Alessandro Volkov
Fiquei sentado diante da janela de vidro preto da minha cobertura, contemplando a selva de concreto lá embaixo. O mundo lá embaixo seguia indiferente aos meus conflitos internos, mas meu coração batia como um tambor de guerra. Era madrugada, e o vento gelado sussurrava contra o vidro, quase zombando do meu isolamento voluntário.
Olivia se refugiara no silêncio desde o nosso último confronto. Suas palavras — “Você me empurra para longe” — ecoavam entre as paredes de vidro, cortando cada fibra do meu orgulho. Eu não conseguia dormir. Cada vez que fechava os olhos, imaginava o rosto dela: a expressão ferida, o leve tremor nos ombros, o brilho de dúvida em seus olhos.
A culpa me consumia. Meu controle havia se transformado em punição. Eu a isolava de Arthur, manipulava sua rotina, exigia relatórios e atenção, e com isso, acabava deixando-a mais distante. O que passou a ser “proteção” transformou-se num cárcere emocional, e eu percebia tarde demais que, ao tentar segurá-la contra o mundo, perdia seu coração.
Revivi cada gesto de Arthur que me corroeu de ciúmes: o sorriso que ele arranca de Olivia, esse lampejo nos olhos dela ao vê-lo, a facilidade com que ele lhe oferece um ombro sem exigir nada em troca. Recordei a cena no restaurante, quando flagrei seus olhares cúmplices, e a acusação — silenciosa, poderosa — que veio de seu coração ferido.
Eu precisaria fazer algo drástico para reconquistá-la. Mas o que? Um bilhete ardente, um gesto de submissão radical, talvez até um pedido público de perdão? O veneno do meu ciúme me dizia para demonstrar posse, para dobrá-la aos meus desejos. Mas meu coração, quebrado de amor, sabia que precisava mostrar outra coisa: vulnerabilidade. Raramente sou vulnerável, mas era a única arma que me restava contra meu próprio orgulho.
Levantei-me da poltrona de couro escuro e caminhei até a escrivaninha, onde deixara a pasta azul com bilhetes escritos à mão. Peguei um e li em voz baixa:
“Olivia,
Nunca quis perder você.
Fui possessivo demais, egoísta demais.
Estou pronto para abrir mão de tudo — meu controle,
minha segurança, meu orgulho — por você.
Me deixe provar que posso amar livremente,
não controlando, mas confiando.
Para sempre,
Alessandro.”
Dobrei o papel com precisão cirúrgica e guardei-o no bolso do paletó. Seria o primeiro gesto de humildade — e talvez de redenção.
Na manhã seguinte, pedi ao meu assistente que cancelasse todas as restrições na rotina de Olivia: nada de relatórios extras, nada de convites formais para reuniões emergenciais, nada de motoboys rastreando cada passo. Eu sabia que isso sairia em manchetes internas, mas estava disposto a pagar esse preço.
O dia transcorreu em reuniões intermináveis — cada slide apresentado, cada cifra discutida, ecoava em minha mente como um lembrete de quão vazio era o sucesso sem ela. Recebi informes de que Olivia não havia aparecido para a reunião de status, e meu coração afundou. Onde ela estava?
Minutos depois, uma mensagem:
“Não me procure hoje. Precisamos de espaço.”
O espaço cortava como faca. Respondê-la era um risco, mas não responder a mataria de angústia.
“Te espero às oito. Não importa onde.”
Enviei e desliguei o telefone antes que meu assessor retornasse a ligação.
À tarde, revisitei mentalmente cada detalhe do último encontro: a mão dela arrancando a coleira, a dor em cada linha do rosto, o olhar que dizia “eu não sou ela”. Lembrei-me do salão de espelhos, do pacto de amor sem correntes, e logo depois da cobra ameaça de Sergei, tentando lembrar-me de que havia forças externas empenhadas em destruir nosso amor.
Armado com o bilhete que escrevi na véspera, decidi que levaria o jantar até ela — não em um restaurante, mas à porta de seu prédio, como nos filmes antigos. Contratei um motorista discreto e um terno elegante para mim. Queria que aquele gesto falasse antes de eu precisar dizer qualquer palavra.
Às 19h45, eu já aguardava ao volante de minha BMW preta, com o bilhete e uma caixa de madeira contendo dois taças de cristal e uma garrafa de vinho francês. O ritual de pegar o presente e sair para encontrá-la, sozinho, ainda me arrepiava: era um flerte com a vulnerabilidade, o convite para confiar em mim apesar do caos que eu mesmo criara.
***
No hall de entrada do condomínio dela, encontrei-a na portaria, o corpo tenso e a expressão vigilante. Os cabelos soltos, o casaco de lã cinza, os olhos ainda marejados pela noite sem sono. Quando me viu, os lábios se fecharam em linha dura.
— Entregue — pedi, estendendo a caixa e o bilhete.
Ela olhou primeiro para a caixa, depois para o bilhete, e finalmente para mim. Um silêncio pesado se instalou, como se cada palavra não fosse dita para os ouvidos, mas para a alma.
— Não preciso de mais manipulação — ela disse, a voz finalmente forte. — Você não me conquista com bandejas de prata.
Meu peito apertou. Eu temia que aquela fosse a sentença definitiva.
— Eu sei — respondi, em tom contido. — Mas não é um presente. É uma promessa.
Ela me encarou, desconfiada.
— De quê?
— De que vou mudar. — A voz falhou, mas me mantive firme. — De que prefiro perder tudo antes de perder você.
Olhos marejados brilharam em lágrimas que ela tentava conter.
— Você sempre diz isso — murmurou. — E sempre volta ao mesmo.
— Porque sou humano — confessei, o calor das emoções me dominando. — E erro. Mas dessa vez… desta vez não vou falhar.
O ponto de interrogação nos olhos dela vacilou. Eu percebi que ainda havia uma fagulha de esperança queimando sob as cinzas da raiva e da decepção.
— Se é verdade — disse ela, num sussurro —, prove agora. Não depois. Não com palavras, com atos.
Era tudo o que eu poderia pedir. Entendi que a confiança se reconstrói com gestos, não com discursos. E me preparei para o ato que definiria nosso futuro.
A Noite
Sentados à beira de um lago artificial, sob tochas bruxuleantes instaladas sobre pilastras antigas, abrimos a garrafa juntos. A luz do luar refletia no espelho d’água, projetando nossas silhuetas num balé de luz e sombra.
Ela me observava colocar duas taças na bandeja de prata, o rosto tenso, mas menos rígido. A brisa fria fazia o vestido dela ondular, e eu vi toda a grandiosidade daquele momento: estávamos ali, dois sobreviventes de um amor brutal, tentando ressuscitá-lo na penumbra de nossas inseguranças.
— Beba — convidei, erguendo a taça.
Ela hesitou e, então, tocou suavemente meu pulso antes de aceitar.
— Obrigada — disse, a voz suave. — Por essa… serenata.
Sorri pela primeira vez em dias.
— Por você, tudo.
O silêncio se instalou, confortável agora. Bebemos em uníssono. E, sob o luar, jurei para mim mesmo: faria de cada noite um ato de reconquista. Porque, apesar dos fantasmas e das sombras, ela ainda era a única dona do meu coração.
Mas, ao erguer o olhar para o lago, percebi algo que congelou minha alma: a figura encapuzada no limite da clareira, parada, imóvel. Observando-nos.
O sangue gelou em minhas veias. O medo retornou, mais forte.
Olivia viu também. Nossos olhares se encontraram, e pela primeira vez, a aliança selada por aquele gesto ameaçava se desfazer.
Ela apertou minha mão.
— Não vai desistir de mim — murmurou, o corpo tremendo.
— Nunca — prometi, firme.
Mas, naquele instante, percebi que talvez o maior inimigo não fosse Sergei, nem Arthur, nem mesmo meus próprios demônios — mas sim o limite do poder que eu tinha sobre nosso amor. E, enquanto a figura encapuzada permanecia imóvel no escuro, compreendi que a verdadeira batalha apenas começava.