Capítulo 1

2017 Words
– Quer que eu te faça uma sopa? – Gabi alisava meus cabelos enquanto eu assoava um nariz em um pedaço de papel que ela mesmo tinha me dado. – Não, não precisa. Já estou cansada de abusar das pessoas – resmunguei. – Você não está abusando de mim. Vou fazer um brigadeiro para gente. Gabi levantou e foi para a cozinha e eu continuei chorando por alguns minutos até segui-la para o outro cômodo. Meus pais tinham ido embora no domingo mesmo, horas depois de despejarem aquela bomba em cima de mim. Desde então eu estava à beira do desespero. Havia a alternativa de ter uma casa sob minha cabeça e um trabalho com salário mediano, mas aquela opção me assombrava, era o medo de toda a pessoa que saía do interior para estudar na cidade grande e acreditava que conseguiria construir uma vida de sucesso ali. Essa opção era a constatação do meu fracasso pessoal e profissional. – Não está tudo perdido, eles não te deram um prazo? – Gabi mexia a panela e me confortava, não sei o que tinha feito para merecer tamanha benção em formato de amiga. – Um mês! – Exclamei. – Nada pode acontecer em um mês. – Muita coisa acontece em um mês, para de ser pessimista. – Sim, a Gabi era como um livro de autoajuda ambulante. Ela era sempre muito positiva, acreditava em foco e determinação como os ingredientes necessários para uma vida de sucesso. – Você só precisa de concentração para ir atrás do que você quer. – Viu, não disse. – E o que eu quero? Ela pacientemente mexia a colher de silicone na panela. – Você quer fazer o que ama e ser bem sucedida financeiramente. – Super vago. – Olha, Luty, quando eu era criança me lembro de passar em frente as obras da minha cidade e parar para ficar examinando cada detalhe. Quando minha vizinha vendeu a casa dela para uma construtora que decidiu transformar o lugar em um prédio, eu passava tanto tempo lá que fiz amizade com todos os pedreiros. Eu nasci para ser o que eu sou hoje e nada poderia me fazer mais feliz do que ser engenheira. Não sei como acontece, mas é como se eu fosse predestinada, entendeu? Não. – Sim. – Não diria a verdade a ela. – Mas não acho que nasci predestinada a alguma coisa. Você é um gênio, eu um zero à esquerda. – “Todo mundo é um gênio. Mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em uma árvore, ele vai gastar toda a vida acreditando que é e******o”, Einstein disse isso. – Não disse não. – Não interessa quem disse, o que interessa é que é uma verdade. Você não pode se basear em mim, eu sou um macaco, você é um peixe. – E o que um peixe faz? – Nada ué. – É o que eu tenho feito da minha vida até hoje. – Para de gracinha que essa é uma mentira, porque você tem feito s**o, muito s**o aliás, pena que não dá dinheiro. – Dá sim... – Não vem com papo de book rosa para o meu lado! – Gabi se exaltou pela primeira vez. – Calma aí, que essa é uma profissão como outra qualquer, tenho muito respeito por essas guerreiras. – Porque você não faz uma lista com coisas que você queria ser na infância? – Não tenho memória para isso, Gabi. – Qual é, todo mundo lembra o que queria ser quando crescesse. – Ela vestiu nossas luvas do Mickey e tirou com cuidado a panela do forno e derramou todo o conteúdo em um prato para esfriar. – Cantora, artista, famosa... era isso que eu respondia. – Quer raspar? – Me entregou a panela de brigadeiro que aceitei de bom grado. Coloquei sobre a bancada, enchia a colher com as raspas de chocolate, soprava, aproximava dos lábios para testar a temperatura e depois comia. – A minha lista de profissões não podia ser mais genérica – reclamei. – Por outro lado, é mais fácil se tornar famosa hoje do que quando você era pequena. Ela tinha razão, era a geração t****k, não precisava de muitos talentos para se sobressair, bastava decorar umas dancinhas ou fazer algumas makes. O problema é que eu não era do tipo que dançava ou sabia fazer maquiagens. – Luty, o que você precisa é sentar, olhar para sua lista, analisar as ferramentas que você tem nas mãos e descobrir qual caminho seguir. Se desligue de todas as distrações, fique off-line, não responda ligações, não fale com ninguém, ouça só a voz do seu coração. – Não sei se meu coração tem uma voz. – Essa é sua tática de sempre – resmungou enquanto soprava uma colherada de brigadeiro. – Que tática? – Perguntei confusa. – Gracinhas, piadinhas, trocar um homem por outro... você faz de tudo para fugir de você mesma. Acho que você seria incapaz de sobreviver 2 horas sem se comunicar com ninguém, sem que tenha alguém prestando atenção em você. – Eu até que fico bastante tempo sozinha nessa casa, desde que você começou a trabalhar em tempo integral quase não te vejo – me justifiquei. – Com o seu celular, você fica o tempo todo com o celular na mão, comentando, dando like, expondo sua vida. Você nunca está realmente sozinha, Luty. – E no momento atual não sei o que me isolar da sociedade faria de bom, o que eu preciso é exatamente o oposto. – Poderia te ajudar a encontrar seu caminho para começo de conversa. Você não sabe nem o que quer, nem o que ama, você não tem sonhos! – Eu tenho sonhos! – Retruquei. – Viajar para Nova York, ser rica, comprar uma lancha não contam. Você precisa de sonhos reais, sonhos duradouros. Meu celular vibrou na mesa nos fazendo distrair da conversa. Instintivamente peguei o aparelho. – Não disse... – provocou. – Ei você nem sabe o que é, – protestei. – Pode ser urgente, pode ser um emprego. – Pode ser um homem te chamando para casa dele. Desbloqueei a tela e era uma mensagem no **. De fato, Gabi tinha razão. Era um garoto que tinha conhecido a umas semanas e que estava me chamando para tomar uma cerveja. Bloqueei a tela de novo e coloquei o celular no balcão sem falar nada. – E então? – Então o que? – Desconversei. – A notificação. – Não era nada. – Aposto esse brigadeiro inteiro que era um homem. – Jogando sujo ela pegou o prato de brigadeiro e levou para longe de mim. – Devolve o brigadeiro, eu estou triste esqueceu? – Estou certa ou não? – Não vou a lugar nenhum, está bem, vou ficar em casa. – Sabia! Sabia que era mais um dos seus contatinhos. – Vibrava como se tivesse ganhado alguma coisa. – Não é crime ter vida social, Gabi. – Luty, desde que você formou deve ter transado com uns 80 garotos diferente, você está usando esses caras para se distrair da sua própria infelicidade e depressão. – EU NÃO VOU ME ENCONTRAR COM NINGUÉM! – Me exaltei levantando da cadeira. – Também não quero mais brigadeiro. Saí da cozinha e fui para o meu quarto, trancando a porta logo em seguida. Me joguei na cama e cobri minha cabeça com meu travesseiro. Gabi veio bater na porta logo em seguida como eu já imaginava. – Me desculpa, Luty, não queria ter falado assim com você. Não respondi de volta, permaneci em silêncio, com raiva. Não era só porque você conhecia uma pessoa tão bem você tinha o direito de jogar isso na cara dela dessa forma. Ninguém estava sofrendo com aquela situação mais do que eu. Tinha plena consciência dos meus defeitos e do que eles causavam, não seria ouvir em voz alta que me faria ser diferente da noite para o dia. Além da Gabi estar enganada ao meu respeito, eu não estava afogando minhas mágoas em s**o, só estava aproveitando a vida, como sempre fiz. Não era um vício, eu estava consciente, poderia parar quando quisesse. E naquele dia eu ficaria em casa só para provar que ela estava errada. Ficaria ali, trancada no meu quarto, mandando currículos, atualizando meu LinkedIn para mostrar o quão empenhada eu estava em conseguir um emprego e mudar de vida. Gabi bateu na porta por alguns minutos até desistir de vez. Já eu levantei e fui para o banheiro tomar um banho antes de começar minha empreitada rumo ao emprego dos sonhos, ou qualquer emprego mesmo, desde que me pagassem. Debaixo do chuveiro as lágrimas como sempre vieram. Era o meu momento de me desfazer, quando ninguém estava olhando. Já era um ritual, todos os dias eu chorava enquanto a água corria pelo corpo, de forma que eu não podia dizer o que era água e o que era lágrima. Até que o banho estivesse acabado eu já estava recuperada, sem choro, nem olhos vermelhos. Pronta para fingir o que quer que fosse. Me vesti e fiquei minutos, horas na frente do computador. Meu celular vibrou de novo. Era o mesmo carinha me chamando para sair. Ignorei mais uma vez. Mandei dezenas de e-mail, entrei em contato com amigas da faculdade para saber se alguma tinha indicação ou estava sabendo de vagas abertas por aí. Mas entre os contatos surgiu ou de uma antiga colega de escola na época do ensino médio. Na foto ela aparecia grávida e com mais um menino no colo enquanto o pai careca e barrigudo a abraçava. Naquele momento me dei conta da vida que eu nunca quis para mim, eu podia não saber o que eu queria, mas aquilo ali não era, definitivamente, o que eu esperava para mim. Seria aquele o meu fim se eu voltasse para minha cidade natal? Marido, crianças, uma rotina entediante, uma vida previsível? Naquele mesmo instante senti as paredes do meu quarto me sufocarem. Eu precisava sair! Olhei no relógio, já passava das 23 horas. Gabi devia estar dormindo. Peguei meu celular e havia mais uma mensagem do tal garoto, agora era uma foto com uma cerveja na mão. Respondi de volta “me passa o endereço”. Me arrumei em silêncio. Morava tempo suficiente com Gabi para saber que o sono dela era profundo. Em 15 minutos eu já estava na rua. A brisa gelada da noite enchia meus pulmões e me fazia sentir viva. Talvez eu fosse uma pessoa noturna. As ruas quase paradas, sem carro, a sensação de ser a única pessoa no universo, eu amava. Pela primeira vez naquele fatídico dia eu me sentia dona da minha própria existência, tudo parecia estar em ordem e nenhum problema me assombrava. Minhas amigas não entendiam, qual o m*l de ter pelo menos umas horinhas de prazer no dia? Eu tinha que me afundar em uma depressão constante e duradoura? As borboletas no estômago de um pré-encontro, a liberdade, tudo isso era muito viciante e me acalmavam mais do que me deixavam nervosa. E afinal de contas, era só mais um dia, a juventude passa, eventualmente eu ia envelhecer e o meu fogo no r**o iria acabar. Não estava me afundando em drogas, era só s**o. Ironicamente, virei em uma das avenidas principais do meu bairro e me deparei com cartazes enormes pregados no muro, neles continham propagandas do Alcoólicos Anônimos e diziam em letras garrafais “o primeiro passo para começar o seu tratamento é admitir que você tem um problema”. Aquela frase me fez congelar e parei diante dela. Me dei conta que eu tinha saído escondido de casa, escondida da minha melhor amiga, porque eu não conseguia manter a promessa de ficar um dia sem homem. Eu soava como uma viciada, estava me comportando como uma viciada. Eu era realmente uma viciada em s**o?  ************** Fica ligado que amanhã tem mais! Não se esqueça de deixar seu comentário e compartilhar com as amigas :) E me siga nas redes sociais: Instagram, Twitter e Tik Tok: @thaisolivier_
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