Analu
Eu tava tentando seguir em frente.
Tentando de verdade.
Mas, meu Deus, como era difícil.
O Cayo tava em cada canto da minha cabeça, como uma sombra que eu não conseguia apagar. A escola, que sempre foi meu refúgio, agora parecia um campo minado. Cada esquina, cada conversa, cada momento de silêncio trazia ele de volta.
O cheiro de gasolina, o calor das mãos dele na minha cintura, o jeito que ele me chamava de “princesa” com aquele sorriso torto. Eu tava tentando focar nos livros, nas aulas, na vida certinha que meus pais esperavam de mim. Mas tudo parecia vazio, como se eu tivesse esquecido como viver sem ele.
Na quarta-feira, depois de uma aula de literatura que eu m*l prestei atenção, resolvi almoçar com as meninas num barzinho perto da escola. Era um lugar simples, com mesas de madeira e um som ambiente que misturava MPB com rock. A Mari tava falando sobre uma festa no fim de semana, a Bia tava tirando selfies, e a Lú tava contando, toda empolgada, sobre o último encontro com o Vitinho. Eu sorria, fingindo que tava no clima, mas meu coração tava em outro lugar.
Com ele.
E então, a música começou. Uma guitarra pesada, uma voz rouca, uma letra sobre liberdade e rebeldia. A mesma música que tocava no show de rock, quando eu dancei com o Cayo, os corpos colados, as mãos dele na minha cintura, o mundo inteiro sumindo ao nosso redor.
Meu estômago virou um nó, e eu senti um aperto no peito, como se alguém tivesse arrancado o ar dos meus pulmões. Fechei os olhos por um segundo, tentando respirar, mas tudo que eu via era ele. O jeito que ele cantava errado, rindo, me girando na pista como se eu fosse a única pessoa no bar. O jeito que ele me olhou, com desejo e algo mais, algo que parecia tão real.
— Analu, tá tudo bem? — perguntou a Lú, me cutucando com o cotovelo. — Você tá com cara de quem vai chorar.
Eu forcei um sorriso, balançando a cabeça.
— Tô de boa, Lú. Só... a música, sabe? Me lembrou uma coisa.
A Mari ergueu uma sobrancelha, com aquele olhar de quem sabe de tudo.
— Uma coisa ou um cara? Tipo, um certo motoqueiro?
— Para com isso, Mari — retruquei, o tom mais seco do que eu pretendia. — Não é nada disso.
Mas era.
Era exatamente isso.
Eu tava destruída por dentro, e a música só piorava tudo. O amor que eu sentia por ele não era passageiro, como eu queria acreditar. Não era só uma aventura, uma curiosidade pelo cara perigoso de outro mundo.
Era real.
E isso me aterrorizava. Porque, apesar de tudo — da briga, da raiva dele, do medo que eu senti — eu ainda queria ele. Queria o calor dos beijos dele, o toque que queimava, o jeito que ele me fazia sentir viva.
Voltei pra casa à tarde, com a cabeça girando, e me tranquei no quarto. Peguei o celular, quase por instinto, e abri a rede social e pesquisei por ele.
Eu não deveria.
Sabia que não deveria.
Mas era mais forte do que eu.
Encontrei fácil, ele não postava muito, mas o que tinha ali era puro Cayo: fotos da Yamaha vermelha, um vídeo dele "dançando" rock em uma roda onde todos se empurravam , uma selfie dele com os amigos no morro, rindo, com uma cerveja na mão. Eu sorri, sentindo o peito apertar. Ele parecia tão... real. Tão diferente do mundo plastificado que eu vivia.
Mas então, eu vi. Uma moça. Linda, branca, cabelo preto comprido, curvas que pareciam desenhadas. Ela curtia tudo que ele postava. Tudo.
Comentava com emojis de coração, de fogo, de risada.
"Mano, tu é f**a”, dizia um comentário.
“Saudade, Cayo”, dizia outro.
Meu coração parou.
Quem era ela? Uma ex? Uma amiga? Uma... namorada? A ideia me acertou como um soco. E se ele tem namorada? O que eu sei sobre ele? As perguntas começaram a girar na minha cabeça, como um redemoinho que eu não conseguia parar.
Eu não sabia quase nada sobre o Cayo. Sabia que ele era motoboy, que cresceu no morro, que tinha uma vida dura. Sabia que ele tinha um passado que ele escondia, um peso nos olhos que aparecia às vezes, como se carregasse algo que não queria dividir. E se fosse pior do que eu imaginava? E se ele fosse mais perigoso do que eu pensava? E se aquela moça fosse a dona do coração dele, e eu fosse só... uma aventura?
O ciúme queimava, quente e feio, como se alguém tivesse jogado álcool numa ferida. Eu imaginava ele com ela, rindo, beijando, tocando. O jeito que ele me tocava, com aquelas mãos firmes que pareciam saber exatamente o que fazer. Eu joguei o celular na cama, como se ele fosse o culpado, e enterrei o rosto nas mãos. Eu tava com ciúmes de uma garota que eu nem conhecia. Tava com ciúmes de um cara que eu mesma terminei.
Que merda, Analu.
Eu queria falar com ele.
Queria mandar uma mensagem, perguntar quem era aquela moça, dizer que tava com saudade, que tava confusa, que ele me assustou, mas que eu não conseguia parar de pensar nele.
Mas não tinha coragem.
Não depois da briga, não depois de ver a raiva nos olhos dele, não depois de dizer que acabou. E se ele tivesse seguido em frente? E se aquela moça fosse a pessoa certa pra ele, alguém do mundo dele, que entendia a vida dele de um jeito que eu nunca vou entender?
Passei o resto do dia tentando estudar, mas os livros pareciam escritos em outra língua. A música do barzinho ainda ecoava na minha cabeça, misturada com as lembranças dele. O jeito que ele me puxou na pista, o calor do corpo dele contra o meu, o jeito que ele sussurrou “tô te ganhando, princesa” com aquela voz rouca. Eu sentia ele na minha pele, mesmo estando tão longe. E isso me matava.
À noite, meu pai bateu na porta do quarto, com aquele olhar sério que sempre me fazia tremer.
— Ana Luísa, sua mãe tá preocupada. Você tá muito quieta. Tem certeza que tá tudo bem?
— Tô bem, pai — menti, forçando um sorriso. — Só... estudando bastante. Final de semestre, sabe?
Ele não parecia convencido, mas não insistiu. Quando ele saiu, eu desabei na cama, as lágrimas escorrendo sem que eu pudesse controlar. Eu tava apaixonada. Apaixonada de verdade. E não era só o desejo, o fogo, a adrenalina. Era algo mais profundo, algo que me fazia querer conhecer ele, o Cayo de verdade, com todas as cicatrizes e segredos. Mas o medo tava lá, me segurando. Medo dos meus pais, medo do passado dele, medo de que aquela moça fosse mais real do que eu. E, acima de tudo, medo de que esse amor, tão forte, tão errado, fosse me destruir.