Verdades Que Doem

1683 Words
Analu Eu achava que o silêncio era o pior. Cada hora que passava sem ouvir aquela voz rouca me chamando de "princesa" era como uma facada lenta, mas constante. Eu tentava me convencer que era melhor assim. Que o medo que senti quando ele perdeu o controle, partindo pra cima do Felipe, era um sinal de que eu tinha feito a coisa certa ao dizer que acabou. Mas quem eu estava enganando? O desejo por ele ainda queimava em mim, como uma brasa que não se apagava. Eu lembrava dos toques dele — as mãos firmes na minha cintura, os dedos roçando minha pele de um jeito que me fazia arrepiar inteira — e meu corpo traía minha mente, querendo mais. Queria sentir de novo aquela eletricidade, aquele fogo que só ele acendia. Mas eu me segurava. Pelo menos, era o que eu dizia pra mim mesma. A rotina do cursinho era minha âncora. Acordava cedo, tomava café com meus pais na mesa impecável de mármore, com Clara servindo o suco de laranja com acerola que eu tanto gostava. Minha mãe falava sobre seus compromissos no spa ou em jantares beneficentes, meu pai murmurava algo sobre o mercado de construção civil enquanto lia o jornal. Eu assentia, sorria, fingia que tudo estava normal. Mas por dentro, eu estava um caos. As aulas de matemática e português passavam como um borrão, minha mente vagando pro Cayo, pro jeito que ele ria baixo quando me provocava, pro calor do corpo dele colado no meu na pista de dança. Eu me sentia culpada por ainda pensar nele, por ainda querer ele, mesmo depois de tudo. Ele me assustou, sim, com aquela raiva nos olhos, mas também me mostrou um lado vulnerável que ninguém mais via. E isso me prendia. Na quinta-feira, o dia começou como qualquer outro. Minha mãe saiu cedo pro salão de beleza, um daqueles lugares chiques na Barra onde as socialites fofocam enquanto fazem as unhas e o cabelo. Eu fui pro cursinho, tentando me concentrar na aula de biologia, mas minha cabeça estava em outro lugar. Quando voltei pra casa à tarde, algo no ar me deixou alerta. A casa estava quieta demais, o tipo de silêncio que precede uma tempestade. Clara me olhou com pena quando entrei na cozinha pra pegar um lanche. — Sua mãe tá te esperando na sala, dona Analu. — ela disse, com a voz baixa, como se soubesse o que viria. Meu coração acelerou. Entrei na sala de estar, com os sofás bege impecáveis e a vista da piscina pelo vidro enorme, e lá estava ela. Minha mãe, sentada na poltrona, com o cabelo recém-feito em ondas perfeitas, mas o rosto sério, os lábios apertados. Meu pai estava ao lado, de pé, com os braços cruzados, como se já tivesse sido chamado pra uma reunião de emergência. O ar estava pesado, carregado de algo que eu não conseguia identificar. — Ana Luísa, senta aqui — disse minha mãe, a voz controlada, mas com aquele tom que eu conhecia bem. O tom de “você me decepcionou”. Eu sentei no sofá oposto, as mãos no colo, tentando manter a calma. — O que houve, mãe? Ela respirou fundo, olhando pra mim como se estivesse me vendo pela primeira vez. — Hoje no salão, ouvi uma coisa que me deixou... preocupada. A Renata, você sabe, a mãe da Isabela, comentou que viu você numa moto. Com um rapaz. Um motoboy, ela disse. Com jaqueta de couro, tatuagens, barba por fazer. Ela achou que era brincadeira, mas descreveu você perfeitamente. O que tá acontecendo, Ana Luísa? Quem é esse homem? Meu estômago gelou. Como? Como ela descobriu? Eu fui tão cuidadosa, marcando encontros em lugares discretos, mentindo sobre saídas com as meninas. Mas o Rio é pequeno demais pra segredos, especialmente no círculo das mães das minhas amigas. A Renata devia ter me visto em algum momento, talvez na volta de algum passeio de moto com o Cayo, e agora a fofoca tinha chegado no salão. Meu rosto queimou, mas eu tentei negar. — Mãe, deve ser engano. Eu não... — Não mente pra mim! — ela interrompeu, a voz subindo, os olhos brilhando com raiva e decepção. — A Renata não mentiria sobre isso. Ela viu você, rindo, na garupa daquela moto velha, abraçada num homem que parece... parece um marginal! Você, minha filha, que eu criei com tanto cuidado, com aulas de etiqueta, balé, idiomas! Pra quê? Pra se envolver com um motoboy? Um ninguém? Meu pai, que até então estava quieto, interveio, a voz grave e autoritária. — Ana Luísa, sua mãe tá certa. Se isso for verdade, é inaceitável. Nós te demos tudo: educação, conforto, um futuro. E você joga tudo fora por um rapaz como esse? Ele não é do nosso nível. Ele é... perigoso. Motoboy? Imagina o que as pessoas vão dizer sobre a família Bernardes se souberem que nossa filha única tá se misturando com gente assim. Eu sentia as lágrimas queimando nos olhos, mas segurei. A briga era tensa, o ar da sala pesado como chumbo. Minha mãe continuou, a voz tremendo agora. — Eu te criei pra ser melhor que isso, Ana Luísa. Pra casar com alguém como o Humberto, que tem futuro, que vem de boa família. Não pra andar com um homem que provavelmente tem um passado sujo, que vive na favela, que não tem nada a oferecer além de problemas! O que você tava pensando? Ele te manipulou? Te prometeu o quê? — Mãe, não é assim! — explodi, a voz saindo mais alta do que eu pretendia. — Ele não é um marginal! Ele é... ele é real. Ele me faz sentir coisas que ninguém faz. Com o Humberto, é tudo perfeito, mas vazio. Com o Cayo... — Cayo? — meu pai repetiu, o nome soando como uma ofensa na boca dele. — É esse o nome dele? Um nome comum, de gente comum. Ana Luísa, ouça bem: se você voltar a ver esse homem, eu te expulso de casa. Você vai perder tudo: a mesada, o cursinho, a vida que te demos. Nós não admitimos nossa filha se envolvendo com um simples motoboy. Ele não é pra você. Ele vai te arrastar pro fundo do poço e querer viver as suas custas. As palavras dele foram como um tapa. Expulsar de casa? Perder tudo? Eu olhei pros meus pais, vendo a decepção nos olhos deles, a raiva misturada com medo. Eles me criaram num mundo de luxo, de aparências, onde tudo é controlado. E o Cayo era o oposto: cru, intenso, livre. Mas eles tinham razão em uma coisa — eu não sabia tudo sobre ele. O passado dele, os segredos que ele escondia. E se fosse pior do que eu imaginava? E se ele fosse perigoso de verdade? — Eu juro, acabou — murmurei, as lágrimas escorrendo agora, a voz quebrada. — Eu não vou ver ele de novo. Foi um erro. Minha mãe se aproximou, me abraçando, mas o abraço era tenso, como se ela ainda não acreditasse totalmente. — Que bom, querida. É pro teu bem. Nós te amamos, e queremos o melhor pra você. Meu pai assentiu, saindo da sala sem mais uma palavra. Eu subi pro quarto, tranquei a porta e desabei na cama. O choro veio forte, silencioso pra eles não ouvirem. Eu jurei que acabou, mas no fundo, eu sabia que era mentira. Sabia que ia quebrar essa promessa. Porque o Cayo ainda me consumia. O desejo por ele, o fogo que ele acendia em mim, não ia embora só porque meus pais mandaram. Eu queria sentir de novo as mãos dele na minha pele, o beijo que me fazia esquecer tudo. Mas agora, com a ameaça do meu pai ecoando na cabeça, eu tinha que ser cuidadosa. Peguei o celular, tremendo, e criei uma conta anônima na rede social. Anônima. Sem foto, sem posts, só uma forma de falar com ele sem ser rastreada. Meu coração batia forte enquanto digitava a primeira mensagem. 📲 Eu: Ei, você ainda pensa em mim? Enviei, sentindo um misto de medo e excitação. Ele respondeu rápido, e a conversa começou. Eu era enigmática, como se estivesse testando as águas, mas no fundo, era eu. Eu, querendo saber se ele ainda me queria, se ainda pensava em mim como eu pensava nele. 📲 Cayo: Quem é? 📲 Eu: Alguém que não consegue te esquecer. Alguém que sente falta do vento na cara e do teu sorriso torto. Ele mordeu a isca. A conversa se estendeu, longa, cheia de tensão. Eu sentia a voz dele nas respostas, a provocação, a vulnerabilidade que ele deixava escapar. 📲 Cayo: Se tu é quem eu acho que é, por que anônimo? 📲 Eu: Porque tô com medo. Medo de você, medo de mim. Mas não consigo parar de pensar naquele beijo no quiosque, na moto, no bar. Tu me bagunçou toda. 📲 Cayo: Se tu tá com medo, talvez seja melhor esquecer. Eu sou uma merda, tu sabe. 📲 Eu: Eu não quero esquecer. Eu quero entender. Por que tu perdeu o controle? Por que tu é assim? 📲 Cayo: Porque eu sou assim. Quebrado. Tu é perfeita, eu não. 📲 Eu: Ninguém é perfeito. Eu também tenho medos. Mas tu... tu me faz sentir algo que ninguém mais faz. A conversa continuou, cada mensagem me deixando mais ansiosa. Eu queria que ele soubesse que era eu, queria que ele viesse atrás, mas o medo me paralisava. O medo dos meus pais, do que eles fariam se descobrissem. O medo do passado dele, daquela moça que vi nas fotos, de tudo que eu não sabia. 📲 Eu: Tu tá bem? Pensei em você hoje. 📲 Cayo: Tô tentando. E tu? Eu respondi, mas parei aí. Meu coração tava acelerado, o corpo quente só de imaginar ele lendo minhas palavras. Eu jurei pros meus pais que acabou, mas ali, no escuro do quarto, eu sabia que ia quebrar essa promessa. Porque o Cayo ainda me perseguia. E eu ainda queria ele. Mais do que nunca.
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