Capítulo 02 James

1340 Words
James Narrando Me chamo James, tenho 24 anos e construí cada centímetro da minha vida com as próprias mãos — literalmente. Aos dezoito, herdei do meu velho não dinheiro, mas dívidas e um terreno congelado nos fundos da propriedade da família. Hoje, seis anos depois, aquelas dívidas viraram um negócio de madeira serrada que fatura meio milhão por ano e emprega quinze homens durões que só respeitam quem suja as mãos junto. Meu corpo reflete isso: um metro e oitenta e cinco de músculo sólido, conquistado carregando toras sob neve, não em academia de espelho. Tenho as mãos calejadas, o olhar frio de quem negocia preço de frete em uma ligação e resolve briga de bar na outra — e a cicatriz que corta minha sobrancelha esquerda prova isso. Mulher nunca me faltou. Tenho uma, aliás — a Talita, loira, olhos claros, advogada bem-sucedida de Porto Alegre. Bonita, inteligente, do tipo que você leva pra jantar com sócio e ele fica com inveja. Ela quer casar. Eu disse que sim, ano passado, depois de uma noite e muito whisky. Desde então, ela planeja um casamento de revista, e eu assino os cheques sem ler. Deveria ser suficiente. Deveria ser tudo. Mas nada — nem o negócio crescendo, nem a Talita perfumada no meu apartamento de vidro na cidade — me preparou para o que aconteceu hoje no aeroporto. Quando o tio Carlos me pediu pra buscar a família dele, eu aceitei por obrigação. Lembrei vagamente da prima pequena que eu via nas férias — uma garotinha magricela, sempre atrás do tio, com um laço no cabelo. Rafaela. Uma lembrança desbotada, sem importância. Até eu ver ela andando na minha direção. Meu cérebro simplesmente parou. Ela não andava — ela desfilava, com uma consciência do próprio corpo que fez o ar sair dos meus pulmões. O short jeans parecia pintado nela, destacando cada curva que a menininha de antes não tinha. Seu cabelo loiro era uma cascata que eu instantaneamente imaginei enrolado no meu punho. Seu rosto, um misto de inocência e desafio, com uma boca que pedia para ser mordida. E quando ela mordeu o lábio, olhando pra mim? Algo primitivo, profundo e totalmente inaceitável acordou dentro de mim com um rugido. Minha prima. Sete anos mais nova. Filha do meu tio. Três verdades que deveriam formar um muro intransponível. Mas nesse segundo, com ela parada diante de mim, cheirando a verão e nervosismo, o único pensamento na minha cabeça foi um só, cru e irracional: Ela é minha. Abracei ela. Senti o corpo pequeno, quente, tremendo contra o meu. Sussurrei no ouvido dela o que eu não podia conter. Vi suas pernas fraquejarem. E soube, com a mesma certeza com que sei ler um contrato ou a direção do vento no inverno: ela sentiu o mesmo. Agora, dentro da minha camionete, sigo o SUV do tio Carlos em direção à chácara. O motor ronca baixo, o aquecedor sopra, e o cheiro dela — doce, tropical, completamente fora de lugar nesse meu mundo de gelo e diesel — enche a cabine. Ela está sentada ao meu lado, tensa, os dedos brancos agarrados ao assento. No retrovisor, nossos olhos se encontram. Os dela são grandes, castanhos, cheios de uma tempestade que eu reconheço porque carrego a mesma dentro de mim. “Pronta pra sua primeira lição de direção no gelo, Rafa?” Minha mão, quase por vontade própria, escorrega da alavanca e vai repousar no joelho dela. Através do jeans, sinto o calor, a tensão, o pulso acelerado. Ela prende a respiração. O toque é um teste. Uma pergunta. Uma linha sendo cruzada a sessenta por hora, na escuridão da estrada coberta de neve. Ela não me empurra. Meus dedos apertam levemente o músculo da coxa. É firme, macio. Uma combinação que me deixa louco. Olho pra estrada, mas toda a minha atenção está na ponta dos meus dedos, no arrepio que sinto subir pelo meu próprio braço. — Tá com frio? — pergunto, a voz mais grossa do que eu pretendia. Ela sacode a cabeça, negativa muda. — Então para de tremer — digo, e meu polegar começa um movimento circular, lento, deliberadamente sensual, na parte interna de sua coxa. Ela solta um suspiro abafado. Viro o rosto por um segundo. Seus olhos estão fechados, a boca entreaberta. A visão é um soco no meu estômago, mais baixo. James, você é um homem de negócios. Um noivo. O cara que resolve problema. Isso aqui é o maior problema que você poderia inventar. Mas a voz da razão é um sussurro distante, abafado pelo som do sangue pulsando nos meus ouvidos e pela memória do corpo dela contra o meu. O SUV à frente reduz a velocidade para uma curva mais fechada. Tiro a mão do joelho dela para engrenar. Sinto, mais do que vejo, a frustração que vibra nela. É um jogo perigoso que estamos jogando, sem regras, sem palavras. — Por que você veio buscar a gente? — ela pergunta de repente, a voz um fio de seda cortando o silêncio pesado. — Porque pediram pra mim — respondo, simples. — E você faz tudo que pedem? Olho pra ela. Há um desafio na pergunta, uma provocação. Essa não é uma menina assustada. É uma mulher que sabe o que quer e está me sondando. — Não — respondo, segurando seu olhar. — Faço o que eu quero. E é a verdade mais pura que já disse. Construí minha vida nessa filosofia. E agora, o que eu quero está a um braço de distância, me olhando como se eu fosse tanto a resposta quanto a pergunta. O carro dos meus tios entra na estrada de terra que leva à chácara. Estamos a cinco minutos do destino. Cinco minutos até que ela desapareça no meio da família, dos primos, das tias, da noiva que eu trouxe para este Natal e que está, nesse momento, me esperando na varanda com um suéter branco e um sorriso que não me toca em nada. Cinco minutos até que essa bolha de possibilidade proibida estoure. Minha mão volta para o joelho dela, mas desta vez sobe, lenta, torturante, pela cocha do short. Meus dedos encontram a barra, escorregam por debaixo, um centímetro. A pele dela é como seda quente. Ela estremece violentamente, uma perna se contraindo. — James… — é um gemido, um protesto, uma súplica. É o meu nome na boca dela, e soa como a coisa mais certa e mais errada do mundo. À frente, os faróis do SUV iluminam o portão de madeira da chácara. O destino. Tiro a mão. Volto as duas para o volante. Meu coração bate como se eu tivesse corrido uma maratona. Paro a camionete atrás do SUV. Desligo o motor. O silêncio que cai é absoluto, quebrado apenas pelo nosso respirar ofegante, misturado, visível no ar frio da cabine que já esfria rapidamente. Olho para ela. Seus olhos estão enormes, vidrados, fixos em mim. Seus lábios estão úmidos. Ela está totalmente imóvel, à espera. À minha espera. Lá fora, a porta do SUV se abre. Meu tio grita algo sobre as malas. Este é o momento. O momento de ser racional, de ser o homem que sou, de abrir essa porta e entrar no papel de primo, de noivo, de anfitrião. Em vez disso, me inclino para ela. Ela não recua. Seus olhos fecham-se. Meu sopro é quente na orelha dela quando sussurro, rápido, urgente: — Meu quarto é o último do corredor à esquerda. A janela do banheiro não tranca por fora. Se você for mesmo corajosa… a neve vai cair a noite toda. Me afasto. Abro a porta. O ar gelado da noite gaúcha invade a cabine, um choque de realidade. Ao sair, vejo pelo canto do olho: ela ainda está sentada, imóvel, mas um sorriso pequeno, perigoso, de cumplicidade total, curva seus lábios. E eu sei, com uma certeza que aquece meu sangue mais que qualquer whisky: essa não vai ser uma noite silenciosa. E o Natal nunca mais será o mesmo. Continua...
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