3° Conto — A SURPRESA ERRADA — O irmão gato da minha Amiga

1203 Words
Júlia Narrando Me chamo Júlia, tenho vinte anos, um metro e sessenta e seis de altura, e um cabelo ruivo que é tanto minha assinatura quanto minha maldição. É daqueles tons de cobre que brilham como fogo sob o sol, ondulado e rebelde, dando-me a opção diária de domá-lo com a chapinha (resultado: liso e impecável) ou deixá-lo solto (resultado: uma cabeleira de ondas vivas que parece ter vida própria). No momento, ele está no modo "fui à academia de manhã e não tive paciência", então as ondas estão soltas, presas apenas num r**o de cavalo alto que revela a nuca. Sou estudante de Direito aqui no Brasil, terceiro período, já afundada em livros de Constituição e processual penal, enquanto minha melhor amiga desde o maternal, Giovana, está do outro lado do oceano, em Lisboa, vivendo o sonho (ou pesadelo) de cursar Medicina. Faz quase um ano que não a vejo pessoalmente. Só chamadas de vídeo, onde ela aparece com olheiras de estudar vinte horas seguidas, e eu, com olheiras de ler vinte processos hipotéticos. É Natal. E este ano, será diferente. Em vez da ceia tradicional na nossa casa, vamos passar na casa da tia Fabiana e do tio Gustavo. Eles são os pais da Giovana, e também do Fernando. Sim, aquele Fernando. O irmão mais velho da Gi, quatro anos mais velho que nós. O mesmo que, durante toda a minha adolescência, foi o garoto proibido, o crush secreto, o cara que eu via nos churrascos de família e que me deixava com a língua travada e as mãos suadas. O que era dele era maior, mais interessante, mais adulto. E ele m*l sabia que eu existia além de ser "a amiga ruiva da minha irmãzinha". A família Rodrigues — Fabiana, Gustavo e, quando está no país, Fernando — tem uma casa enorme no condomínio fechado Jardim Europa. É para lá que estamos indo. Meus pais, Jéssica e Ricardo, foram com a tia Fabiana e o tio Gustavo fazer as últimas compras para a ceia. A ideia era irmos todos juntos, mas eu me adiantei. Estou parada na garagem da nossa casa, jogando minha mala rosa no porta-malas do meu carro — um Fox branco, presente de dezessete anos — quando o telefone toca. É minha mãe. Ligação On — Ju, amor, como tá aí? Conseguiu suas coisas? — Tô quase pronta, mãe. Só jogar a bolsa de maquiagem e o presente da Gi aqui e já era. — Perfeito. Olha, como a gente já tá com a Fabi e o Gustavo aqui no shopping, e você já tá com as coisas aí, que tal você ir na frente? A gente leva suas coisas no carro daqui. Fiquei em silêncio por um segundo. Ir na frente. Significava chegar na casa dos Rodrigues antes de todo mundo. Antes da Gi. A ideia piscou na minha mente como um letreiro de néon: surpresa. Eu poderia me esconder, assustá-la quando ela chegasse. Seria épico. Riríamos como antigamente. — Acho uma ótima ideia — disse, tentando disfarçar a animação na voz. — Vou fazer uma surpresa pra Gi. Ela não tem a menor ideia de que eu vou chegar antes. Minha mãe riu. — Só não apronta muito, hein? A casa é linda, não mexe em nada. O código do portão é a data de aniversário da Fabiana: zero, quatro, um, um. Anotei mentalmente. 04/11. — Beleza, mãe. Vou indo então. Nos vemos lá. Ligação Off Desliguei. Um sorriso largo esticou meus lábios. Corri para dentro, peguei a bolsa de maquiagem e a caixa embrulhada com o presente para a Gi — uma edição linda de um livro de anatomia artística que ela queria — e joguei tudo no banco do passageiro. A viagem até o condomínio foi rápida, com o coração batendo um pouco mais forte por causa da expectativa. Passei na portaria, dei o nome dos Rodrigues, e o segurança, já devidamente avisado, me liberou com um aceno. As ruas do condomínio eram largas, arborizadas, e cada casa parecia uma pequena mansão. A dos Rodrigues não era exceção: estilo moderno, muitos vidros, um jardim frontal impecável mesmo em dezembro. Parei na frente do portão eletrônico. Respirei fundo, empolgada. Digitei o código: 0, 4, 1, 1. O portão começou a se abrir, suave e silencioso. Estacionei na garagem espaçosa, ao lado de uma SUV preta que é do tio Gustavo. A casa parecia silenciosa. Perfeito. Giovana e os outros deviam estar a pelo menos vinte minutos de distância. Peguei minha bolsa e o presente, e caminhei até a porta de entrada de vidro. Toquei a campainha, por educação, mas não esperei. A porta deveria estar destrancada. E estava. Empurrei-a e entrei. — Olá? Tem alguém aí?” chamei, minha voz ecoando no hall de entrada de pé-direito alto. “É a Júlia!” Silêncio. Sorri. Era melhor do que eu esperava. Ter a casa enorme só para mim por alguns minutos. Poderia explorar, me esconder no quarto da Gi, talvez até no quarto de hóspedes onde eu ia ficar… Deixei minha bolsa e o presente em um banco do hall e comecei a andar. A sala de estar era imensa, decorada com um pé-direito duplo e uma árvore de Natal enorme, já decorada, brilhando com luzes brancas. Cheirava a pinheiro e a algo doce, como panetone. Foi quando ouvi. Um som baixo. Vindo de algum lugar do andar de cima. Um ruído surdo, ritmado. Como… passos? Parei, escutei. Meu coração, que antes batia de animação, deu uma pancada diferente. De alerta. Alguém estava em casa. A Giovana? Não, ela estava com meus pais. Fabiana e Gustavo também. Só poderia ser… Os passos ficaram mais altos. Estavam descendo a escada de madeira clara que levava ao andar superior. Meu corpo congelou por um instante, misto de surpresa e uma pontada de ansiedade. A surpresa para a Gi tinha acabado de ganhar um participante extra não convidado. E então, ele apareceu no patamar da escada. Fernando. Mas não o Fernando que eu lembrava de anos atrás, o garoto alto e magro com um sorriso fácil. Este era um homem. Usava apenas um shorts de algodão cinza, baixo no quadril, e o torso nu. Meu cérebro parou, tentando processar a visão. Seus ombros eram largos, o peito definido, com uma leve camada de pelos castanhos que levava até o abdômen trincado. Os braços, cruzados diante do peito, tinham músculos que se desenhavam sem esforço. Ele estava com uma toalha pequena na mão, secando o cabelo curto e escuro, que ainda pingava um pouco na nuca. Devia ter saído do chuveiro. Ele parou de se secar, seus olhos castanhos escuros — tão parecidos com os da Gi, mas com uma intensidade totalmente diferente — encontrando os meus. Ele parecia tão surpreso quanto eu. Um segundo de silêncio absoluto. Então, um meio-sorriso surgiu em seus lábios, um sorriso que fez algo dentro do meu estômago dar um giro. — Júlia? — ele disse, a voz mais grave do que eu lembrava, vindo de algum lugar profundo do peito. — A ruivinha da minha irmã. Que surpresa. E eu, que tinha vindo para fazer uma surpresa, percebi, de repente, que talvez fosse eu quem estava prestes a ser surpreendida. Continua...
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