Capítulo 12 Fernando

1332 Words
Fernando Narrando Me chamo Fernando, tenho trinta anos, um metro e noventa de altura e um porte que não é de herdeiro, é de quem trabalha. O físico forte não veio de academia de shopping, veio de anos carregando caixa nos primeiros negócios do meu pai e, depois, de aguentar o tranco de criar uma multinacional do zero ao lado dele. Tenho mais tatuagens do que meus pais gostariam – um dragão no braço direito, coordenadas geográficas importantes no antebraço esquerdo – e uma pele que, apesar de branca, pegou um bronzeado permanente das praias do litoral brasileiro nos poucos fins de semana que consigo escapar do escritório. Cabelo sempre na régua, porque não tenho tempo para estilo. Sou CEO, não herdeiro. Há diferença. Hoje, dia 24, me dei o luxo da preguiça. Corri cedo, tomei um café da manhã silencioso com meus pais, e depois os vi sair com a missão de “últimas compras” – um eufemismo para meu pai comprar mais vinho do que precisamos e minha mãe procurar um queijo que provavelmente não existe. Fiquei. Respondi alguns e-mails, falei com uns amigos do exterior, organizei a papelada para uma viagem de negócios que faço dois dias depois do Natal. E, no meio da tarde, decidi que merecia um banho longo, quente, sem pensar em margem de lucro ou projeção de mercado. Estava no meu quarto, só de shorts, secando o cabelo, quando ouvi a campainha. Estranhei. Meus pais tinham chave. A Giovana, minha irmã, estava com eles. Ignorei. Deve ser entrega, pensei. Até que ouvi a porta se abrindo e uma voz feminina ecoando no hall. — Olá? Tem alguém aí? É a Júlia! Júlia? O nome fez uma conexão instantânea no meu cérebro: ruiva, amiga da Gi, filha dos amigos dos meus pais. A menina que sempre esteve por perto, em churrascos, festas de aniversário, sempre um pouco à sombra da minha irmã, crescendo a cada verão. A última vez que a vi com real atenção… ela devia ter uns quinze, dezesseis anos. Uma garota. Desci as escadas sem muita cerimônia, a toalha ainda na mão. E então a vi. Ela não era mais uma garota. Parada no meio da nossa sala de estar, iluminada pelas luzes brancas da árvore de Natal, ela parecia uma pintura. O cabelo ruivo, aquele cobre vivo que sempre a destacou, estava solto em ondas descontroladas que caíam sobre os ombros. Ela usava um vestido verde simples, mas que se agarrava a curvas que a adolescente de anos atrás definitivamente não tinha. Seus olhos, de um verde quase esmeralda, estavam arregalados, presos em mim com uma mistura de choque, constrangimento e… algo mais. Algo que fez meu corpo, relaxado até então, ficar instantaneamente alerta. — Júlia? — disse, e minha própria voz soou mais áspera do que eu pretendia. “A ruivinha da minha irmã. Que surpresa.” A expressão dela foi de puro pânico social. Ela corou, uma onda de rosa subindo do pescoço até as bochechas, e seus olhos fugiram dos meus, passando rapidamente pelo meu torso nu antes de se fixarem em um ponto seguro no chão. — F-Fernando! Oi. Eu… não sabia que você estava em casa. Achei que estivesse com eles. Ela estava visivelmente sem graça. E eu, de repente, me senti um intruso na minha própria casa, aparecendo semi-nu na frente da amiga de infância da minha irmã. Uma amiga que, aparentemente, tinha virado uma mulher desconcertantemente atraente quando eu não estava olhando. — Relaxa — disse, tentando um tom mais leve enquanto enxugava o cabelo mais uma vez, um gesto quase automático para ganhar tempo. — A casa é sua também, você sabe disso. Seus pais e os meus são praticamente a mesma pessoa há trinta anos. Você não precisa bater. Ela soltou um risinho nervoso, ainda sem me olhar nos olhos. — É que… vim fazer uma surpresa para a Gi. Combinei com minha mãe de chegar antes. Ela não sabe que estou aqui. Ah. Surpresa. Isso explicava a chegada antecipada. E explicava por que ela estava parada ali, parecendo um cervo assustado diante dos faróis. — A Gi deve estar a caminho — comentei, me aproximando um pouco, mas mantendo uma distância segura. A última coisa que queria era assustá-la mais. — O voo dela atrasou, ou então minha mãe a arrastou para alguma loja impossível. Você conhece a Fabiana. Isso pareceu acalmá-la um pouco. Ela finalmente levantou os olhos, e dessa vez conseguiu mantê-los no meu rosto. — Conheço. Ainda bem que trouxe um livro para ela. Vai ter tempo de ler enquanto espera. Sorri. — Ela vai pirar com você aqui. Faz… quanto tempo? Um ano? — Quase — ela respondeu, e seu corpo parecia relaxar um grau. — Ela só fala de cadáver e provas. Eu falo de artigos e jurisprudência. É um intercâmbio macabro. Ri. Era verdade. Minha irmã e sua melhor amiga eram estranhamente compatíveis em sua obsessão por profissões intensas. Enquanto conversávamos, pude observá-la melhor. A garota tímida tinha dado lugar a uma jovem com uma presença tranquila, inteligente. E linda. Incrivelmente linda. O vestido verde fazia seus olhos brilharem, e aquele cabelo… era um espetáculo à parte. — E você, Fernan… — ela começou, hesitando no apelido. — Como tem sido? CEO da vida, pelo que a Gi fala. — CEO da vida é um bom termo — concordei, encostando na mesa da sala. — Muito trabalho, muitas viagens. Mas tá valendo a pena. E você, Direito? Já se imaginou fazendo o quê? Ela começou a falar sobre alguma coisa relacionada a direito internacional, e eu ouvi, genuinamente interessado, mas uma parte da minha atenção estava dividida. Dividida entre as palavras dela e a maneira como seus lábios se moviam, como suas mãos gesticulavam suavemente, como o vestido se ajustava ao seu corpo quando ela respirava. Havia uma energia estranha no ar. A familiaridade de uma amiga de infância, mas sobreposta por uma atração nova, adulta, e totalmente inapropriada. Ela era a amiga da minha irmã. Os pais dela são amigos dos meus pais. Ela é território proibido. Ela deve ter sentido algo também, porque no meio de uma frase sobre tratados bilaterais, ela parou. Seus olhos verdes encontraram os meus, e desta vez não havia constrangimento, apenas uma curiosidade intensa, um questionamento silencioso. O silêncio caiu novamente, mas era diferente. Não era mais desconfortável. Era carregado. Elétrico. Sem pensar, me afastei da mesa e dei mais um passo em sua direção. Ela não recuou. Ficou parada, olhando para mim, sua respiração um pouco mais rápida. — Júlia… — comecei, sem saber ao certo o que ia dizer. Foi quando ela, talvez nervosa, talvez movida pelo mesmo impulso que eu, deu um pequeno passo para o lado, como se fosse pegar algo na bolsa. Mas o salto do seu sapato — um detalhe que eu não tinha notado antes — escorregou levemente no tapete persa. Ela perdeu o equilíbrio. Foi um movimento mínimo, mas instantâneo. Meu braço saiu, envolvendo sua cintura para segura ela antes que ela caísse. Puxei ela pra perto, estabilizando-a. Ela caiu contra meu peito, suas mãos se apoiando em meus ombros nus. O contato foi um choque. Seu corpo era pequeno, quente, macio contra o meu. Seu cabelo cheirava a maçãs e algo doce. Seus olhos verdes, agora a apenas alguns centímetros dos meus, estavam arregalados, surpresos, ofegantes. O mundo parou. Meu olhar desceu para seus lábios, entreabertos, corados. Sua respiração ofegante batia no meu queixo. Foi um acidente. Um reflexo. Um momento de desequilíbrio. Mas o que aconteceu depois não foi. Inclinei a cabeça. E ela, em vez de se afastar, inclinou a dela. Nossos lábios se encontraram. E não foi um beijo de amigo de infância. Não foi um toque acidental. Foi quente, firme, carregado de todos os anos de ausência e de todos os segundos de atração eletrizante que haviam explodido no ar nos últimos minutos. Foi um beijo que, em um instante, reescreveu todas as regras. Continua...
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