Rafaela Narrando
Minhas pernas ainda tremiam quando desci da camionete. O toque dos dedos dele sob meu short — quente, firme, intencional — ainda queimava na minha pele como uma marca invisível. O ar gelado da noite gaúcha bateu no meu rosto, mas não conseguiu esfriar o fogo que ele acendeu dentro de mim.
— Meu quarto é o último do corredor à esquerda.
A frase ecoava na minha cabeça, um convite e uma ameaça lindamente misturadas.
A chácara era enorme, de madeira escura, com janelas iluminadas que pareciam olhos vigiando a escuridão. Entramos no caos familiar: tios abraçando, primos que eu m*l reconhecia, cheiro de pinheiro e de carne assada. Meus pais se perderam no meio dos cumprimentos. Eu, porém, me sentia flutuando, como se estivesse dentro de um sonho quente e perigoso.
E então a vi.
No topo da escada de madeira, apoiada no corrimão, estava uma mulher. Loiro platinado perfeito, corpo esculpido em um vestido preto simples que gritava dinheiro. Ela sorriu — um sorriso largo, de posse — e desceu os degraus com uma elegância que doía.
— James, querido — ela disse, a voz suave como o veludo, mas com garras por baixo.
Ele estava ao meu lado, carregando nossa mala. Parou. Eu senti o corpo dele ficar rígido por um segundo — tão breve que quase não percebi. Depois, ele relaxou e sorriu de volta. Um sorriso que não chegou aos olhos.
— Talita. Você chegou cedo.
Ela se aproximou, passou os braços pelo pescoço dele e o beijou. Na boca. Demorado. Público. Uma marca de território tão clara quanto um aviso sonoro.
Meu estômago deu um nó. A noiva. Claro que ele tinha uma noiva. Um homem como o James não ficaria sozinho. Ela era linda, perfeita, adulta. Tudo o que eu não era.
James se soltou do beijo, mas a mão dele ficou na cintura dela. Ele nos apresentou.
— Talita, essa é minha prima Rafaela, do Nordeste. Rafa, essa é a Talita, minha noiva.
Noiva. A palavra ecoou na sala como um sino fúnebre.
Talita estendeu a mão, as unhas impecavelmente pintadas de vermelho.
— Que encanto — disse, mas os olhos azuis dela me avaliaram de cima a baixo, calculando, descartando. Eu era apenas uma prima nova, uma adolescente, ninguém. Alívio passou pelo rosto dela.
Eu apertei a mão dela, sentindo-me pequena, inadequada, uma criança em short jeans num mundo de vestidos pretos.
— Vamos mostrar seu quarto, Rafa — disse James, a voz neutra, mas seus olhos encontraram os meus por uma fração de segundo. E naquele olhar não havia noiva, nem família, nem decência. Havia apenas o calor escuro da cabine da camionete e a promessa sussurrada no meu ouvido.
Ele pegou minha mala e subiu as escadas. Eu o segui, sentindo o peso do olhar de Talita nas minhas costas.
O corredor do andar superior era longo, escuro, forrado de madeira e cheirando a cera antiga. Ele parou em frente a uma porta.
— Este é o seu. O banheiro é compartilhado, no fim do corredor.
Ele apontou vagamente para a esquerda. Para onde o quarto dele ficava.
Entrou no quarto e colocou a mala no cavalete. O quarto era pequeno, aconchegante, com uma cama de dossel e uma janela que dava para o bosque nevado lá fora. Quando ele se virou, nós estávamos sozinhos. O barulho da família era um murmúrio distante lá embaixo.
A porta estava entreaberta.
Ele não se moveu para sair.
Meu coração começou a bater tão forte que eu temi que ele ouvisse.
— James… a sua noiva… — eu comecei, a voz um fio de ansiedade.
— Ela vai ficar no quarto ao lado do dos meus pais — ele disse, como se isso explicasse algo. Como se anulasse o anel de noivado, o beijo, tudo. — A casa é grande.
Ele deu um passo à minha frente. O quarto, que parecia aconchegante, de repente ficou minúsculo. Ele preenchia o espaço com sua altura, sua largura, seu cheiro. Madeira, tabaco, homem.
— Você tem medo? — ele perguntou, baixinho.
— Não — menti.
Um sorriso lento surgiu em seus lábios. Ele levantou a mão — aquela mão grande, calejada que eu já imaginara em todo lugar — e tocou meu rosto. Apenas as pontas dos dedos, escorrendo da minha têmpora até o meu queixo. Foi um toque tão leve, tão devastador, que meus joelhos quase cederam.
— Mente tão bonito — ele sussurrou.
Seus dedos desceram pelo meu pescoço, traçando o contorno do meu osso da clavícula. Pararam no cós do meu short. Brincaram com o botão.
— Eu… eu não fiz isso antes — eu soltei, as palavras saindo em um suspiro trêmulo, uma confissão involuntária.
Ele parou. Seus olhos, aqueles olhos cinza de tempestade, perfuraram os meus.
— Nada? — a voz dele estava grave, rouca.
Eu balancei a cabeça, negandø. Meu rosto estava em chamas. Vergonha? Expectativa? Não sabia mais.
Ele ficou em silêncio por um que pareceu uma eternidade. O som da festa lá embaixo chegava abafado. Então, ele se inclinou. Sua boca ficou a um centímetro do meu ouvido. Seu hálito quente fez todo o meu corpo estremecer.
— Pois eu vou te dar um presente que você jamais vai esquecer — ele murmurou, as palavras ásperas como uma carícia áspera.
Antes que eu pudesse reagir, sua mão — que ainda estava no meu cós — se moveu. Desfez o botão do meu short com um movimento hábil. A mão dele deslizou para dentro, quente e inegável contra minha pele nua, por cima da fina barreira da minha calcinha.
Eu prendi a respiração. O mundo desapareceu. Não existiu mais família, noiva, Natal, neve. Existiu apenas aquela mão enorme e quente pressionando contra o centro mais íntimo de mim, e os olhos dele, escuros e intensos, prendendo os meus.
Ele não moveu os dedos. Apenas pressionou, deixando-me sentir o peso, a promessa, a posse daquele toque. Um gemido sufocado escapou dos meus lábios.
Os olhos dele faiscaram de satisfação perigosa.
Lá embaixo, alguém gritou seu nome.
— James! Desce aqui, precisa de ajuda com o vinho!
Ele suspirou, um som de frustração. Lentamente, muito lentamente, retirou a mão de dentro do meu short. O frio que tomou o lugar do calor dele foi uma tortura. Ele refez o botão com os mesmos dedos que há segundos me tocavam, num gesto íntimo e dominador.
— A janela do banheiro — ele lembrou, sua voz agora totalmente controlada, o empresário voltando à superfície. Mas seus olhos ainda estavam selvagens.
— Ela não tranca por fora.
Ele deu um passo para trás, abrindo espaço entre nós. O feitiço se quebrou um pouco.
— Se você quiser o seu presente… venha buscá-lo.
Ele virou-se e saiu do quarto, fechando a porta suavemente atrás de si.
Eu fiquei parada no meio do quarto escuro, tremendo de cabeça aos pés, com o calor da mão dele ainda queimando entre minhas pernas, e o sabor proibido de uma promessa na ponta da língua.
Lá fora, começou a nevar de novo.
E eu já sabia que, antes que a noite acabasse, eu cruzaria aquele corredor escuro.
Continua...