Urso narrando
Não sou um cara simpático, e com os anos isso só foi piorando…
Eu não sou uma pessoa boa. Apenas duas pessoas no mundo tem o melhor de mim. Minha filha e minha mãe. Ninguém mais. Quando eu tive um interesse por alguém, que eu ofereci tudo do bom e do melhor, a única coisa que eu não ofereci foi meu coração, meu amor, e mesmo assim ela conquistou, ela se fez querida, se fez presente, nós vivemos muitas coisas maravilhosas, eu fui me apaixonando, me entregando pra ela, e no final tudo não pareceu passar de um jogo onde eu e nossa família foi descartável pra ela.
No dia que minha filha nasceu, eu fiquei apavorado, eu nunca senti tanto medo quanto naquele dia, foi terrível, foi simplesmente devastador. Eu nunca senti tanto pânico mesmo quanto, quando descobrimos que ela tem uma cardiopatia congênita, que precisaria fazer uma cirurgia às pressas, tão pequena.
Sophia, não foi planejada. Mas desde o momento que eu soube que a mãe dela estava grávida eu assumi.
Na época nós namorávamos, eu não a amava quando começamos. Mas me vi apaixonado com o tempo, eu gostava do que tínhamos, gostava de me aventurar com ela. Gostava da nossa química, de como nos entendíamos, e foi virando um relacionamento. Eu fui muito correto com ela, e ela sabia disso, eu nunca dei vacilo com ela, desde o momento em que assumi a parada com ela, eu fechei nos dois.
Mas desde o dia que ela chegou em mim e falou que teríamos um bebê, eu me vi renascer ali, eu não esperava que desse a barriga da mãe dela, a Sophia já me mudaria tanto, não deixei faltar nada pra minha mulher, mimava ela pra c*****o, mexi na casa toda pra nós dois. Fiquei feliz pra c*****o. Eu estava realizado sempre foi meu sonho ser pai. E eu tinha além disso, ou pensava ter…
Com 5 dias da Sophia operada, ainda estavamos com a nossa filha internada, em análise, eu tinha vindo pro morro porque estavam tentando pacificar, fiquei dois dias direto aqui. Foi o maior período que fiquei longe da Sophia, e eu estava em contato com ela o tempo inteiro, ate porque ela havia acabado de parir, a nossa filha naquela situação, não estava fácil pra ninguém, eu estava muito preocupado, tenso, com medo de toda a situação, e ainda lidando com o inferno aqui dentro da favela.
Até que ela sumiu, e eu surtei, surtei mesmo, saí às pressas do morro, mesmo com a polícia ainda aqui, mas eu fiquei em pânico achando que havia acontecido algo com a minha filha. Porque haviam me ligado do hospital, pedindo para um responsável comparecer, e eu não entendi na hora, a minha cabeça deu um nó. Mas quando cheguei lá…
Ela havia desaparecido.
Ela abandonou a minha filha sozinha, após uma cirurgia, enquanto eu me matava pra garantir o meu morro, o nosso lar, nosso sustento.
Eu liguei, mandei mensagem, eu fiquei revoltado. Fiquei louco, e sabe o que eu achei ?
Enrolado na manta da Sophia, um bilhete….
“Não vou conseguir criar essa menina doente. Eu sou cheia de vida, tenho muito o que viver, gente pra conhecer, oportunidades…
Eu não quero cuidar dessa doente. Não me procure, você não vai me achar, e mesmo que ache, nunca me faria mudar de ideia. Acabou. Boa sorte com essa menina.”
Eu fiquei ainda mais revoltado com aquilo, e nesse dia eu decretei que eu seria o melhor pela Sophia, eu seria um pai f**a, e tudo o que ela precisasse, eu estaria lá.
Lógico que sozinho eu não daria conta, então eu precisei e preciso da minha mãe.
Esses 4 anos foram desafiadores demais, quando bebê, a Sophia, também sofria com refluxo, eu não dormia, eu não conseguia ficar tranquilo nunca. Todo dia era uma situação, um médico, uma corrida pra emergência, e eu estava lá, eu e minha mãe, firmes por ela.
Eu tenho uma proteção por ela que eu confesso as vezes ser fora do comum. Eu tenho muito medo de que aconteça qualquer coisa com a minha filha. Até minha mãe me julga porque eu nunca acho que as profissionais são capacitadas o suficiente para cuidar da Sophia…
O que acaba sendo uma tortura pra minha mãe também, mas não adianta, se eu vejo uma coisinha errada, eu já mando embora, se eu vejo que minha filha não está desenvolvendo, eu mando embora, se falta um dia, eu já mando embora. Se eu contrato um serviço eu quero responsabilidade, prioridade, e da minha filha que estamos falando.
Eu não falo, mas eu sofri pra c*****o, imagina eu, com 25 anos, dono de morro, cheio de responsabilidade nas costas, vendo a minha vida virar assim, do nada, sem explicação.
A doença da minha filha, ter que criar ela, dar atenção, porque eu sou presente pra c*****o na vida dela, ir em médicos, fono, tudo, e fora que eu vi a minha paixão sumir… abandonar a nossa família que conversávamos e fazíamos planos todas as noites deitados na cama. No nosso quarto cheio de roupas dela, cheio de coisas, o quarto da nossa filha que pintamos junto… foi f**a ver essa p***a toda, namoral mesmo… foi como se eu tivesse me afogando e tivesse que puxar o ar pra subir a margem de volta… e eu subi!
Hoje eu sou um cara f**a, respeitado, renomado, conceituado, meu morro é forte pra c*****o, infelizmente muito invejado, mas aqui eu escondo muito bandido grande, que precisa de acolhida porque precisa abaixar a poeira na imagem, tudo isso é cobrado, tudo aqui tem um preço, e eu penso muito bem antes de tomar qualquer atitude porque eu penso na Sophia no meio dessa favela, antes de qualquer parada. A segurança dela e da minha velha são prioridades
— coe cadê a fisioterapeuta??— eu pergunto a minha mãe assim que chego em casa
— faltou de novo, estava com dor nos pés dessa vez, olha, sinceramente, esse povo não quer trabalhar de jeito nenhum, eu já não sei mais o que fazer — ela fala frustrada e faz alguns exercícios com a Sophia
— e aquela empresa lá que tu falou ? Contrata por lá pô, aumenta o valor, sei lá… porque assim não dá mãe — eu falo bolado pegando a minha filha que já mete a mão nas minhas correntes
— vou ligar agora pro home care, pra eles indicarem alguém o mais rápido possível — ela fala se levantando do tapete do quarto da Sophia e sai falando no celular
Eu fico ali brincando com a minha neném e me lembro daquela mulher…
Porra ela é toda séria, toda firme, olhar dela e de atravessar a alma…
A forma como ela chegou na pensão, ela no maior carro bonitão po, golf gti, todo moderno, não era pouca merda não, branco, chama atenção pra c*****o, assim como ela…
Ela tratando aquilo como uma conquista e dava pra ver o seu esforço, o seu brilho quando a mãe dela a abraçou…
Eu manjei o carro todo, até cano esportivo tinha po, carro lindo mesmo…
Meu sonho é que ela desse alguma brecha pra mim né… mas essa foi a primeira vez que ela me encarou mesmo, porque de resto ela só passava, nem ligava pra mim, dava maior agonia essa parada
Geral mexe com ela, fica falando do seu peso, do seu corpo, mas eu observo que todos seguem ela, curte foto e os c*****o… esses valor são tudo uns p*u no cu po, vontade de quebrar os celulares deles tudinho pra parar de olhar pra ela
Que sorriso… fico com a cena dela sorrindo na mente, assim que ela saiu do carro e p***a… essa mulher mexe com a minha mente
Toda vez que ela passar por mim o coração da aquela acelerada…
Eu sei que sou cachorro solto, mas se tem uma que me faz tremer na base é aquela ali.. c*****o…
— conseguiu mãe ?— eu pergunto balançando a cabeça tentando tirar ela da mente
Porque não adianta, ela não dá mole, ela não sorri pra mim diretamente, nunca falou comigo diretamente, fica f**a de chegar assim pô
Nos bailes eu falto surtar quando ela aparece… rebolado lindo, me deixa maluco, e ela fechadona, cheia de marra, toda segura, sem ligar pra piadinha sobre nada, c*****o…
— consegui, o garoto, tô falando contigo — a minha mãe estala o dedo na minha frente
— ah, e aí ?— eu volto a atenção a ela
— eles vão me mandar algumas fichas, e amanhã cedo já teremos alguém aqui — ela fala e eu faço o mesmo discurso de sempre
Cuidado, atenção, não sair de perto, analisar tudo, gravar pra eu ver, caso eu tenha que estar fora pra resolver alguma parada do morro. Eu tenho várias recomendações sobre a Sophia pô, e se não cumpre eu fico logo maluco
Fiquei ali com ela, resolvi as parada pelo celular, e a p**a que eu estava na hora do almoço já estava perturbando, minha viaja, crescendo pra trabalhador, pra mim não se cresce, se não fica logo surda, toma logo um na orelha pra ficar esperta
Novamente aquela mulher invade minha mente, com a forma como ela levantou pra defende a sua mãe, ela cravando os olhos na minha mesa, seu cheiro, p***a, eu vou ficar maluco jaja nessa p***a
Sophia pegou no sono e eu vazei de casa, só avisei minha mãe e sumi, eu precisava aliviar com alguém ou ia dar com a cabeça na parede que essa p***a não para de invadir a minha mente