Isadora continuava olhando para ele como se o mundo tivesse desmoronado de novo. O silêncio da sala era tão pesado que até o som da própria respiração parecia uma confissão.
Ele apoiou o tablet na perna, cruzou os braços e ficou apenas observando. Aquilo a matava mais do que gritos ou ameaças. A espera. O olhar fixo. A certeza de que ele já sabia.
— Vamos deixar as máscaras de lado. — disse, finalmente. — Quem era a mulher da foto?
— Eu não sei. — respondeu rápido demais, e a própria voz a traiu.
Ele inclinou a cabeça, quase sorrindo. — Você mente m*l.
Isadora engoliu em seco, tentando manter o controle. — Já disse que não sei.
— Então por que está chorando? — retrucou, apontando para o rosto molhado dela.
Ela ficou em silêncio, mordendo o lábio até sentir gosto de sangue.
— Quem era? — repetiu, dessa vez mais baixo, mais lento, como se desse a ela uma última chance.
Ela fechou os olhos. — Minha mãe.
A palavra saiu rasgada, arrancada da garganta.
Ele recostou-se, satisfeito, como quem encaixa mais uma peça no quebra-cabeça. — Ótimo. Estamos avançando.
Isadora sentiu o estômago embrulhar. O peito subia e descia rápido demais.
— Onde ela está agora? — ele perguntou, direto.
A dor veio como um soco. — Morta.
— Como?
— Vocês mataram ela. — cuspiu, a voz carregada de ódio.
O sorriso de canto dele desapareceu. A expressão endureceu. — Cuidado com as palavras.
— É a verdade! — ela gritou, o corpo se debatendo contra as cordas. — Foram homens como você!
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, só observando a explosão dela. Depois, com calma, perguntou:
— E você? O que fez naquela noite?
Isadora gelou.
— Eu não… não fiz nada. — gaguejou.
— Não fez nada? — Ele riu baixo, mas não havia humor algum. — Então quem é a garota no vídeo?
Ela fechou os olhos com força. — Não sou eu.
— Não? — Ele se inclinou de novo, apoiando os cotovelos nos joelhos. — Todas as outras, quando eu mostrava esse vídeo, caíam de joelhos. Diziam que eram elas. Sabe por quê?
Ela não respondeu.
— Porque queriam me agradar. Queriam o privilégio de serem vistas por mim. — O tom dele era de desprezo. — Mas não faziam ideia do que estavam assumindo.
Isadora abriu os olhos, confusa, assustada.
— Você, por outro lado… — ele continuou, com voz baixa — negou com todas as forças. Não porque quer se proteger de mim. Mas porque sabe exatamente o que significa esse fogo.
Isadora respirava rápido, quase em soluços.
Ele se inclinou mais, até que o rosto ficou a poucos centímetros do dela. — Só quem viveu sabe negar desse jeito.
As lágrimas caíram sem controle. Ela virou o rosto, mas não havia como esconder.
Ele se afastou devagar, satisfeito com a reação dela.
— Me diga o que aconteceu. — ordenou.
Ela permaneceu em silêncio.
— Quem estava naquela casa? —
— Minha mãe. — sussurrou.
— Só ela?
Isadora hesitou. — Sim.
Ele estreitou os olhos. — Tem certeza?
— Sim. — repetiu, mas a voz falhou.
Ele percebeu.
— Você tinha quantos anos?
— Quinze — respondeu baixinho.
O ar pareceu mais pesado depois da confissão.
Ele respirou fundo, como se estivesse organizando as peças dentro da própria mente. — Então era você.
— Não era! — ela gritou, desesperada. — Eu não acendi nada! Eu não toquei fogo em nada!
O olhar dele a atravessava como faca. — Você estava lá.
— Eu tentei apagar! — ela chorava agora, sem conseguir conter. — Eu tentei! Mas era tarde demais…
O silêncio que veio depois foi sufocante. Ele não moveu um músculo, apenas ficou encarando.
Isadora respirava em soluços, as cordas machucando ainda mais os pulsos com a força que ela fazia para se soltar.
— Você sabe por que a gente procura essa garota? — ele perguntou, de repente.
Ela balançou a cabeça, assustada.
Ele se inclinou de novo, o olhar intenso. — Porque o fogo daquela noite não foi um acidente.
O corpo de Isadora estremeceu.
— Vocês… sabiam? — murmurou.
— Sabíamos que alguém começou. — ele respondeu, frio. — Mas nunca tivemos certeza de quem. Até agora.
Ela fechou os olhos, as lágrimas escorrendo. — Não fui eu…
— Continua negando? — ele perguntou.
— Até morrer. — respondeu, a voz trêmula, mas firme.
Ele a observou em silêncio, como se testasse os limites dela.
Depois, levantou-se devagar. A cadeira arrastou no chão com aquele som metálico insuportável. Ele começou a andar pela sala, cada passo medido, como um predador em volta da presa.
— Sabe qual é a diferença entre você e as outras? — perguntou, sem olhar para ela.
Isadora não respondeu.
Ele parou atrás dela, tão perto que ela sentiu a sombra dele. — Elas queriam ser escolhidas. Você não.
O coração dela batia forte demais.
— Isso só pode significar uma coisa. — a voz dele soou baixa, firme. — Você sabe exatamente o que aconteceu.
Ela prendeu a respiração.
Ele voltou para a frente dela e se inclinou outra vez. — E é por isso que eu não vou deixar você escapar.
Isadora sentiu a alma despencar.
— O que vai fazer comigo? — perguntou, num fio de voz.
Ele sorriu de canto, mas sem calor algum. — Vou arrancar a verdade. Seja falando… ou em silêncio.
As lágrimas desciam, mas agora o medo se misturava com raiva. — Eu nunca vou dizer nada.
— Não precisa. — ele respondeu. — Seu silêncio já me disse tudo.
Ele pegou novamente a foto da mãe dela e a colocou sobre o peito de Isadora, pressionando com a mão. — Esse rosto é a chave. E você carrega a resposta.
Isadora virou o rosto, soluçando.
Ele se afastou, guardando a foto e o tablet de volta no casaco. O olhar permanecia fixo nela, frio, decidido.
O silêncio se alongou, pesado, até que ele se levantou de vez. A cadeira foi empurrada para o lado, o som ecoando pelo espaço.
Isadora permaneceu imóvel, o peito arfando, as lágrimas molhando o colchão áspero. A mente rodava, presa entre passado e presente, entre a lembrança da mãe e a ameaça diante dela.
E então ela entendeu: não importava quantas vezes negasse. Para ele, já estava condenada.