CAPÍTULO 3

1727 Words
MAIA SOLIS Minha vida anda uma confusão. Quando eu digo isso, significa que meu ex-namorado me traiu, a floricultura mantida por minha tia e eu está falindo e que em breve seremos despejadas. Simples assim. Ah! Quase perdi meu emprego como garçonete em um bar de beira de estrada, um bico que eu faço a noite para ajudar nas despesas. Um homem passou a mão em mim, joguei uma caneca de cerveja nele e fui descontada. Qual a dificuldade de entenderem que o errado da história foi o cliente eu não sei, mas sabe aquele mínimo de dignidade que mantém todo desesperado de pé? Eu mantive, presenteando o cidadão com um banho de álcool e um imenso desejo de riscar o fósforo. Mas sigo completamente dedicada a manter nós duas com o mínimo de dignidade, o que supõe um esforço absurdo. Agora estou aqui fazendo arranjos que eu não sei se serão vendidos, vendendo o almoço para comprar a janta e garantindo que minha tia terá uma vida feliz. Ela me criou desde que me lembro e não é justo passar tanta dificuldade assim. Sinto que falhei com ela, quando optei em investir na floricultura ao invés de ingressar em uma faculdade. Eu poderia trabalhar em uma empresa agora e ter qualquer emprego tradicional que pagasse as contas. Mas não, quis sonhar e o preço foi alto. A sineta da loja soa e encaro uma mulher loira e elegante, com ares de arrogância encarando meus bebês gritando por socorro e implorando para não serem vendidas para quem não sabe cuidar delas. Minha pobre samambaia respira de alívio, pois sabe que não será escolhida. — Bem vinda. — Digo. — Em que posso ajudar? — Plantas, é claro. — Esnobe, não disse? Meu radar nunca falha. — Algo que demonstre dedicação. Quero que ele olhe e se lembre de mim todas as vezes. Uma planta que lembre a loira? A samambaia, definitivamente. Chama a atenção e quase ninguém gosta. — Sugiro a hoya kerry. — Aponto e encaro a cara feia da moça. — É um cacto. — Diz com desdém. — Sim. É forte, sobrevive a escassez e a dureza dos dias, mas se mantém sempre vivaz em seu formato de coração. — É sem graça. Meu Deus, tem certeza que você sabe o que está fazendo? — Que tal uma orquídea? — Digo o básico e ela olha maravilhada para a flor que provavelmente irá morrer em poucos dias. Não é uma planta para qualquer um. Deve ser amada em seus cuidados. Normalmente termina afogada por água. — Vermelha! Impossível não se lembrar de mim. — Diz satisfeita, encarando-se no reflexo do espelho atrás de mim. — Vou arrumar o vaso e já trago. — Não menciono entrega, pois tivemos que dispensar o entregador. —  É para entrega. Vocês entregam não é? Ah, sorte, quando vai sorrir para mim? — Estamos sem entregador no momento, mas...— Analiso minha chances. Não posso perder uma venda. — Entregamos sim. — Ótimo! Tem que ser as 15h da tarde. Nem antes, nem depois. — Em nome de quem? — Para Damon Fox. No remetente coloque apenas "Do seu amor". — Não deseja escrever o cartão? — Digo, fingindo ignorar o fato de que as flores são para o cara que toda semana aparece em destaque nas revistas. — Não precisa, o que vale é a intenção. Pretendo que ele entenda o remetente de uma forma bem diferente. — Diz maliciosa. Casal perfeito, eu diria. Damon Fox é o tipo de homem mulherengo que ama alguma espécie de orgia semanal e fonte inesgotável de notícias para os jornais de fofoca. Os paparazzi sempre sabem até mesmo o que ele comeu no café da manhã. Que vida terrível. Não que a minha seja diferente, já que os credores também adoram avaliar meus movimentos. A loira acha que vale a intenção. Discordo. Daniel, meu ex, tinha a vida transbordando de boas intenções. Não tinha tempo para vir a minha casa, conhecer minha tia ou pelo menos me levar ao cinema, pois dizia que trabalhava muito para me garantir um futuro. Pois sim, o futuro chifre e a enorme galhada. Suas intenções eram nobres, mas suas ações me destruíram. Ele era a única coisa concreta que eu tinha no futuro e agora não existe mais. Eu deveria ter deixado meus sonhos com as flores e aceitado algo mais concreto. Eu deveria ter visto os sinais de que Daniel esmagaria meu coração e me deixaria ferida desde o início.  Sinto-me uma i****a ao não perceber que não é normal não ser apresentada à família do namorado ou visitar sua mãe no hospital após anos de relacionamento. Sim, deveria ter sido inteligente o bastante para entender que estava sendo enrolada e que Daniel apenas passava o tempo comigo. O cretino estava noivo e nunca vou esquecer quando encontrei uma fotografia sua ao lado da noiva em uma rede social. Ele não gostava de usar e alegava não gostar da exposição, mas estava ao lado de uma jovem herdeira e ter sua imagem veiculada foi inevitável.  Chorei por três semanas e foi uma merda.  Não posso sonhar muito além ou fazer planos a longo prazo. Por diversas boas intenções equivocadas, o mais longe que meu futuro chega é o jantar.  Eu, burra que sou, peguei um empréstimo para Daniel começar seu negócio. Pois é, sem namorado e com todas as suas dívidas. Cinquenta mil que limpam nossas contas todo mês em parcelas eternas. Não, loira, não vale a intenção. Mas, acho que Damon Fox pouco liga, já que provavelmente não desvendará o remetente. Com toda a pompa que entrou, ela saiu. E eu encaro o relógio desesperada, pois minha tia resolveu demorar em sua consulta hoje e eu preciso chegar às 15h no endereço. Pego meu velho celular e ligo para ela, torcendo para Dona Lúcia atender de uma vez. — Tia, você já está chegando? — Oi, boa tarde, estou bem minha sobrinha. — Desculpa. — Que desespero é esse? — Uma entrega e a cliente pediu um horário específico. — Feche a loja e vá fazer. Vou demorar um pouco, pois peguei a senha vinte e cinco no consultório. Agregando minha vida super resolvida, minha tia está doente. Bem, eu espero que não, mas todos os sinais indicam que sim, apenas não sabemos o diagnóstico. O sistema de saúde é bom, porém pago e não temos dinheiro.  O máximo que conseguimos no início foi uma consulta gratuita em um evento de caridade da igreja. Mas eles não tem os equipamentos necessários para diagnósticos mais elaborados, então estamos na fase de lutar em uma consulta a preço popular.  — Tudo bem. — Digo desanimada. Depender de consultas populares destrói nosso psicológico. — Serei rápida. Tome seu tempo. — Querida, vai dar tudo certo. As mulheres Solis são sobreviventes. Agora vai. Amo você, minha querida. Desligo e encaro minha luva de jardinagem. Sempre quando me sinto absolutamente derrotada, me reencontro na terra, me comunicando com minhas resilientes plantas. Meu mundo é verde e isso me acalma. Mais uma vez a sineta da loja toca e me levanto, sacudindo a terra no avental e limpando as mãos para o atendimento. O segundo do dia. Sorrio ao ver minha cliente mais querida chegar com seu sorriso acolhedor.  — Dona Sophia! — Olá, minha querida. Sua tia está? — Não, ela foi ao médico.  — Ela ainda sente dores? — Surpreendo-me por ela saber da condição de saúde de Tia Lúcia.  — Sim, mas… — Ela não se sentiu bem da última vez que nos vimos. — Quando foi? — No sábado. — Suspiro em frustração, pois eu estava trabalhando. Minha tia foi à igreja s, acho que para a caridade.  Dona Sophia é provavelmente a única mulher rica de toda Los Angeles que se reúne com imigrantes para fazer o bem aqui no Sul da cidade. — Ela não te disse, não é? — Não vou dizer que estou surpresa, já que ela ama ver a vida por uma lente diferente da minha. Mas o que a traz aqui? — Flores! O escritório do meu neto anda muito sem graça e precisa de algo mais natural. O que indica? — Uma planta suculenta seria o melhor se ele não tem o hábito de cuidar. — Digo, mostrando-lhe as opções, sem esconder meu amor por essas plantas. O que eu disse a loira aguada é real: são fortes, resilientes, com espinhos e as flores mais bonitas. Sempre surpreendem. — Oh! Essa tem formato de coração. — Diz, sorrindo.  — Cacto-coração. Bem, esse é o nome, mas ela não é exatamente um cacto. Não sei se é o ideal para um escritório, pois é preciso colocá-la pendente. Se ele tiver uma prateleira, ficará lindo.  — Bem, com certeza alguém terá que cuidar.  Vocês entregam?  — Ultimamente não, pois estamos sem o entregador. — com ela posso ser honesta. — Mas vou sair em alguns minutos para uma entrega e posso levar a do seu neto.  — Perfeito!  — Qual o endereço? — Anoto tudo e só ao final é que compreendo a coincidência.  — Seu neto é Damon Fox? — Pergunto, agora percebendo que jamais soube o sobrenome de dona Sophia e muito menos a vi ao lado de sua família nas colunas sociais. Sou discreta e engulo minha curiosidade.  — Como sabe? — Minha outra entrega. — Aponto para as orquídeas. — É para ele. — Quem? — diz indignada.  — Uma moça loira, cujo remetente é “o amor da sua vida”.  — Claro que é. — Diz irônica, mas decido não bancar a curiosa. — Vamos fazer assim. As orquídeas, me dê.  — Como? Não posso falhar com uma entrega e… — Tsc! Não vai. Eu sei quem mandou e acredite, suas flores nesse caso não farão meu neto feliz. Leve o cacto e diga a ele que são para lembrá-lo que o escritório dele precisa de um pouco mais de cor.  — Mas… — Sem “mas”. Diga a sua tia que eu a vejo depois. Nos vemos por aí querida!  Decidida. Sophia Fox é decidida e eu não entendi nada, mas como ela pagou, eu obedeço, sem saber que estaria fazendo a curva que irá virar minha vida de ponta cabeça. De novo. E dessa vez, de forma irrevogável.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD