Cayo
Porra, a vida tava uma montanha-russa do c*****o, e eu tava no carrinho sem freio, descendo pro abismo. Depois daquela briga no bar, depois de ver o medo nos olhos da Analu e ouvir ela dizer que acabou, eu tava me afundando.
O trabalho como motoboy era a mesma correria: desviando de carros, entregando pacote pra playboy que nem olha na tua cara, sentindo o sol torrar a nuca e o vento na cara que antes me acalmava, mas agora só me fazia lembrar dela.
Lembrar da volta na moto com ela na garupa, os braços dela na minha cintura, o riso dela misturado com o ronco da Yamaha. Eu tava puto comigo mesmo, puto por ter perdido o controle, por ter mostrado o pior de mim. Mas o pior era o silêncio. O silêncio dela, que me matava mais que qualquer grito.
Eu tentava seguir. Acordava cedo, pegava o Zyon na casa da Gabi, levava ele pra escola, trabalhava até cair, voltava pra casa, bebia uma cerveja pra tentar apagar o dia.
Mas nada apagava ela.
A Analu tava cravada na minha mente, como uma tatuagem que dói pra fazer, mas que você não quer tirar. Eu olhava pro celular toda hora, abrindo o contato dela, digitando uma mensagem de desculpa, mas apagando antes de enviar.
📲 Eu: Me desculpa, princesa. Eu sou um i****a, mas tu é tudo pra mim.
Apagava.
Porque eu não merecia ela.
Não merecia uma mina que brilhava como ela, com aqueles olhos azul-acinzentados que pareciam ver além da minha jaqueta de couro e da minha pose de malandro.
Na terça, depois de um dia daqueles que você quer chutar o balde, cheguei em casa e me joguei no colchão. O Zyon tava dormindo no sofá, porque a Gabi tinha deixado ele comigo pra eu cuidar enquanto ela trabalhava num bico noturno e no dia seguinte ia viajar pro interior de São Paulo pra cuidar da vó dela que tá doente.
Meu moleque tava crescendo rápido, com quatro anos e já querendo brincar de moto como o pai. Eu baguncei o cabelo dele, sentindo aquele calor no peito que só ele me dava. Ele era minha âncora, o que me segurava pra não afundar de vez. Mas mesmo com ele ali, a bad batia forte. Peguei o celular pra ver se tinha alguma mensagem do Léo ou do Juninho, pra marcar uma cerveja e esquecer.
Mas o que veio foi uma notificação na rede social. Um direct de uma conta anônima. Sem foto de perfil, sem posts, só uma conta vazia.
📲 Anônima: Ei, você ainda pensa em mim?
Eu pisquei, sentindo um frio na barriga. Quem era? Alguma mina do passado? Uma pegadinha? Mas algo no jeito da mensagem me fez pensar nela. Na Analu. O “ei” casual, mas com um toque de dúvida.
Eu respondi, testando.
📲 Eu: Quem é?
📲 Anônima: Alguém que não consegue te esquecer. Alguém que sente falta do vento na cara e do teu sorriso torto.
Porra. Era ela. Tinha que ser. O vento na cara? A moto. O sorriso torto? Ela sempre zoava isso. Meu coração acelerou, como se eu tivesse tomado um trago de algo forte. Eu queria responder:
📲Eu: Princesa, tu tá me matando. Volta pra mim.
Queria ligar, ir atrás dela, bater na porta da mansão dela e dizer que sem ela eu tava perdido. Mas me segurei. Me segurei porque eu não merecia. Porque eu tinha fodido tudo com minha raiva, e ela tava melhor sem mim.
📲 Eu: Se tu é quem eu acho que é, por que anônimo?
📲 Anônima: Porque tô com medo. Medo de você, medo de mim. Mas não consigo parar de pensar naquele beijo no quiosque, na sua moto, no bar. Tu me bagunçou toda.
Eu li e reli, o peito apertado. Era ela. Definitivamente. O quiosque em Angra, a moto, o bar. Mas por que anônimo? Por que não assumir? Eu sentia vontade de ir atrás, de pegar a Yamaha e correr pra Zona Sul, bater na porta dela e beijar ela até fazer ela esquecer a briga.
Mas não.
Eu me segurei.
Porque eu era o problema. Eu era o cara que perdia o controle, com mauricinho por ciúme.
Ela merecia melhor.
📲 Eu: Se tu tá com medo, talvez seja melhor esquecer. Eu sou uma merda, tu sabe.
📲 Anônima: Eu não quero esquecer. Eu quero entender. Por que tu perdeu o controle? Por que tu é assim?
Eu respirei fundo, sentindo a culpa subir. Queria contar tudo. Do passado, das brigas, das prisões idiotas por coisa de moleque, do Zyon que era minha luz, mas também minha âncora.
Mas não.
Ainda não.
📲 Eu: Porque eu sou assim. Quebrado. Tu é perfeita, eu não.
📲 Anônima: Ninguém é perfeito. Eu também tenho medos. Mas tu... tu me faz sentir algo que ninguém mais faz.
A conversa continuou, longa, como se a gente estivesse testando o terreno. Eu respondia, mas me segurava pra não pedir pra ver ela. Ela mandava mensagens enigmáticas, como se quisesse me provocar, me fazer admitir que ainda pensava nela.
📲 Anônima: Lembra da noite na moto? O mar ao lado, o vento bagunçando meu cabelo. Eu me senti livre pela primeira vez.
📲 Eu: Lembro. Lembro de tudo. Do teu riso, do teu cheiro. Tu me bagunçou também.
📲 Anônima: Então por que não vem me buscar? Por que não luta?
Porra, aquilo doeu. Eu queria. Queria tanto. Mas me segurei. Porque eu sabia que ia dar merda de novo.
📲 Eu: Porque tu merece alguém melhor que eu.
A conversa parou aí, e eu joguei o celular no canto, sentindo a raiva de mim mesmo. Ela ainda me perseguia. Nos sonhos, nas mensagens, na minha cabeça. Mas eu não ia atrás. Não ainda.
No dia seguinte, tudo piorou.
O Zyon acordou quente, com febre alta, tossindo como se o peito doesse. Eu liguei pra Gabi, mas ela tava no interior de São Paulo, cuidando da avó doente.
— Cayo, eu não posso voltar agora. A minha vó tá m*l, precisa de mim. Cuida do moleque, p***a. Seja pai de verdade pelo menos uma vez.
Eu engoli a raiva, porque ela tinha razão. Eu era o pai, mas sempre deixava ela com o peso maior.
Agora, era só eu e ele.
Levei o Zyon no postinho, peguei o remédio, voltei pra casa. Ele tava fraco, deitado no sofá, com os olhinhos vermelhos, pedindo carinho.
— Papai, me abraça.
Eu abracei, sentindo o corpinho quente contra o meu, e p***a, aquilo me quebrou. Meu moleque não merecia um pai como eu. Um pai que explode por ciúme, que briga com a mãe dele, que se afunda em cachaça quando a bad bate.
Passei o dia cuidando dele.
Dei o remédio na hora certa, fiz canja com o que tinha na geladeira, contei histórias idiotas sobre motos voadoras pra fazer ele rir. Ele dormia no meu colo, e eu olhava pra ele, pensando em como ele era inocente, como ele me via como herói, mas eu era só um fracasso.
A Gabi tava certa.
Eu era um fracassado.
Mas olhando pro Zyon, sentindo o peito dele subir e descer, eu refleti. Pela primeira vez, de verdade. Se eu quisesse ser digno de quem eu amo — do Zyon, da Analu, de mim mesmo —, eu precisava mudar. Parar de explodir, parar de me destruir.
Ser melhor.
Não por ela, não por ninguém.
Por mim.
Por ele.
A febre dele baixou à noite, e ele dormiu tranquilo. Eu sentei no chão, encostado no sofá, e peguei o celular. Mais uma mensagem da anônima.
📲 Anônima: Tu tá bem? Pensei em você hoje.
Eu sorri, amargo. Ela ainda me perseguia. Mas dessa vez, eu respondi.
📲 Eu: Tô tentando seguir. E tu?
A conversa continuou, mas eu me segurei. Não pedi pra ver ela. Ainda não. Eu precisava ser melhor primeiro. Porque, p***a, se eu quisesse ela de volta, eu tinha que merecer. E pro Zyon, eu tinha que ser o pai que ele merece. A vida tava dura, mas pela primeira vez, eu sentia que podia mudar.
Pelo moleque.
Por ela.
Por mim.