Capítulo 3: (Narração de Muralha)
A primeira vez que vi Isabel, confesso que fiquei travado por um momento, coisa que nunca acontece comigo. Eu já vi muita coisa na vida. Mortes, traições, sangue. Já passei por cima de qualquer um que tentasse me derrubar. Mas aquela mulher... ela era diferente.
De onde vinha tanta coragem? Ela me encarava como se eu fosse um homem comum. Mas eu não sou um homem comum. Sou o dono do Morro do g**o. Quem manda aqui sou eu. E mesmo assim, os olhos dela — tão intensos — pareciam desafiadores.
Eu entrei naquele posto porque queria saber quem era a médica nova. Gaspar tinha falado que era "uma doutora branca que achava que podia salvar o mundo". Ri da ideia. No meu mundo, ninguém salva ninguém. Mas quando abri aquela porta, fui eu que senti um choque.
Ela era linda, isso não dava pra negar. Tinha a pele clara, os cabelos negros caindo como cascata pelas costas, e um corpo que qualquer homem olharia duas vezes. Mas não foi só isso que me prendeu. Foi a postura dela. Isabel parecia fora de lugar ali, mas, ao mesmo tempo, parecia certa de que pertencia.
Quando ela respondeu minhas perguntas, não se intimidou. O jeito que falou, firme e direto, mexeu comigo de um jeito estranho. Geralmente, eu resolvo tudo na base da intimidação. Não preciso levantar a mão para ninguém, só o meu olhar já resolve. Mas ela não desviou.
Por dentro, fiquei irritado. Como essa mulher ousava? Mas, por fora, mantive a calma. Mostrei um sorriso de canto, só pra testar. Nada. Ela continuou me encarando como se quisesse me desmontar peça por peça.
Saí daquele posto pensando em várias coisas. Primeiro, ela era corajosa ou burra por não ter medo de mim? Segundo, por que eu ainda estava pensando nela?
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À Noite
Mais tarde, naquela noite, estava na minha casa, bebendo um whisky e olhando as luzes da cidade ao longe. Era algo que eu sempre fazia pra acalmar a mente. Mas dessa vez, nada parecia funcionar. A imagem de Isabel não saía da minha cabeça.
Ela era tudo que eu evitava. Não era daqui, não era do meu mundo. E, ainda assim, havia algo nela que me fazia querer entender o que se passava na cabeça daquela mulher.
Minha vida sempre foi sobre controle. Tudo ao meu redor é calculado. Eu sei quem está comigo e quem está contra mim. Sei como lidar com traições, desafios e até com a morte. Mas Isabel era imprevisível, e isso me deixava inquieto.
"Por que ela não me teme?", pensei enquanto dava outro gole.
Eu nunca fui de me apegar a ninguém. Não tenho mulher fixa. As garotas do morro sabem como funciona comigo: a gente se diverte, e depois cada um vai pro seu lado. Mas Isabel não era uma garota do morro. E, pior, ela nem parecia interessada em mim.
Isso me incomodava mais do que eu queria admitir.
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Conflito Interno
No fundo, acho que estou tentando entender por que ela veio pra cá. O Morro do g**o não é lugar pra gente como ela. É lugar de sobrevivência, de guerra, de gente que faz o que precisa pra continuar vivo.
Mas algo me diz que ela não vai embora tão cedo. E, se for pra ser sincero, eu não sei se quero que ela vá.
O que eu sei é que essa mulher está mexendo comigo de um jeito que ninguém mais conseguiu. E isso pode ser perigoso.
Porque no meu mundo, sentir qualquer coisa que não seja raiva ou ódio é abrir uma brecha. E brechas são onde os inimigos atacam.
Mas eu não sou fraco. Eu sou o Muralha.
E, se Isabel quer jogar comigo, ela vai ter que aprender as regras....