03: A Verdade Dolorida.

1902 Words
ISABELLA ROTH .... A luz do dia entrou pela janela, iluminando o pequeno apartamento e me arrancando de um sono inquieto. Meu corpo estava mole, cada movimento parecia um esforço descomunal. Espirrei pela terceira vez antes de conseguir sentar no sofá onde tinha dormido. O resfriado que comecei a sentir ontem à noite parecia ter se instalado de vez. Tudo isso por causa daquele maldito urso. Jared, com seu jeito mimado e insistente, tinha me feito sair debaixo de uma chuva torrencial para buscá-lo. E Renato, como sempre, agiu como um troglodita quando me deixou na rua, completamente encharcada, porque não queria que eu molhasse os bancos do carro. O pior de tudo era que ele não havia me ligado, nem respondido minhas mensagens desde ontem. Não que eu estivesse acostumada a muita consideração, mas ele sempre tinha o celular por perto, principalmente por causa do trabalho. Algo estava errado. Com o corpo pesado e a cabeça girando, peguei o celular da mesa de centro e tentei ligar novamente. Nada. A chamada foi direto para a caixa postal. Suspirei, tentando ignorar a ansiedade que crescia no peito. Resolvi ligar para o escritório. Talvez ele estivesse apenas ocupado. O telefone chamou algumas vezes antes de uma voz educada atender. — Escritório do Renato Automotivas, bom dia, aqui é a secretária. Em que posso ajudar? Me endireitei no sofá, ignorando a moleza no corpo. — Oi, aqui é Isabella. Ele já chegou? Houve uma pausa. — Na verdade, ele não chegou ainda. Não tivemos notícias dele hoje. Minha respiração ficou pesada, e o m*l-estar pareceu aumentar. Renato nunca se atrasava para o trabalho. Ele era pontual, quase metódico. — Entendi... Obrigada. Desliguei antes que minha voz entregasse o que eu estava sentindo. Algo não fazia sentido. Ele não estava no trabalho. Não estava atendendo o celular. Uma inquietação começou a crescer dentro de mim, como um alarme que eu não podia ignorar. Mesmo doente e com a cabeça pesada, me levantei e comecei a me arrumar. Não ia trabalhar hoje, mas não conseguiria ficar em paz sem saber o que estava acontecendo. Peguei as chaves e, em pouco tempo, estava na casa dele. O céu estava claro, sem sinais da tempestade de ontem, mas eu sentia uma nuvem pesada pairando sobre mim. Assim que entrei na casa, usando minha cópia da chave, fui recebida por uma cena que me deixou paralisada: Malas estavam largadas no meio da sala. Meu coração acelerou, e um suor frio escorreu pelas minhas costas. "O que está acontecendo?" pensei, olhando ao redor. Antes que pudesse processar, ouvi passos e vozes. Jared apareceu no corredor e, atrás dele, uma mulher que eu conhecia bem. Débora. A ex-esposa dele. A mãe de Jared. — Eu quero sorvete! — Jared gritou, correndo até ela. Débora estava ali, em carne e osso, com Jared ao seu lado, olhando para mim como se eu fosse uma intrusa. Ela cruzou os braços, o olhar carregado de superioridade. — Isso são modos de vir trabalhar? Sua voz soou afiada, me analisando da cabeça aos pés. Minha cabeça girava. As palavras m*l faziam sentido. "Trabalhar?" Era isso que ela pensava? Que eu estava ali como empregada? Débora deu um passo à frente, os olhos cheios de desprezo. — E então, Isabella? Alguma coisa para dizer? Ou o gato comeu sua língua? Meu peito apertou. Minha voz falhou. — O quê... o que está acontecendo aqui? Ela sorriu. Frio. Cheio de triunfo. — Ele não te contou, não é? Eu senti meu estômago revirar. — Eu nunca fui embora. Débora falou com um tom de zombaria, como se estivesse contando a maior piada do mundo. Ela deu de ombros. — E você? Você realmente acreditou nessa história patética? Que eu tinha abandonado tudo? As palavras dela me atingiram como um soco no estômago. Eu engoli seco, tentando juntar as peças. — Não pode ser... Balbuciei, quase sem ar. Débora riu. — Se não acredita em mim, ligue para ele. Vamos ver até onde vai a cara de p*u dele. Ela gesticulou com indiferença. — Ele acabou de sair daqui. Minhas mãos trêmulas pegaram o celular. Disquei o número dele. Mais uma vez, ele não atendeu. O silêncio do outro lado da linha foi ensurdecedor. Débora deu uma risada seca, balançando a cabeça. — Que patético. Você realmente achou que ele ia largar tudo por você? Meu coração se despedaçava. Cada palavra dela me cortava por dentro. — Ah não, você se apaixonou? Tadinha. Ela se aproximou, seu tom se tornando mais cortante. — Você não é nada, Isabella. — Uma distração, talvez. — Uma fase. Minha garganta apertou, e eu quis responder. Mas as palavras dela continuaram, implacáveis. — E não ache que vai sair disso ilesa. Ela ergueu uma sobrancelha. — Eu sei do caso de vocês. Meu sangue gelou. — E você? Quem vai acreditar em você? Débora sorriu, venenosa. — Uma simples babá que seduziu o chefe? Ela inclinou a cabeça, como se saboreasse cada palavra. — Isso é o que todos vão pensar. Senti o chão desaparecer sob meus pés. — Você não vai conseguir trabalho em lugar nenhum, querida. Ela soltou uma risada seca. — Não depois disso. Então, apontou para a porta. — Agora, saia da minha casa. Sem forças para argumentar, com o coração partido e o rosto queimando de humilhação, me virei e saí. Cada passo parecia um martelo batendo contra meu peito. Do lado de fora, o sol brilhava. Mas para mim, tudo estava escuro. Eu amava Renato. Estávamos há quase um ano juntos. Eu nem mesmo trabalhava mais para ele. Nada fazia sentido. E, naquele momento, percebi... Nada disso importava. Não importava onde Débora estava. O silêncio de Renato entregava a verdade escondida. .... Eu precisava falar com alguém. A dor de ter sido tão i****a, de ter me entregado a alguém como Renato, estava me consumindo de uma forma que eu não sabia como lidar. O peso no meu peito não era só o vazio da traição, mas a vergonha, a humilhação de saber que todos, até Carla, tinham me avisado. Com as mãos trêmulas, procurei o número dela no celular. Ela sempre foi minha amiga, sempre me alertou sobre o que estava acontecendo, mas eu estava cega demais para ouvir. Agora, não restava mais ninguém. O telefone tocou algumas vezes antes de Carla atender. — Meu Deus, Bella, até que enfim! A voz dela soava preocupada, mas eu sabia que, no fundo, ela estava esperando por isso. Respirei fundo, tentando controlar o nó na garganta. — Carla... Eu... Eu fui enganada. Minha voz falhou, e o choro que eu tinha tentado segurar veio à tona. Ela suspirou do outro lado da linha, e eu pude ouvir o peso da preocupação em sua respiração. — Foi o Renato, não foi? — Ela perguntou, e antes que eu pudesse responder, completou: — Eu te avisei, Isabella! Ela falou com uma calma que, de alguma forma, me deu um pouco de consolo, apesar do “eu te avisei”. — Eu sei, eu sei... Eu... Não sabia o que mais dizer. As palavras pareciam pequenas diante do que eu sentia. — Ele mentiu pra mim o tempo inteiro. Minha voz tremia, sufocada pela decepção. — E agora... Agora estou arruinada, Carla. Não sei o que fazer. A Débora... Ela não vai me deixar em paz. Eu sei disso. Vai me perseguir até o fim. Eu podia sentir a raiva e a tristeza na minha voz. Carla ficou em silêncio por um momento. Eu sabia que ela estava absorvendo tudo, ouvindo atentamente, e isso foi o que mais precisei naquele momento. Ela nunca me julgaria. — Ela nunca foi embora realmente, foi tudo mentira e eu, como uma i****a, acreditei. — Vai ficar tudo bem. — Carla falou com firmeza. — Você vai superar isso, eu prometo. Eu sei que você está destruída agora, mas você não vai deixar que essa mulher vença. Ela respirou fundo antes de continuar: — Você é forte, Isabella. Eu sempre soube disso. Engoli em seco, sem saber se acreditava nas palavras dela. A dor era tão grande que parecia impossível imaginar que um dia eu iria me sentir bem novamente. — Como você consegue ser tão calma? Perguntei, a voz embargada, quase desesperada. — Eu estou... Eu estou destruída, Carla. Minha respiração falhou. — Como eu deixei isso acontecer? Como eu fui tão cega? — Não foi você, amiga. Ela falou suavemente, como quem abraça com palavras. — Ele te enganou. Você confiou nele, e isso não é culpa sua. A culpa é dele. Não de você. Fechei os olhos, sentindo uma mistura de raiva e alívio. Raiva por ter sido enganada e alívio por finalmente ter alguém ao meu lado. — E eu nem cobrei mais ele. Trabalhei de graça para aquele salafrário. Falei com desgosto. Ela riu. — Ai, Isabella! — Carla respondeu, rindo ainda mais. Eu acabei rindo também. De forma amarga. De forma arrependida. Quando os risos foram se perdendo, perguntei: — O que eu faço agora, Carla? Minha voz soava perdida. — Eu não sei mais o que fazer... — Primeiro, respira. Carla disse com um tom firme. — Você não está sozinha. Senti meu peito se apertar. — Vou estar ao seu lado, não importa o que aconteça. Ela continuou: — E, segundo, você vai cortar essa história de uma vez. Eu me agarrei às palavras dela como um bote salva-vidas. — Não deixe essa mulher se aproximar de você. O tom de Carla estava mais intenso agora. — Ela vai tentar te destruir, mas você não vai deixar. Eu sei que você vai dar a volta por cima. Respirei fundo. As palavras dela começaram a se infiltrar, com força, no meu coração. Não seria fácil. Não seria rápido. Mas talvez, eu pudesse encontrar uma maneira de seguir em frente. — Obrigada, Carla. Por me ouvir. Ela sorriu do outro lado da linha, e sua resposta veio carregada de certeza: — Sempre. Eu te amo, amiga. E você vai sair dessa, mais forte do que nunca. A conversa terminou, mas a sensação de ter alguém ao meu lado me deu um pouco de paz. Mesmo que o mundo parecesse desabar, eu ainda tinha Carla. E isso, por enquanto, era o suficiente para me segurar. --- A Noite da Vingança A raiva fervia dentro de mim como lava prestes a explodir. Eu sabia exatamente o que faria naquela noite. Não podia continuar me sentindo uma tola, enganada sem poder fazer nada. Não, Renato precisava saber o quanto me magoou. E eu faria ele sentir isso de forma tão intensa quanto eu estava sentindo. O relógio marcava a hora em que ele sairia do trabalho. Fui até o guarda-roupa e peguei meu casaco de capuz, me cobrindo da cabeça aos pés. Não queria ser reconhecida. Não por ele. Não por ninguém. Só queria fazer o que tinha que fazer. Fui até a cozinha e peguei uma caixa de ovos da geladeira. Minha arma silenciosa e certeira. Eu sabia que ele se achava no controle, achava que tudo estava bem. Mas não estava. Eu estava ali para dar um fim a essa mentira. Para dar um basta. O que ele fez comigo? Eu ia fazer de volta. Olhei para os ovos na minha mão e respirei fundo. Isso é só o começo. Você vai me pagar, Renato. Ah, se vai!
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