As quatro garotas foram levadas para o mesmo necrotério naquela noite. Coincidência? Não. Neste novo mundo em que elas renasceram, não existiam coisas como coincidências. Tudo está previamente moldado e assegurado pelas parcas[1].
As três horas da manhã as quatros exalaram o seu primeiro suspiro de vida, abriram os olhos e depararam-se com um lençol branco cobrindo os seus rostos. Caso tenha uma pesquisa entre os habitantes da terra, perguntando qual é o maior medo de quando morrer, provavelmente a grande maioria irá dizer que é acordar dentro do caixão.
Melissa sentia frio, um frio tão grande que gelava os seus ossos e doía o seu corpo, ao abrir os seus olhos amendoados notou a completa escuridão. Os seus pensamentos estavam confusos, não entendia o porquê de estar com a cabeça coberta. Tirando aquele empecilho, o que viu a deixou nervosa. Tateando as paredes frias do metal entrou em pânico total.
— Socorro! Socorro! — Gritou. Chutava e empurrava na tentativa de sair de onde estava. — ajudem-me tem alguém aí? — Lágrimas começaram a ser formar nos seus olhos, a sua garganta fechou-se, o ar não passava. Mesmo com os ouvidos zumbindo pôde escutar outros pedidos de socorro.
“Acalme-se” — Disse uma voz.
— Quem está aí? — Perguntou girando a cabeça e tentando ver alguma coisa. — ajude-me por favor.
“Você precisa se acalmar”. — Pediu a voz.
— Como que você quer que me acalme, se estou presa numa maldita caixa? — Fúria começou a queimar dentro do seu ser. Uma faísca alaranjada soltou de suas mãos. Melissa levou-a próximo ao seu rosto. Podia ver uma espécie de corrente passando por entre os dedos.
“Preste atenção no que eu vou falar”. — A voz a distraiu-a do estranho fenômeno. — “Se você quiser sair de onde está”.
— Certo — derrotada se acalmou. — O que tenho que fazer?
“Feche os olhos e respire fundo. Tente normalizar as batidas do seu coração”. — Melissa atendeu o pedido. Quando seu coração chegou próximo ao normal, a voz continuou. — “Mentalize uma porta se abrindo”.
Ela bufou contrariada e já ia fazer uma observação espertinha, mas decidiu seguir a tal voz. Estou ficando louca, pensou ao ver a porta. Concentrou-se nela e deixou de lado os sons de gente chorando e batendo contra o metal. Mentalizou a porta se abrindo, uma, duas, três, perdeu as contas de quantas vezes.
— Essa p***a não está dando certo. — Ao terminar de falar raivosa, bateu suas mãos em punho no metal onde estava deitada e um estrondo foi ouvido por todo o lugar. Melissa arregalou os olhos e levantou a cabeça, batendo-a em seguida. — Merda, praguejou.
Como se fosse uma minhoca, se rastejou por entre o espaço apertado até sair do seu confinamento e cair com um joelho no chão e o outro dobrado ao estilo exterminador do futuro, inclusive a nudez dela, igual.
Ergueu-se em suas pernas trêmulas e olhou para baixo, seus cabelos pretos tampando a visão. Espera eu tenho cabelos?, pensou espantada ao tocar as madeixas cor de mogno.
“Este corpo foi restaurado para me receber”. — A voz informou.
— Como é que é? — Só posso estar sonhando.
— Com quem você está falando? Onde estamos? Quem é você?
Melissa olhou para frente. Uma garota ruiva acaba de sair de uma das gavetas. Olhando para todos os lados viu, todas as portas dos dois lados do lugar estavam abertas. Em uma delas, era possível ver um pé com uma etiqueta amostra. Olhando para seu próprio pé viu que tinha uma também.
Pulando num pé só, conseguiu arrancar o papelzinho e leu o seu próprio nome, a data de nascimento e a de... Óbito?
— Aparentemente estamos em um necrotério. — Em um fingida calma mostrou a etiqueta para ela. Olhou de cima a baixo a menina e pensou com ela: Uau! Essa é ruiva mesmo. Até os pentelhos são vermelhos. Ao notar isso, lembrou da própria nudez e agarrou o lençol. Desajeitada fez uma espécie de vestido com o material.
A outra garota seguiu o seu exemplo, seu rosto tingiu de um tom de vermelho escuro, quase chegando a cor de seus cabelos.
— Alguém? Socorro. — Um choro foi ouvido a esquerda dela. Melissa caminhou até da onde vinha o barulho. Puxando a gaveta uma loirinha foi revelada.
— Oi! — Melissa ajudou a garota a levantar e amarrar o pano nela. Do outro lado da mesa de autópsia foi a vez de uma asiática sair das gavetas, ela caiu com graciosidade no chão e diferente das outras com o lençol a tapando. — Será que algum outro morto vai se levantar?
***
Um uivo na noite foi ouvido, seguido por roncos de motos. Um bando de motoqueiros m*l-encarados corre pelas ruas. Naquela hora não tinha uma viva alma andando, mas isso não queria dizer que as almas mortas não estivessem espreitando.
Adam o líder do bando dos lobisomens da capital, guiava seus guerreiros em busca da prometida. A mulher que levava marcada em si um lobo, capaz de coisas incríveis de controlar a terra, conversar com os animais e ser a diferença na guerra com os mortos-vivos chupadores de sangue.
Como o alfa de sua alcateia, tinha o dever de protegê-las. Em suas veias corria o sangue dos ancestrais dos primeiros lobos, que foram criados pelo espírito da terra para ser guardião da alma do planeta. A alma era um cristal, onde a energia de todo o planeta se concentrava, assim como uma nascente, de lá que surgia o poder da terra. Se algo acontecesse com a esfera o mundo estava perdido.
— Chefe temos companhia — Pat, seu segundo no comando o avisou pelo comunicador que tinha em seu capacete. Olhando os prédios acima, era possível ver as silhuetas de corpos voando.
— Os malditos chupas sangue estão atrás de nossa menina. — Rosnou Adam. — Atenção redobrada pessoal. Nossa missão é levar em segurança a portadora do lobo e suas companheiras. Treinamos a vida toda para isso.
A história dos espíritos elementares passada de pai para filho há séculos. Quatro mulheres em sua morte davam lugar para os espíritos habitarem. Algo bem específico, no minuto em que seus corações parassem, os elementares teriam de entrar. Não poderia ser nem antes e nem depois. Ninguém nunca soube explicar o motivo.
Adam parou em frente ao IML, se situava no Jardins, olhou o céu. Todos os prédios em volta ao lugar, estavam infestados de parasitas. Ele puxou de suas costas as lâminas duplas folheadas de prata com runas indígenas escritas dos dois lados.
— Nós sabíamos que seria difícil — fez uma pausa olhando seus homens, estavam em duas dúzias de lobos, seus melhores guerreiros. Mesmo estando armados e a mordida de um lobisomem ser tóxica para os mortos-vivos, eles se encontravam em grande desvantagem numérica, algo em torno de seis para um. — Lembre-se o que está em jogo aqui.
Convocando seu lobo interior, Adam começou a transformação primária. Os lobisomens tinham duas transformações: A primária onde eles retinham a forma humana, porém ganhavam força, agilidade e visão aguçada. Seu tamanho duplicava chegando até quase três metros de altura. Esta forma que deu origem a lenda do lobisomem. A segunda era forma total de animal, um lobo gigante e feral. O animal assumia totalmente as funções do corpo e somente neste estado a mordida era capaz de transformar um humano.
Os lobisomens nascidos lobos eram chamados puros sangue, onde os dois pais são lobos. As mulheres que nasciam com genes de lobos ou as mordidas por um lobisomem não sofriam nenhuma das transformações. Aquelas que eram mordidas não sobreviviam, pois, ao tentar se transformar, seu corpo não suportava e elas morriam. Os lobisomens poderiam ter filhos com humanas, mas estas morriam no parto devida a contaminação dos genes lupinos no nascimento, sendo assim a população masculina de lobos era gigante, sua espécie estava em perigo de extinção. O que só fazia com que eles cuidassem ainda mais de suas fêmeas.