E, do lado de fora, Dante permaneceu parado, olhando para a cidade silenciosa, os pensamentos girando incontroláveis. A confissão dela mudara algo dentro dele, mas não havia compaixão. Havia estratégia, observação, e um novo cálculo. Cada peça agora tinha importância, e cada detalhe poderia determinar quem sairia vivo desse jogo sombrio. Ele se afastou da janela, fechou o laptop e enviou uma série de mensagens criptografadas para Katsu. Precisava de mais informações. Precisava confirmar tudo que Isadora dissera. Precisava entender o passado da mãe dela, os registros da dívida, os empreendimentos bilionários da família, e cada conexão com o m******e da mansão.
— Tudo precisa ser preciso. — murmurou, os olhos fixos na tela do celular. — Nada pode ser deixado ao acaso.
O silêncio da noite era pesado, mas Dante não sentia medo ou tristeza. Sentia apenas a frieza do cálculo, a necessidade de controle e a certeza de que, enquanto não soubesse tudo, nenhuma decisão seria tomada de forma impulsiva. E a cada minuto que passava, o mundo parecia mais complexo, mais sombrio, e mais perigoso.
Ele fechou os olhos, respirando fundo. Pela primeira vez, desde que ouvira a confissão dela, reconheceu que havia peças de sua própria história que talvez ele nunca tivesse compreendido completamente. E que descobrir a verdade exigiria de ambos — ele e Isadora — a máxima precisão e vigilância.
O amanhecer entrou timidamente pela janela do quarto, projetando linhas de luz sobre o rosto pálido de Isadora. Ela ainda permanecia na cama, imóvel, os olhos fixos no teto, tentando digerir cada palavra que Dante dissera.
A sensação de vulnerabilidade era sufocante, mas, estranhamente, havia uma espécie de alívio silencioso — ele não a havia abandonado. Não completamente. Pelo menos por enquanto. O ranger da porta anunciando a entrada dele não a surpreendeu.
Já havia aprendido a antecipar os passos de Dante. Ele entrou com a bandeja de comida, mas desta vez não a pousou de imediato. Parou no meio do quarto, avaliando-a com um olhar que não deixava espaço para dúvidas ou hesitações.
— Hoje… — continuou ele, aproximando-se da mesa lateral e colocando a bandeja sobre ela — vamos continuar. Quero detalhes. Quero que me conte cada movimento, cada memória que você tem daquela noite na mansão.
Isadora engoliu em seco, sentindo novamente o peso do medo e da memória. Mas havia algo diferente desta vez. Um fio de determinação — ou talvez desespero — a impulsionava. Não havia mais esperanças de que alguém a protegeria, exceto ele, e mesmo ele poderia ser impiedoso.
— Tudo bem. — murmurou, a voz trêmula. — Eu vou… tentar lembrar.
Dante não se sentou. Ficou próximo à janela, os braços cruzados, o olhar perdido no horizonte da cidade. A frieza dele era quase tangível, mas havia algo de novo: uma atenção silenciosa, calculada, que indicava que ele acreditava nela… parcialmente. Ele foi até o corredor e voltou com um notebook aberto e algumas fotos.
— Essas são três das pessoas mais importantes que morreram na mansão aquela noite, fora seus subordinados. — Dante apontou — reconhece alguma?
A primeira foto era de um homem que aparentava ter uns quarenta e tantos anos. Ligeiramente calvo, olhos claros e uma aparência ligeiramente rechonchuda. Ela não lembrava de ter visto alguém parecido com ele.
Com um esforço silencioso, ela se inclinava para olhar as fotos.
— Não… — murmurou ela, a voz falhando. — Eu… não reconheço… — tentou escapar de qualquer sensação que pudesse traí-la, mas as lembranças apertavam o peito com força. — Talvez… talvez eu tenha visto alguém assim de relance, mas não consigo afirmar.
Dante inclinou a cabeça, um gesto sutil, quase imperceptível, como se absorvesse a hesitação dela. Ele não expressou reprovação nem encorajamento; apenas registrava, analisava.
— Tudo bem, e esse?
Dante deslizou a segunda foto pela mesa, girando-a para que Isadora pudesse ver. O rosto estampado ali parecia ganhar vida, e o quarto ficou imediatamente mais frio.
Ela não precisou de muito tempo. Os olhos se arregalaram, e o estômago se revirou com a lembrança que voltava como um soco.
O homem tinha traços levemente orientais, mas endurecidos por anos de violência. O maxilar era marcado por cicatrizes profundas, e o nariz carregava a deformidade de várias fraturas m*l cicatrizadas. A expressão era arrogante, um desprezo silencioso que se gravava no olhar.
Isadora apertou as mãos contra o colo.
— Eu… conheço esse. — murmurou, a voz embargada. — Eu o vi… com a minha mãe.
Dante não reagiu. Não piscou, não se moveu. Apenas inclinou levemente a cabeça.
— Continue.
Ela fechou os olhos, engolindo em seco. As imagens voltavam com nitidez.
— Foi na sala das câmeras. Eu tinha me escondido lá… — a respiração dela falhou por um instante. — E uma das telas mostrava minha mãe em um quarto. Um quarto pequeno, escuro, com uma cama desarrumada. Ele entrou. Esse homem.
As mãos dela tremeram, mas ela não parou.
— Ele não falava alto. Mas cada palavra dele era… como se estivesse lembrando a ela de uma dívida que nunca acabaria. E então… ele a tocou. — a garganta de Isadora apertou, e lágrimas encheram os olhos. — Não de forma carinhosa. Era como se… quisesse provar que podia. Que ela era só uma propriedade dele.
O silêncio se arrastou. O único som no quarto era o da respiração pesada dela.
— Ele sorria. — disse, por fim, num fio de voz. — Um sorriso… vazio. Como se não houvesse nada humano ali.
Dante quebrou o silêncio.
— O nome dele é Lion Tadakashi. — disse, frio, cada sílaba carregada de peso. — Filho de uma das famílias mais antigas ligadas ao tráfico de armas e ao comércio de dívidas. Aqui, ele construiu influência através do medo. A presença dele com sua mãe confirma que a dívida dela era mais profunda do que eu imaginava.
Isadora encolheu-se, abraçando os próprios braços. O nome ecoava como veneno em sua mente.
Dante não deu espaço para ela se perder no pânico. Puxou outra foto e colocou diante dela.
O rosto de outro homem surgiu. Caucasiano, cabelos loiros escuros já com grisalhos discretos, um corpo sólido, musculoso, sustentando um porte calmo e perigoso. Mas foi o detalhe no pulso que a atingiu com força: a tatuagem. Folhas de parreira de uva, formando quase uma coroa.
Isadora ofegou, levando a mão à boca.
— Eu… eu me lembro dele. — disse, sem fôlego. — Vi… na mansão.
— Onde? — a voz de Dante era baixa, mas afiada.
— Nas câmeras também. Ele estava no corredor principal. — ela tentava se manter firme, mas a voz saía trêmula. — Ele andava devagar, e todos recuavam. Ele não gritava. Não precisava. Os outros obedeciam como se cada passo dele fosse uma ordem. E a tatuagem… estava à mostra. Eu nunca esqueci.
Dante se aproximou um pouco mais, o olhar fixo, como se quisesse atravessá-la para ter certeza.
— Você tem certeza?
Isadora hesitou apenas um instante, depois assentiu.
— Absoluta.
O silêncio que veio depois foi diferente. Mais denso. Dante sustentou o olhar dela por longos segundos antes de falar.
— Esse homem… era Alaric Moretti — disse finalmente, cada palavra como um golpe seco. — Ele era meu pai.
O chão pareceu desaparecer sob os pés de Isadora. O mundo inteiro reduziu-se a essa revelação. Ela recuou, instintivamente, como se precisasse de distância.
— S-seu… pai? — murmurou, incrédula.
— Sim. — respondeu Dante, sem emoção. Olhava para a janela, não para ela. — E o fogo daquela noite o consumiu, junto com muitos outros.
As lágrimas escaparam dos olhos de Isadora. A confissão era um peso insuportável — ela havia visto aquele homem, havia testemunhado sua presença, e agora descobria que era o pai do homem que a mantinha sob vigilância.
— Então… tudo isso… — a voz dela quebrou.
Dante levantou a mão, cortando-a.
— Significa que a verdade não é simples. — disse, firme. — Você viu meu pai, assim como viu Takahashi. Isso é uma alegação de que ambos estavam na casa. O que resta é entender por quê, já que quando eles se encontravam no mesmo local, nunca era por acaso.
Ele se virou, finalmente encarando-a. O olhar dele era frio, mas algo novo se escondia ali — uma sombra de dúvida, um cálculo ainda em andamento.
— Eu acredito parcialmente no que você viu. — disse. — Mas acreditar no que viu não significa necessariamente confiar em você.