Eu sou Dill, tenho vinte e três anos. Vivo com a minha mãe e meu irmão mais novo. Meu pai morreu tentando salvar minha irmã de um soldado do pelotão dois. Ele ia violentá-la, meu pai o esfaqueou, ele sangrou até a morte, mas não antes de atirar na cabeça da minha irmã. Seus miolos se espalharam pelo chão da minha casa. Se olhar bem, acho que ainda posso vê-los. Meu pai? Esse foi morto em praça pública para servir como exemplo. Desde então eu entrei para a Força Rebelde. Eu tinha dezesseis anos.
Minha mãe não pode mais trabalhar. Ela tem problemas respiratórios gravíssimos. Então meu irmão menor e eu cuidamos disso. Tom tem dezessete anos. É um bom garoto.
Saimos do trabalho juntos, trabalhamos em uma das muitas montadoras da cidade. Tem montadoras de carros e de armas. Eu trabalho na de armas, meu irmão na de carros. São no mesmo prédio, que ocupa dois quarteirões inteiros.
-Vai para casa sem mim Thomas.
-Onde vai?
-Desde quando lhe devo explicações?
-Nossa...
-Desculpe Tom.
-Tá legal. Mas vê se volta cedo.
- Não sei que horas volto. Vou ver se consigo um bico lá no Rancho para comprar o remédio da mãe.
Rancho era uma casa noturna onde eu fazia uns b***s no bar. O dono de lá era louco para eu virar p**a lá, ganha mais e tal, era o que ele dizia. Mas eu sei que era porque tinha cliente, principalmente soldados,que ofereciam uma grana alta por mim. Mas eu jamais faria isso. Não daria esse desgosto para o meu pai. Ele morreu para evitar que minha irmã fosse tocada por um soldado, eu nunca me deitaria com um.
-Tá bom, vou avisar para a mãe então.
Dei um beijo no meu irmão e corri para chegar mais rápido. O Rancho não era longe. Cheguei em dez minutos. E fui direto para o escritório.
-E aí Miguel, tem algo para mim hoje?
-Você sabe que sempre tem.
- Não me refiro a isso e você sabe.
-Mas não me custa tentar.
-Sabe que não vou fazer isso.
-É, eu sei. E respeito, apesar de lamentar muito.
-Então tem algo para mim? Preciso comprar os remédios da velha.
-Tem sim, você pode ajudar na cozinha hoje?
-Claro.
Trabalhei até as onze da noite, tomei um banho e saí correndo para ver se encontrava uma farmácia aberta, mas não havia nenhuma. Teria que comprar no dia seguinte.
Estava voltando por perto da estação quando vi o Ceará xingando alto. Vi que ele falava com um cara numa cadeira de rodas.
-Ceará não tem jeito.
Corri para evitar que ele roubasse o cara e consegui colocar ele para correr.
O cara era muito gato, mas tinha uma boca inteligente, todo esquentadinho e com complexo por causa da cadeira. Aqui não tem coitadinho não meu bem. Aqui todo mundo se vira.
Ficou tarde para ele ir embora de trem e decidi levá-lo para minha casa. Algo me impedia de deixar aquele estranho ir embora. Talvez eu não quisesse que ele fosse.
Chegamos em minha casa em meia hora. Apesar de grande, o local onde eu morava era decadente, já havia sido uma bela casa de classe média, mas tornara-se nosso mausoléu desde a morte de meu pai. Minha mãe já não se importava com seus afazeres, o pouco que eu e Tom eramos capazes de fazer não ajudava muito. Torci para que ao menos os banheiros estivessem limpos para que meu hospede pudesse tomar um banho.
-Bem vindo ao meu humilde lar.
-Muito bonita sua casa.
-Ela já teve tempos melhores.
Abri a porta e minha mãe estava sentada no sofá.
-Olá mamãe, este é o Gui.
-Olá Gui. É um prazer conhecer você. Sou Tânia.
-Minha mãe adora receber visitas. Não repare a empolgação dela.
-Filha!
- Não tem problema...
-Vamos, vou te mostrar a casa. A menos que esteja muito cansado. Eu não trabalho amanhã, não sei quanto a você.
-Não trabalho amanhã também.
Andei com ele por todos os cômodos da casa, Tom havia feito um bom trabalho com a limpeza, tudo estava bem apresentável.
-E o que tem no andar de cima?
-O...sótão.
Não disse a ele, mas no andar de cima funcionava a sede do nosso movimento. A última havia sido incendiada. Minha mãe teve medo de manter a sede em casa, mas era provisório. Nos mudariamos em algumas semanas.
-Hum.
-Está cansado?
-Um pouco.
-Vai dormir com Tom. Venha vou lhe mostrar o quarto.
Parei na frente do quarto e abri a porta. Ele ficou para trás.
- Você não vem?
- A cadeira...ela não passa na porta.
Fiquei sem reação, cheguei a pensar em tentar ajudá-lo, mas imaginei que seria humilhante para ele.
Seu olhar se tornou sombrio.
-Eu posso dormir na sala.
-Não, você pode dormir no meu quarto.
-E você?
-Eu durmo aqui.
- Eu durmo na sala, não quero te incomodar.
- Não está incomodando.
Levei ele até meu quarto.
-Tenho um banheiro privativo. Você pode tomar um banho se quiser.
-Não tenho como tomar banho sem uma cadeira de banho.
-Na verdade, meu banheiro é o melhor da casa. - falei sorrindo - tem uma banheira.
-Isso é legal.
Abri a porta do banheiro e ele entrou. Tirou a camisa, dobrou e colocou sobre a bancada. Seu biceps era perturbadoramente delicioso. Sua barriga tinha aqueles gominhos. Não conseguia tirar os olhos dele.
-Pode me ajudar com a banheira?
-Ah...o que?
- Não alcanço a torneira. Pode ligar para mim?
-Ah..sim, claro.
Liguei a torneira e lhe entreguei uma toalha. Sai pela porta como um raio, fui até a despensa e peguei uma escova de dentes e algumas roupas do meu irmão. Quando voltei ele já estava dentro da água. Meu Deus, ele estava nu?
-Eu...ah...trouxe uma escova de dentes para você.
Entreguei o utensílio a ele e corri para fora, deixei a roupa sobre a cama e saí do quarto. Fui para o quarto do meu irmão mas quando cheguei lá, ele estava acompanhado, nem entrei. Fui até a cozinha para ver se mamãe precisava de ajuda com o jantar. Ela só preparava o jantar depois que todos nós chegávamos.
-Precisa de algo?
- Não, esta quase pronto.
-Tom trouxe a Bia né?
-Sim, a mãe dela viajou e como não podia levá-la ele se ofereceu para ajudar.
-Eu sei bem o tipo de ajuda que ele pretende dar a ela.
Minha mãe sorriu.
-O jantar já está pronto. Vá chamar nosso convidado.
Fui até meu quarto e Gui já estava vestido. As roupas de Tom ficaram curtas, Gui era mais alto do que Tom.
-O jantar está servido.
-Obrigada. Mas estou sem fome.
-Minha mãe se sentirá ofendida se não experimentar o guisado especial dela.
Ele sorriu. Mostrando uma fileira de dentes perfeitos.
-Está bem, longe de mim querer ofender dona Tânia.
Tirei uma cadeira da mesa para que ele pudesse se aproximar com a cadeira.
-Tom hoje é a sua vez de fazer a oração.
-Sim.
Tom fechou os olhos e nós também. Fizemos uma oração em agradecimento pelo que tínhamos e começamos a comer.
-Então Gui, de onde você é?
-Sou de...Campo Grande.
-Ah, legal. Nunca vi você por aqui, isso deve explicar.
- Não moro por aqui.
-É mãe, ele ia pegar o trem e ficou tarde. Pare de encher ele de perguntas.
- Não tem problema, aliás dona Tânia, seu guisado está estupendo.
-Como?
-Eu quis dizer que seu guisado está muito bom.
-Ah, tá, entendi.
Terminamos o jantar e eu o acompanhei até o quarto, mas não antes das despedidas de mamãe. Abri o armário e peguei uns travesseiros e um cobertor.
-Eu notei que seu irmão tem companhia.
-É a Bia é uma peguete fixa dele.
-Você vai atrapalhar os dois?
- Não, vou dormir na sala.
- Não é necessário. Eu durmo lá.
-Sério, eu vou ficar bem.
Peguei as coisas e ia me dirigindo a porta, ele me pegou pelo pulso.
-É sério, durma aqui. Não me sentiria confortável te tirando do seu quarto.
-Vamos fazer o seguinte então, dormimos os dois aqui.
-Você pode ficar com a cama.
- Você fica com a cama, ou eu vou para a sala.
-Está bem, você venceu.
-Eu sempre venço.
Coloquei os cobertores no chão e improvisei uma cama. Gui apoiou as duas mãos na beirada da minha cama e pulou para ela.
-Você faz isso com tanta facilidade.
-O que?
-Passar assim, da cadeira para a banheira, da banheira para a cadeira e agora para a cama.
-Anos de prática. No inicio não foi fácil. Queria morrer.
-O que houve?
-Na boa? Não é um assunto que eu aprecie.
-Desculpe.
Me deitei e fechei os olhos.
-Eu estava esquiando. Não vi a árvore até bater de frente com ela. Não me lembro de mais nada, acordei meses depois no hospital.
-É irreversível?
-Sim. Nunca mais poderei andar novamente.
-Já procurou outros médicos?
-Muitos. E todos disseram a mesma coisa.
-Hum.
-O que?
-Nada.
-Eu sei que quer perguntar outra coisa, tá escrito no seu rosto.
-É que...
-Você quer saber como é com as mulheres?
-Sim. Mas não precisa falar se não quiser. Eu sou mesmo uma intrometida que...
- Não sinto desejo por mulher nenhuma desde o acidente.
-Quer dizer que você não...
- Não. Os médicos dizem que é coisa da minha cabeça, que se eu quiser rola, mas já tentei e só me frustrei. Parei de tentar.
Um silêncio estranho pairou entre nós, foi só então que eu me perguntei por que cargas d'agua eu estava perguntando sobre a vida s****l de um homem que eu m*l conhecia.
Peguei no sono e sonhei com um belo moreno em sua cadeira de rodas.