Capítulo V

1066 Words
Isadora continuava olhando para ele como se o mundo tivesse desmoronado de novo. O silêncio da sala era tão pesado que até o som da própria respiração parecia uma confissão. Ele apoiou o tablet na perna, cruzou os braços e ficou apenas observando. Aquilo a matava mais do que gritos ou ameaças. A espera. O olhar fixo. A certeza de que ele já sabia. — Vamos deixar as máscaras de lado. — disse, finalmente. — Quem era a mulher da foto? — Eu não sei. — respondeu rápido demais, e a própria voz a traiu. Ele inclinou a cabeça, quase sorrindo. — Você mente m*l. Isadora engoliu em seco, tentando manter o controle. — Já disse que não sei. — Então por que está chorando? — retrucou, apontando para o rosto molhado dela. Ela ficou em silêncio, mordendo o lábio até sentir gosto de sangue. — Quem era? — repetiu, dessa vez mais baixo, mais lento, como se desse a ela uma última chance. Ela fechou os olhos. — Minha mãe. A palavra saiu rasgada, arrancada da garganta. Ele recostou-se, satisfeito, como quem encaixa mais uma peça no quebra-cabeça. — Ótimo. Estamos avançando. Isadora sentiu o estômago embrulhar. O peito subia e descia rápido demais. — Onde ela está agora? — ele perguntou, direto. A dor veio como um soco. — Morta. — Como? — Vocês mataram ela. — cuspiu, a voz carregada de ódio. O sorriso de canto dele desapareceu. A expressão endureceu. — Cuidado com as palavras. — É a verdade! — ela gritou, o corpo se debatendo contra as cordas. — Foram homens como você! Ele ficou em silêncio por alguns segundos, só observando a explosão dela. Depois, com calma, perguntou: — E você? O que fez naquela noite? Isadora gelou. — Eu não… não fiz nada. — gaguejou. — Não fez nada? — Ele riu baixo, mas não havia humor algum. — Então quem é a garota no vídeo? Ela fechou os olhos com força. — Não sou eu. — Não? — Ele se inclinou de novo, apoiando os cotovelos nos joelhos. — Todas as outras, quando eu mostrava esse vídeo, caíam de joelhos. Diziam que eram elas. Sabe por quê? Ela não respondeu. — Porque queriam me agradar. Queriam o privilégio de serem vistas por mim. — O tom dele era de desprezo. — Mas não faziam ideia do que estavam assumindo. Isadora abriu os olhos, confusa, assustada. — Você, por outro lado… — ele continuou, com voz baixa — negou com todas as forças. Não porque quer se proteger de mim. Mas porque sabe exatamente o que significa esse fogo. Isadora respirava rápido, quase em soluços. Ele se inclinou mais, até que o rosto ficou a poucos centímetros do dela. — Só quem viveu sabe negar desse jeito. As lágrimas caíram sem controle. Ela virou o rosto, mas não havia como esconder. Ele se afastou devagar, satisfeito com a reação dela. — Me diga o que aconteceu. — ordenou. Ela permaneceu em silêncio. — Quem estava naquela casa? — — Minha mãe. — sussurrou. — Só ela? Isadora hesitou. — Sim. Ele estreitou os olhos. — Tem certeza? — Sim. — repetiu, mas a voz falhou. Ele percebeu. — Você tinha quantos anos? — Quinze — respondeu baixinho. O ar pareceu mais pesado depois da confissão. Ele respirou fundo, como se estivesse organizando as peças dentro da própria mente. — Então era você. — Não era! — ela gritou, desesperada. — Eu não acendi nada! Eu não toquei fogo em nada! O olhar dele a atravessava como faca. — Você estava lá. — Eu tentei apagar! — ela chorava agora, sem conseguir conter. — Eu tentei! Mas era tarde demais… O silêncio que veio depois foi sufocante. Ele não moveu um músculo, apenas ficou encarando. Isadora respirava em soluços, as cordas machucando ainda mais os pulsos com a força que ela fazia para se soltar. — Você sabe por que a gente procura essa garota? — ele perguntou, de repente. Ela balançou a cabeça, assustada. Ele se inclinou de novo, o olhar intenso. — Porque o fogo daquela noite não foi um acidente. O corpo de Isadora estremeceu. — Vocês… sabiam? — murmurou. — Sabíamos que alguém começou. — ele respondeu, frio. — Mas nunca tivemos certeza de quem. Até agora. Ela fechou os olhos, as lágrimas escorrendo. — Não fui eu… — Continua negando? — ele perguntou. — Até morrer. — respondeu, a voz trêmula, mas firme. Ele a observou em silêncio, como se testasse os limites dela. Depois, levantou-se devagar. A cadeira arrastou no chão com aquele som metálico insuportável. Ele começou a andar pela sala, cada passo medido, como um predador em volta da presa. — Sabe qual é a diferença entre você e as outras? — perguntou, sem olhar para ela. Isadora não respondeu. Ele parou atrás dela, tão perto que ela sentiu a sombra dele. — Elas queriam ser escolhidas. Você não. O coração dela batia forte demais. — Isso só pode significar uma coisa. — a voz dele soou baixa, firme. — Você sabe exatamente o que aconteceu. Ela prendeu a respiração. Ele voltou para a frente dela e se inclinou outra vez. — E é por isso que eu não vou deixar você escapar. Isadora sentiu a alma despencar. — O que vai fazer comigo? — perguntou, num fio de voz. Ele sorriu de canto, mas sem calor algum. — Vou arrancar a verdade. Seja falando… ou em silêncio. As lágrimas desciam, mas agora o medo se misturava com raiva. — Eu nunca vou dizer nada. — Não precisa. — ele respondeu. — Seu silêncio já me disse tudo. Ele pegou novamente a foto da mãe dela e a colocou sobre o peito de Isadora, pressionando com a mão. — Esse rosto é a chave. E você carrega a resposta. Isadora virou o rosto, soluçando. Ele se afastou, guardando a foto e o tablet de volta no casaco. O olhar permanecia fixo nela, frio, decidido. O silêncio se alongou, pesado, até que ele se levantou de vez. A cadeira foi empurrada para o lado, o som ecoando pelo espaço. Isadora permaneceu imóvel, o peito arfando, as lágrimas molhando o colchão áspero. A mente rodava, presa entre passado e presente, entre a lembrança da mãe e a ameaça diante dela. E então ela entendeu: não importava quantas vezes negasse. Para ele, já estava condenada.
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