Reencontro

1186 Words
— Afinal, qual seu nome, doutora? — perguntou ele, com um meio sorriso e a voz rouca que misturava cansaço e curiosidade. Helena o encarou, sentindo o peso daquele olhar penetrante. — Meu nome é Helena, — respondeu, tentando manter a voz firme. — Por favor, pare de me chamar de doutora. Ele ergueu uma sobrancelha, claramente se divertindo com a resposta direta. — Então, Helena, vai querer saber meu nome também? — questionou, mantendo os olhos fixos nela. — Acho que sim, — respondeu, sem desviar o olhar. Ele a observou por mais alguns segundos, até que os lábios esboçaram um sorriso enigmático. — Aqui, todos me chamam de Chacal. Helena assentiu, tentando disfarçar a estranha mistura de medo e curiosidade que sentia por aquele homem. "Chacal", pensou. O nome parecia fazer jus ao tipo de figura que ele representava ali no morro. Ela pigarreou, sentindo o ambiente sufocante e a tensão do olhar dele sobre si. — Agora... posso ir embora? — arriscou. Ele fez um gesto casual com a mão, mas o sorriso provocador ainda estava lá. — Pode sim, doutora. — disse, enfatizando o título, como se soubesse que isso a incomodava. — Mas amanhã você volta. Helena não teve coragem de contestar. Apenas respirou fundo, lançou um último olhar em sua direção e saiu da casa, com a sensação de que aquele encontro a puxava para dentro de um mundo que ela m*l entendia. Assim que o mesmo rapaz a conduziu para fora e a levou de volta pelo morro, Helena sentiu a tensão aliviar. Ainda de capacete, desceu da moto com um suspiro pesado e viu o táxi se aproximar. Entrou no carro com um misto de alívio e exaustão, como se deixasse para trás o peso daquela casa e de tudo o que ela significava. Enquanto o táxi serpenteava pelas ruas, Helena recostou a cabeça e fechou os olhos por um instante. Ela sabia que estava se metendo em uma situação perigosa, mas uma parte de si, por mais que relutasse em admitir, sentia-se atraída por aquele mistério. Chacal e seu mundo traziam uma adrenalina que ela nunca havia experimentado. Mas o medo era real. Ela não fazia ideia de onde aquilo poderia levá-la — ou do quanto sua vida mudaria se continuasse envolvida com ele. Helena cresceu em um bairro tranquilo, rodeada por áreas nobres e um estilo de vida confortável. Filha de advogados respeitados, sempre teve acesso a boas escolas e oportunidades. Seus pais, acostumados a um padrão de vida que valorizava a segurança e o status, não entenderam sua escolha de se tornar enfermeira e, ainda mais, de trabalhar em um posto de saúde próximo ao morro. Para eles, o ambiente era perigoso, e a ideia de que a filha pudesse se expor a esse tipo de realidade era incompreensível. Mas Helena queria andar com suas próprias pernas. Desde jovem, sentia que precisava fazer algo significativo, algo que realmente a conectasse com as pessoas e com suas lutas. A medicina a atraía, não apenas por ser uma profissão respeitável, mas porque representava a chance de ajudar quem realmente precisava, de se envolver com vidas em um nível mais profundo. Foi essa convicção que a levou a fazer a escolha de ir trabalhar em um lugar que muitos evitariam. Agora, depois da experiência com Chacal e as circunstâncias que a cercavam, Helena se perguntava se essa escolha a levaria a um caminho perigoso. Mas no fundo, havia uma chama de determinação que não a deixava recuar. A vida que levava agora era exatamente o que ela queria, mesmo que isso significasse encarar desafios que jamais imaginou. Ao abrir a porta de casa, Helena foi recebida pelo cheiro familiar do jantar que estava sendo preparado. A mesa estava posta com cuidado, os talheres brilhando sob a luz suave da sala. Seus pais estavam acomodados no sofá, assistindo a algo na TV, mas a atenção deles logo se voltou para ela. — Cheguei! — anunciou, tentando transmitir um entusiasmo que não sentia. — Minha filha, estávamos preocupados! — exclamou sua mãe, levantando-se com uma expressão de alívio no rosto. — Está passando no jornal sobre os tiros lá no morro. Que horror! Helena sentiu uma onda de cansaço invadi-la, misturada com um leve desconforto. As notícias que chegavam a seus pais sempre eram carregadas de medo, e ela sabia que não tinha como explicar o que realmente acontecera. O que ela viu e ouviu no morro, as interações com Chacal e os homens armados, não era algo que eles compreenderiam. Para eles, era um lugar distante, cheio de perigos e mistérios que eles nunca quisariam enfrentar. — Está tudo bem, mãe. Eu estou bem, — disse, tentando acalmá-la. — Foi só um susto. Sua mãe a olhou com desconfiança, como se não estivesse convencida. — Helena, você sabe que esses lugares não são seguros. Por que você insiste em trabalhar lá? Helena respirou fundo, sabendo que essa conversa era inevitável. — Porque eu gosto do que faço. Quero ajudar as pessoas, — respondeu, a firmeza na voz aumentando. Seu pai interveio, tentando suavizar a tensão. — Nós entendemos, querida, mas precisamos que você se cuide. Não vale a pena se expor a riscos desnecessários. Ela assentiu, mas por dentro se sentia dividida. A vida que levava no morro, com Seus pais sempre faziam questão de ressaltar as vantagens de trabalhar no hospital de um amigo da família. Para eles, não se tratava apenas de uma oportunidade de emprego, mas também da chance de Helena se conectar a um ambiente mais seguro e respeitável. O filho do amigo, um médico promissor, era frequentemente mencionado nas conversas em casa. Eles achavam que ele seria um ótimo partido, uma pessoa de bem com um futuro brilhante — tudo o que eles desejavam para a filha. — Ele é um bom rapaz, Helena. Você deveria considerá-lo, — dizia sua mãe, com um tom de esperança que tornava difícil ignorar. Helena só conseguia pensar em como a ideia de ter um relacionamento baseado nas expectativas dos pais a deixava incomodada. Não que ela não quisesse encontrar alguém especial, mas não era isso que a motivava. A pressão para seguir esse caminho, para se acomodar em uma vida que não sentia ser a sua, pesava sobre seus ombros. — Mãe, eu aprecio o que você está dizendo, mas eu não quero seguir esse caminho só porque vocês acham que é o melhor para mim. — respondeu, com a firmeza que buscava, mas que soava distante. — O que você está fazendo lá no morro é perigoso, — insistia seu pai, balançando a cabeça. — Temos certeza de que a clínica do Dr. Ribeiro seria uma escolha muito melhor. Helena sabia que seus pais só queriam o melhor para ela, mas a ideia de ser moldada por suas expectativas a fazia sentir-se sufocada. O morro, com toda a sua complexidade e desafios, era a vida que ela havia escolhido e que a fazia sentir-se viva. Essa luta entre o desejo de agradar os pais e a busca por sua própria identidade a deixava em constante conflito
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