Capítulo 1

1264 Words
Dias atuais. Maike: Eu estava puto. Puto de verdade. E é por isso que odeio toda vez que meu pai me arranca do meu refúgio. Desde aquela palhaçada chamada casamento, me tranquei aqui e não saí mais. No mesmo dia em que comprei essa propriedade, larguei tudo e vim para cá, sem olhar para trás. Para esquecer, para enterrar aquela humilhação nojenta que me persegue como um maldito fantasma. Aqui, ninguém me encara com pena. Ninguém finge que não sabe da merda que aconteceu. Ninguém se atreve a dizer que o tempo cura tudo, porque tempo nenhum vai apagar aquilo. Esse lugar é minha fortaleza, meu escudo contra o mundo. O silêncio é meu aliado. A solidão, minha proteção. Aqui, não preciso sorrir para agradar ninguém, não preciso fingir que superei. Mas, como sempre, meu pai não aceita isso. Insiste em me arrancar daqui, como se eu ainda pertencesse àquela realidade imunda que me cuspiram na cara. Mas não pertenço. Nunca mais. Meu refúgio. Minha fortaleza. Meu paraíso. Comprei essa terra para me esconder, para reconstruir do meu jeito. Não estou no fim do mundo, mas estou isolado o suficiente para que ninguém me incomode. Muros altos cercam cada pedaço do que é meu, afastando qualquer i****a que ouse chegar perto. Aqui dentro, sou intocável. A casa principal é um monumento à solidão. Uma mansão gigantesca, rústica, imponente, feita de madeira nobre e pedra, com janelas enormes que deixam a luz entrar, mas que, na maior parte do tempo, mantenho fechadas. O teto é alto, as vigas expostas trazem uma sensação de força, como se sustentassem mais do que apenas a estrutura. O chão é de mármore escuro, frio e impecável, refletindo a pouca luz que entra. Cada passo que dou ressoa pelos cômodos vazios, o eco me lembrando constantemente que aqui dentro só existe eu. Meu quarto é um santuário de escuridão. Cortinas pesadas bloqueiam qualquer traço de sol, e a única coisa que quebra o vazio é a cama grande demais para um homem que dorme sozinho. Nos corredores, o silêncio é absoluto. Ninguém para encher o saco, ninguém para perguntar como estou. Lá fora, a propriedade é um império de natureza intocada. Árvores frutíferas se espalham pelo terreno, e o cheiro doce de laranjas, mangas e maçãs se mistura ao ar puro da terra. Os rios cortam as terras como veias pulsantes, alimentando cachoeiras que despencam em um espetáculo hipnotizante. Os lagos são espelhos perfeitos, tão tranquilos que parecem intocados pelo tempo. Trilhas naturais levam a lugares que ninguém além de mim conhece, cantos isolados onde o mundo lá fora simplesmente deixa de existir. Mas eu não sou ingênuo. O mundo é podre, traiçoeiro, sujo. E eu aprendi isso da pior maneira possível. Por isso, protejo o que é meu. Muros altos, portões reforçados, segurança constante. Ninguém entra sem a minha permissão. Aqui dentro, eu sou o único dono do meu destino. E ninguém vai mudar isso. Saio do carro com um impacto seco, a porta batendo com força o suficiente para fazer eco. Meu peito sobe e desce, pesado, carregado de raiva, de exaustão, de uma dor que me corrói por dentro há tempo demais. Mas antes de me afastar, viro para encará-lo. Meu pai. O homem que insiste em me puxar de volta para um mundo que eu já enterrei. Saio dos meus devaneios com o meu pai dizendo: Rodolfo — Pelo amor de Deus, Maike! Você precisa entender… Eu estou desesperado! Sou um pai que perdeu o filho ainda vivo! — Perdeu? Não, pai… Eu escolhi desaparecer! Escolhi me afastar! Rodolfo — Você não pode viver assim! Trancado nesse buraco como se estivesse morto! Tudo isso por causa daquela mulher? Por uma vagabunda que não valia nada? Por causa da Brenda? — NÃO FALE DELA! Minha voz explode, meus punhos cerram. O sangue ferve só de ouvir o nome daquela maldita. Rodolfo — Eu te avisei! Eu disse pra você abrir os olhos, mas você não quis me ouvir! E agora? Vai se enterrar vivo por causa dela? Isso não pode definir a sua vida, filho! — Eu fui feito de i****a! No dia do meu casamento, pai! O próprio desgraçado do meu primo jogou a verdade na minha cara! Você tem noção do que é isso? Rodolfo — E você acha que eu não sei? Acha que eu não vi o meu filho ser humilhado daquele jeito? Mas escuta bem o que eu vou te dizer, Maike: ela não merece isso! Não merece um minuto da sua dor, muito menos sua vida jogada no lixo! — Eu não estou jogando nada no lixo! E estou exatamente onde eu quero estar! Rodolfo — Mentira! Você não quer estar aqui, você só não sabe o que fazer com tanta raiva, tanta mágoa! Mas se acha que se esconder nesse buraco vai te fazer esquecer, você está enganado! — Melhor me esconder do que fingir que nada aconteceu! Rodolfo — Você não precisa fingir nada, mas também não precisa morrer por dentro por causa de uma mulher suja e de um traidor! O que você vai fazer, Maike? Passar o resto da vida se escondendo enquanto eles seguem em frente? — Eu morri no dia daquele casamento, pai. Aceite isso. Rodolfo — Não. O meu filho ainda está aí dentro, mas eu não sei por quanto tempo. E eu não vou ficar parado vendo você se enterrar junto com a dor! Não sei o porquê ele insiste em me puxar de volta para um mundo do qual eu não pretendendo mais pertencer. Meus olhos queimam, minha voz sai fria, cortante como uma lâmina: — Pare de fingir que está morrendo só para me arrancar daqui, pai… Porque no dia em que isso realmente acontecer, eu não vou estar lá para segurar sua mão. O choque atravessou seu rosto, vejo a dor nos olhos dele, mas não me importo. Ele precisa entender. — O senhor tem outros filhos… Então vá atrás deles. Mas eu? Eu acabei, pai. Eu morri naquele altar. Então, pelo amor de Deus, me deixem em paz. Dou as costas e caminho para dentro, sentindo cada palavra arrancar um pedaço de mim. Mas é melhor assim. Melhor do que continuar sangrando por algo que nunca vai mudar. Assim que pisei dentro de casa, um peso se abate sobre mim, como se o ar fosse denso demais para respirar. Sem pensar, meus pés me guiam direto até o bar. O álcool sempre foi meu refúgio, meu consolo sujo, mesmo depois da promessa que fiz a mim mesmo de nunca mais tocá-lo. Hoje, eu vi aquela desgraçada novamente. Ela até teve a audácia de tentar se aproximar de mim. O que ela diria? Tentaria pedir desculpas, como se isso fosse mudar alguma coisa? Patética. Sovo o líquido cor de âmbar no copo, sentindo o calor queimando minha garganta, tentando afogar a raiva, o nojo que ainda sinto. Não adianta. Nenhuma bebida pode apagar o gosto amargo que se instalou dentro de mim. Encho o copo novamente, mas essa vez, não toco. Em um impulso, o arremesso contra a parede. O som da quebra, estilhaçando o vidro, é o único alívio que encontro. Como se a destruição de algo pudesse me dar um pouco de controle no meio dessa tempestade de raiva. Sem hesitar, saio do bar e subo para o meu quarto. Fecho a porta com toda a força, abafando qualquer som que venha de fora. Aqui dentro, no silêncio, sou apenas eu e a solidão, a única companhia que restou. E talvez, a única que eu ainda consiga suportar.
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