Ziggy sabia como se divertir. Talvez ele fosse o caubói que mais se divertisse em Malpasso. Tentava, com isso, livrar-se dos tormentos que o perseguiam, não se deixava abater, preferia uma vida fútil e superficial. Como Jenko. Escolheu ser assim e perseguir skinners no deserto era uma ótima fonte de divertimento.
Acelerou a sua Suzuki, a garota nunca o deixava na mão, chispando a terra debaixo das rodas velozes. Deixou o chapéu de vaqueiro para trás, voou de sua cabeça, e agora o vento lhe açoitava a face fechada numa carranca de quem saía para caçar cabeças humanas. Ao seu lado, Jenko pisava fundo na picape.
O anoitecer vermelho se derramava sobre a planície da mesma cor e até podia confundir quem não conhecia aquela parte do continente; ali, por mais que parecesse, ainda não era o inferno.
Os motores dos veículos roncavam com fúria, o mesmo sentimento que batia como punhos na parte alta da cabeça de Ziggy, por detrás dos olhos. O certo era se controlar, buscar um equilíbrio, ajeitar-se na vida como Montoya, ter um hobby como Rhys com os seus cutelos ou os cavalos para Keid. Mas ele e Jenko preferiam viver todos os tons da devassidão.
Reduziu a velocidade, sinalizando ao outro para que fizesse o mesmo, assim, eles se mantiveram lado a lado observando o cenário ao redor.
A vegetação verde achatada no solo seco se expandia até a base das montanhas encravadas imponentes como se formassem um labirinto cortado por desfiladeiros, cercando o vale moldado pelo rio de água escura.
Os skinners eram tradicionalmente nômades. Porém, parte deles se refugiava em cavernas nas montanhas e, de modo hierárquico, os que chefiavam os grupos moravam em cidades mais povoadas, como Novo Partilho e outras tantas.
Ziggy silenciou a moto, e Jenko fez o mesmo com a picape. Esperaram anoitecer para que os esfoladores saíssem de seus esconderijos. Pois, quando fixavam acampamento a poucos quilômetros de um vilarejo, era certo que se reuniriam à noite para atacar os comboios que chegassem ou saíssem de lá.
Sacou a pistola do coldre atado na coxa e deu uma conferida na munição, sentindo o peso do cabo do cutelo enterrado no cós traseiro do jeans.
O uivo de um animal lhe chamou a atenção e também a luz alaranjada e brilhante na cabine da picape, era Jenko fumando enquanto aguardava o momento de agir.
Fechou o punho e estalou os dedos, um a um, absorvendo a sensação de euforia segundos antes de um ataque. Recebeu uma golfada do vento frio na cara, um ar que parecia eletrificado.
Quando enfim a noite caiu, os primeiros homens saíram das tendas, conversando e ajeitando suas armas na cintura enquanto se dirigiam para o centro do acampamento. Alguém começava uma fogueira, e outros tantos acendiam os faróis das motos a fim de iluminar o lugar. Eles se preparavam para deixar o lugar. Pegariam suas motos e zanzariam pelo deserto até encontrar o primeiro comboio com um clã em busca de terras e então o atacariam.
Naquela noite, no entanto, nada disso aconteceria.
Ziggy fez um sinal afirmativo com a cabeça para Jenko dando início à partida. Acionou o motor potente, lançando um rosnado grave e, em seguida, acelerou de modo a arrancar em velocidade. Empinou a Suzuki no meio do caminho, sem deixar de vibrar e gritar como um doido varrido. Estava em estado de êxtase ou muito próximo disso. Antevia a saraivada de balas que o seu corpo receberia, isso o desagradava, mas mais do que tudo ele queria era dizimar o maior número possível daquelas pragas do deserto.
Assim que os viram, dois skinners apontaram suas semiautomáticas na direção deles e começaram a disparar.
Ziggy sentiu o impacto de dois projéteis contra o peito, o que fez o seu tronco pender para trás e rapidamente se recuperar. Deu um cavalinho de p*u erguendo uma cortina de fumaça e poeira. Antes que a camuflagem se dissipasse, ele pulou da moto e já tinha uma arma em cada mão, a automática e o cutelo.
— Boa noite, cavalheiros! Vamos começar a festa? — gritou, gargalhando a seguir.
Jenko jogou a luz alta dos faróis nos olhos dos skinners que começavam a bater em retirada ao reconhecer que aqueles dois eram os escoltadores de Malpasso.
E era sempre assim, ao menor reconhecimento fugiam. Nunca lutavam com quem podia com facilidade aniquilá-los. Preferiam os mais frágeis, os desarmados, os que vagavam pelo deserto atrás de uma nova chance, uma nova vida.
Ele acionou a sua visão noturna. Viu ao longe o líder daquele bando correndo em direção ao que parecia ser um antigo tanque de guerra. Ziggy nunca tinha visto outro igual, a não ser no treinamento da Bad Code, quando tiveram suas memórias apagadas para a reprogramação. Foram obrigados a assistirem a uma série de documentários englobando a longa linha da história mundial, em especial, da América do Sul. E lá estavam aqueles tanques, no filme didático, mostrando todas as guerras.
Agora os skinners tencionavam se proteger dentro de um veículo blindado.
Ziggy lançou o braço para trás, tomou impulso e arremessou o cutelo longe, no alvo certo que era o meio do crânio do líder do bando. A lâmina lhe cravou na cabeça, mas ele continuou correndo, trocando as pernas, trôpego até se tornar vacilante. Virou-se para trás, o sangue escorria da testa, uma tira grossa e vermelha, os olhos fundos, arregalados, a boca branca. O cérebro enfim assimilou o ocorrido e mandou as pernas falharem, os joelhos dobrarem, a cabeça com o cutelo bater contra o solo.
Sentiu a força da colisão nas costas e se voltou para entender o motivo. Um skinner pulou sobre o seu corpo para derrubá-lo, no entanto, acabou empurrando-o e, perdendo o equilíbrio, caiu diante do escoltador. Deitado de costas no chão, o traficante olhava-o aterrorizado. Os olhos vermelhos de Ziggy capturaram o nível de ansiedade e tensão do humano, que suava, tremia, balbuciava frases sem sentido. Até que ele entendeu que aquele verme era apenas uma distração.
— Vai me matar, subtenente?
A voz gutural não o abalou.
— É claro que sim.
Antes que pudesse concretizar a intenção, um dos motoqueiros imitou a sua manobra, atirando-se com a moto sobre ele, derrubando-o no chão. Por um instante, ficou atordoado e também surpreso com a ousadia do esfolador. Mas não precisou de muito tempo para limpar a poeira do jeans e se erguer de pé, disposto a matar aqueles abutres.
Com sua visão periférica, viu Jenko pular para fora da picape e lutar corpo a corpo com cinco humanos, desferindo-lhe socos e esquivando-se com facilidade dos golpes deles. Era uma briga desigual, assim como quando os esfoladores capturavam mulheres para lhes retirar a pele depois de as estuprarem, uma luta terrivelmente desigual.
Fez como o parceiro, dispensou o armamento e começou a descer o sarrafo no braço. Quebrou dois pescoços sem precisar se mover do lugar, os camaradas se jogavam para cima dele, três, quatro, tentando derrubá-lo, mas tudo que faziam era sujar de terra e sangue a sua jaqueta de couro preferida. E isso o irritava sobremaneira.
Jenko berrou algo como, “acabou, game over!”.
Virou-se para ele e viu a fisionomia jovial sorrindo, demonstrando muita paz no seu coração artificial.
— Vamos queimar tudo. — Ziggy determinou e, apontando para os cadáveres, completou: — Não dá para deixar essas coisas apodrecendo ao ar livre. Vou fazer uma pilha e tacar fogo.
Jenko arrancou a camiseta de um dos skinners morto e a enrolou num pedaço de madeira. Foi até a fogueira recém acesa e pôs fogo na roupa, em seguida, incendiou as tendas do acampamento.
Feito o serviço, os escoltadores voltaram aos seus veículos, mas não partiram em seguida. Era um bom momento aquele, apreciar o trabalho realizado, a sensação do dever cumprido quase lhes enchia os olhos de lágrimas. Quase. Mas eles preferiam rir, rir muito, gargalhar e beber do gargalo a tequila fabricada no boteco do Touro Louco.
Foi Jenko o primeiro a falar após o incrível momento de êxtase:
— Cara, tô muito a fim de trepar.
Viu-o seguir para a picape, ajeitando o Stetson escuro que lhe caía na testa.
Bem, para onde ele iria? Ver Montoya de chamego com Kaila, parecendo um pateta atirado no sofá, abraçado na namoradinha como se ela lhe fosse a boia de salvação no oceano profundo da amargura? Era o c*****o que ele voltaria para a fazenda tão cedo da noite!
— Ei, cuzão, vou dar uma esfolada na mulherada também. — gritou para Jenko, montando na Suzuki.