Inesperado

1619 Words
Eu sou Dill, tenho vinte e três anos. Vivo com a minha mãe e meu irmão mais novo. Meu pai morreu tentando salvar minha irmã de um soldado do pelotão dois. Ele ia violentá-la, meu pai o esfaqueou, ele sangrou até a morte, mas não antes de atirar na cabeça da minha irmã. Seus miolos se espalharam pelo chão da minha casa. Se olhar bem, acho que ainda posso vê-los. Meu pai? Esse foi morto em praça pública para servir como exemplo. Desde então eu entrei para a Força Rebelde. Eu tinha dezesseis anos. Minha mãe não pode mais trabalhar. Ela tem problemas respiratórios gravíssimos. Então meu irmão menor e eu cuidamos disso. Tom tem dezessete anos. É um bom garoto. Saimos do trabalho juntos, trabalhamos em uma das muitas montadoras da cidade. Tem montadoras de carros e de armas. Eu trabalho na de armas, meu irmão na de carros. São no mesmo prédio, que ocupa dois quarteirões inteiros. -Vai para casa sem mim Thomas. -Onde vai? -Desde quando lhe devo explicações? -Nossa... -Desculpe Tom. -Tá legal. Mas vê se volta cedo. - Não sei que horas volto. Vou ver se consigo um bico lá no Rancho para comprar o remédio da mãe. Rancho era uma casa noturna onde eu fazia uns b***s no bar. O dono de lá era louco para eu virar p**a lá, ganha mais e tal, era o que ele dizia. Mas eu sei que era porque tinha cliente, principalmente soldados,que ofereciam uma grana alta por mim. Mas eu jamais faria isso. Não daria esse desgosto para o meu pai. Ele morreu para evitar que minha irmã fosse tocada por um soldado, eu nunca me deitaria com um. -Tá bom, vou avisar para a mãe então. Dei um beijo no meu irmão e corri para chegar mais rápido. O Rancho não era longe. Cheguei em dez minutos. E fui direto para o escritório. -E aí Miguel, tem algo para mim hoje? -Você sabe que sempre tem. - Não me refiro a isso e você sabe. -Mas não me custa tentar. -Sabe que não vou fazer isso. -É, eu sei. E respeito, apesar de lamentar muito. -Então tem algo para mim? Preciso comprar os remédios da velha. -Tem sim, você pode ajudar na cozinha hoje? -Claro. Trabalhei até as onze da noite, tomei um banho e saí correndo para ver se encontrava uma farmácia aberta, mas não havia nenhuma. Teria que comprar no dia seguinte. Estava voltando por perto da estação quando vi o Ceará xingando alto. Vi que ele falava com um cara numa cadeira de rodas. -Ceará não tem jeito. Corri para evitar que ele roubasse o cara e consegui colocar ele para correr. O cara era muito gato, mas tinha uma boca inteligente, todo esquentadinho e com complexo por causa da cadeira. Aqui não tem coitadinho não meu bem. Aqui todo mundo se vira. Ficou tarde para ele ir embora de trem e decidi levá-lo para minha casa. Algo me impedia de deixar aquele estranho ir embora. Talvez eu não quisesse que ele fosse. Chegamos em minha casa em meia hora. Apesar de grande, o local onde eu morava era decadente, já havia sido uma bela casa de classe média, mas tornara-se nosso mausoléu desde a morte de meu pai. Minha mãe já não se importava com seus afazeres, o pouco que eu e Tom eramos capazes de fazer não ajudava muito. Torci para que ao menos os banheiros estivessem limpos para que meu hospede pudesse tomar um banho. -Bem vindo ao meu humilde lar. -Muito bonita sua casa. -Ela já teve tempos melhores. Abri a porta e minha mãe estava sentada no sofá. -Olá mamãe, este é o Gui. -Olá Gui. É um prazer conhecer você. Sou Tânia. -Minha mãe adora receber visitas. Não repare a empolgação dela. -Filha! - Não tem problema... -Vamos, vou te mostrar a casa. A menos que esteja muito cansado. Eu não trabalho amanhã, não sei quanto a você. -Não trabalho amanhã também. Andei com ele por todos os cômodos da casa, Tom havia feito um bom trabalho com a limpeza, tudo estava bem apresentável. -E o que tem no andar de cima? -O...sótão. Não disse a ele, mas no andar de cima funcionava a sede do nosso movimento. A última havia sido incendiada. Minha mãe teve medo de manter a sede em casa, mas era provisório. Nos mudariamos em algumas semanas. -Hum. -Está cansado? -Um pouco. -Vai dormir com Tom. Venha vou lhe mostrar o quarto. Parei na frente do quarto e abri a porta. Ele ficou para trás. - Você não vem? - A cadeira...ela não passa na porta. Fiquei sem reação, cheguei a pensar em tentar ajudá-lo, mas imaginei que seria humilhante para ele. Seu olhar se tornou sombrio. -Eu posso dormir na sala. -Não, você pode dormir no meu quarto. -E você? -Eu durmo aqui. - Eu durmo na sala, não quero te incomodar. - Não está incomodando. Levei ele até meu quarto. -Tenho um banheiro privativo. Você pode tomar um banho se quiser. -Não tenho como tomar banho sem uma cadeira de banho. -Na verdade, meu banheiro é o melhor da casa. - falei sorrindo - tem uma banheira. -Isso é legal. Abri a porta do banheiro e ele entrou. Tirou a camisa, dobrou e colocou sobre a bancada. Seu biceps era perturbadoramente delicioso. Sua barriga tinha aqueles gominhos. Não conseguia tirar os olhos dele. -Pode me ajudar com a banheira? -Ah...o que? - Não alcanço a torneira. Pode ligar para mim? -Ah..sim, claro. Liguei a torneira e lhe entreguei uma toalha. Sai pela porta como um raio, fui até a despensa e peguei uma escova de dentes e algumas roupas do meu irmão. Quando voltei ele já estava dentro da água. Meu Deus, ele estava nu? -Eu...ah...trouxe uma escova de dentes para você. Entreguei o utensílio a ele e corri para fora, deixei a roupa sobre a cama e saí do quarto. Fui para o quarto do meu irmão mas quando cheguei lá, ele estava acompanhado, nem entrei. Fui até a cozinha para ver se mamãe precisava de ajuda com o jantar. Ela só preparava o jantar depois que todos nós chegávamos. -Precisa de algo? - Não, esta quase pronto. -Tom trouxe a Bia né? -Sim, a mãe dela viajou e como não podia levá-la ele se ofereceu para ajudar. -Eu sei bem o tipo de ajuda que ele pretende dar a ela. Minha mãe sorriu. -O jantar já está pronto. Vá chamar nosso convidado. Fui até meu quarto e Gui já estava vestido. As roupas de Tom ficaram curtas, Gui era mais alto do que Tom. -O jantar está servido. -Obrigada. Mas estou sem fome. -Minha mãe se sentirá ofendida se não experimentar o guisado especial dela. Ele sorriu. Mostrando uma fileira de dentes perfeitos. -Está bem, longe de mim querer ofender dona Tânia. Tirei uma cadeira da mesa para que ele pudesse se aproximar com a cadeira. -Tom hoje é a sua vez de fazer a oração. -Sim. Tom fechou os olhos e nós também. Fizemos uma oração em agradecimento pelo que tínhamos e começamos a comer. -Então Gui, de onde você é? -Sou de...Campo Grande. -Ah, legal. Nunca vi você por aqui, isso deve explicar. - Não moro por aqui. -É mãe, ele ia pegar o trem e ficou tarde. Pare de encher ele de perguntas. - Não tem problema, aliás dona Tânia, seu guisado está estupendo. -Como? -Eu quis dizer que seu guisado está muito bom. -Ah, tá, entendi. Terminamos o jantar e eu o acompanhei até o quarto, mas não antes das despedidas de mamãe. Abri o armário e peguei uns travesseiros e um cobertor. -Eu notei que seu irmão tem companhia. -É a Bia é uma peguete fixa dele. -Você vai atrapalhar os dois? - Não, vou dormir na sala. - Não é necessário. Eu durmo lá. -Sério, eu vou ficar bem. Peguei as coisas e ia me dirigindo a porta, ele me pegou pelo pulso. -É sério, durma aqui. Não me sentiria confortável te tirando do seu quarto. -Vamos fazer o seguinte então, dormimos os dois aqui. -Você pode ficar com a cama. - Você fica com a cama, ou eu vou para a sala. -Está bem, você venceu. -Eu sempre venço. Coloquei os cobertores no chão e improvisei uma cama. Gui apoiou as duas mãos na beirada da minha cama e pulou para ela. -Você faz isso com tanta facilidade. -O que? -Passar assim, da cadeira para a banheira, da banheira para a cadeira e agora para a cama. -Anos de prática. No inicio não foi fácil. Queria morrer. -O que houve? -Na boa? Não é um assunto que eu aprecie. -Desculpe. Me deitei e fechei os olhos. -Eu estava esquiando. Não vi a árvore até bater de frente com ela. Não me lembro de mais nada, acordei meses depois no hospital. -É irreversível? -Sim. Nunca mais poderei andar novamente. -Já procurou outros médicos? -Muitos. E todos disseram a mesma coisa. -Hum. -O que? -Nada. -Eu sei que quer perguntar outra coisa, tá escrito no seu rosto. -É que... -Você quer saber como é com as mulheres? -Sim. Mas não precisa falar se não quiser. Eu sou mesmo uma intrometida que... - Não sinto desejo por mulher nenhuma desde o acidente. -Quer dizer que você não... - Não. Os médicos dizem que é coisa da minha cabeça, que se eu quiser rola, mas já tentei e só me frustrei. Parei de tentar. Um silêncio estranho pairou entre nós, foi só então que eu me perguntei por que cargas d'agua eu estava perguntando sobre a vida s****l de um homem que eu m*l conhecia. Peguei no sono e sonhei com um belo moreno em sua cadeira de rodas.
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