questionar. O coração batia rápido, o desespero voltava como um fantasma. Dentro de casa, puxou Malu para o quarto e a abraçou forte, como se pudesse escondê-la do mundo. — É ele? — Malu perguntou, a voz trêmula. — Não… não é ele. — Laura respondeu, tentando se convencer. — Mas é alguém enviado por ele. O retorno do pesadelo Horas depois, quando a festa já tinha terminado às pressas, Emir entrou na sala com Selim. O rosto dos dois denunciava o que Laura temia. — Encontraram algo? — ela perguntou, a voz baixa. Selim respirou fundo. — O homem foi visto em outras ruas da cidade nos últimos dias. Não é morador daqui. Ele não estava perdido. Estava observando. Laura levou as mãos à cabeça. — Ele nos encontrou… de novo. Emir segurou seus ombros. — Laura, calma. Estamos preparados. Você lembra da rede que montamos, lembra da p******o. Eduardo pode tentar, mas não vai te alcançar. Ela o encarou com lágrimas nos olhos. — Emir, você não entende… ele sempre consegue. Sempre. Malu, que ouvia tudo da escada, desceu devagar e se aproximou. — Mãe, eu não quero que você desista. — disse, firme. — Eu não vou deixar ele roubar de novo o que a gente construiu. Laura olhou para a filha e viu algo que nunca tinha percebido antes: coragem. Malu não era mais a criança assustada de antes. Ela estava pronta para lutar. Eduardo e a notícia Enquanto isso, na prisão, Eduardo recebia um envelope. Dentro, uma foto: Laura e Malu no jardim da casa, durante a festa. A imagem não era nítida, mas mostrava claramente os dois rostos sorrindo. Ele fechou os olhos, inspirando fundo, como se respirasse a própria essência da vingança. — Quinze anos… já é uma mocinha. — murmurou, olhando para a imagem de Malu. — E ainda assim continua sendo a fraqueza da sua mãe. O ódio e a satisfação misturavam-se em seu olhar. Apertou a foto até amassá-la, e riu sozinho na cela. — Agora, Laura, vamos ver até onde você aguenta. Laura em desespero Naquela noite, Laura não conseguiu dormir. Ficava olhando para a filha adormecida, lembrando-se de todos os anos de luta, de todas as fugas, das noites em que achava que não chegariam vivas até o dia seguinte. Agora, com 15 anos, Malu era a prova viva de sua vitória, mas também o alvo mais vulnerável. Laura caminhava pelo quarto, o coração disparado, como se o perigo já estivesse dentro da casa. Pensava em Eduardo, em sua capacidade de manipular, em sua frieza. Pensava no homem na rua. Pensava na foto que, em algum lugar, talvez já estivesse nas mãos dele. — Não… não vou deixar. — ela sussurrou para si mesma, os olhos cheios de lágrimas. — Não vou deixar ele tocar em você, Malu. O pacto silencioso Na manhã seguinte, Emir trouxe café para Laura na varanda. — Você não dormiu. — ele disse, olhando para o rosto cansado dela. — Não consigo. — respondeu. — A cada sombra, a cada barulho, penso que é ele. Emir tomou sua mão, apertando-a com firmeza. — Escute: Eduardo não é invencível. Ele sangra como qualquer homem. E eu vou estar aqui, sempre. Laura fechou os olhos, deixando que aquelas palavras a embalassem. Sabia que a batalha não tinha terminado. Sabia que a paz que vivera com Rose e na festa de Malu era apenas um breve intervalo. Mas naquele momento, olhando para Emir, olhando para a filha que ria na cozinha, decidiu que não seria mais refém do medo. Ela iria lutar. Até o fim.
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