Capítulo 42: O Peso do Silêncio das Sombras

1295 Words
Alessandro Volkov Fiquei sentado diante da janela de vidro preto da minha cobertura, contemplando a selva de concreto lá embaixo. O mundo lá embaixo seguia indiferente aos meus conflitos internos, mas meu coração batia como um tambor de guerra. Era madrugada, e o vento gelado sussurrava contra o vidro, quase zombando do meu isolamento voluntário. Olivia se refugiara no silêncio desde o nosso último confronto. Suas palavras — “Você me empurra para longe” — ecoavam entre as paredes de vidro, cortando cada fibra do meu orgulho. Eu não conseguia dormir. Cada vez que fechava os olhos, imaginava o rosto dela: a expressão ferida, o leve tremor nos ombros, o brilho de dúvida em seus olhos. A culpa me consumia. Meu controle havia se transformado em punição. Eu a isolava de Arthur, manipulava sua rotina, exigia relatórios e atenção, e com isso, acabava deixando-a mais distante. O que passou a ser “proteção” transformou-se num cárcere emocional, e eu percebia tarde demais que, ao tentar segurá-la contra o mundo, perdia seu coração. Revivi cada gesto de Arthur que me corroeu de ciúmes: o sorriso que ele arranca de Olivia, esse lampejo nos olhos dela ao vê-lo, a facilidade com que ele lhe oferece um ombro sem exigir nada em troca. Recordei a cena no restaurante, quando flagrei seus olhares cúmplices, e a acusação — silenciosa, poderosa — que veio de seu coração ferido. Eu precisaria fazer algo drástico para reconquistá-la. Mas o que? Um bilhete ardente, um gesto de submissão radical, talvez até um pedido público de perdão? O veneno do meu ciúme me dizia para demonstrar posse, para dobrá-la aos meus desejos. Mas meu coração, quebrado de amor, sabia que precisava mostrar outra coisa: vulnerabilidade. Raramente sou vulnerável, mas era a única arma que me restava contra meu próprio orgulho. Levantei-me da poltrona de couro escuro e caminhei até a escrivaninha, onde deixara a pasta azul com bilhetes escritos à mão. Peguei um e li em voz baixa: “Olivia, Nunca quis perder você. Fui possessivo demais, egoísta demais. Estou pronto para abrir mão de tudo — meu controle, minha segurança, meu orgulho — por você. Me deixe provar que posso amar livremente, não controlando, mas confiando. Para sempre, Alessandro.” Dobrei o papel com precisão cirúrgica e guardei-o no bolso do paletó. Seria o primeiro gesto de humildade — e talvez de redenção. Na manhã seguinte, pedi ao meu assistente que cancelasse todas as restrições na rotina de Olivia: nada de relatórios extras, nada de convites formais para reuniões emergenciais, nada de motoboys rastreando cada passo. Eu sabia que isso sairia em manchetes internas, mas estava disposto a pagar esse preço. O dia transcorreu em reuniões intermináveis — cada slide apresentado, cada cifra discutida, ecoava em minha mente como um lembrete de quão vazio era o sucesso sem ela. Recebi informes de que Olivia não havia aparecido para a reunião de status, e meu coração afundou. Onde ela estava? Minutos depois, uma mensagem: “Não me procure hoje. Precisamos de espaço.” O espaço cortava como faca. Respondê-la era um risco, mas não responder a mataria de angústia. “Te espero às oito. Não importa onde.” Enviei e desliguei o telefone antes que meu assessor retornasse a ligação. À tarde, revisitei mentalmente cada detalhe do último encontro: a mão dela arrancando a coleira, a dor em cada linha do rosto, o olhar que dizia “eu não sou ela”. Lembrei-me do salão de espelhos, do pacto de amor sem correntes, e logo depois da cobra ameaça de Sergei, tentando lembrar-me de que havia forças externas empenhadas em destruir nosso amor. Armado com o bilhete que escrevi na véspera, decidi que levaria o jantar até ela — não em um restaurante, mas à porta de seu prédio, como nos filmes antigos. Contratei um motorista discreto e um terno elegante para mim. Queria que aquele gesto falasse antes de eu precisar dizer qualquer palavra. Às 19h45, eu já aguardava ao volante de minha BMW preta, com o bilhete e uma caixa de madeira contendo dois taças de cristal e uma garrafa de vinho francês. O ritual de pegar o presente e sair para encontrá-la, sozinho, ainda me arrepiava: era um flerte com a vulnerabilidade, o convite para confiar em mim apesar do caos que eu mesmo criara. *** No hall de entrada do condomínio dela, encontrei-a na portaria, o corpo tenso e a expressão vigilante. Os cabelos soltos, o casaco de lã cinza, os olhos ainda marejados pela noite sem sono. Quando me viu, os lábios se fecharam em linha dura. — Entregue — pedi, estendendo a caixa e o bilhete. Ela olhou primeiro para a caixa, depois para o bilhete, e finalmente para mim. Um silêncio pesado se instalou, como se cada palavra não fosse dita para os ouvidos, mas para a alma. — Não preciso de mais manipulação — ela disse, a voz finalmente forte. — Você não me conquista com bandejas de prata. Meu peito apertou. Eu temia que aquela fosse a sentença definitiva. — Eu sei — respondi, em tom contido. — Mas não é um presente. É uma promessa. Ela me encarou, desconfiada. — De quê? — De que vou mudar. — A voz falhou, mas me mantive firme. — De que prefiro perder tudo antes de perder você. Olhos marejados brilharam em lágrimas que ela tentava conter. — Você sempre diz isso — murmurou. — E sempre volta ao mesmo. — Porque sou humano — confessei, o calor das emoções me dominando. — E erro. Mas dessa vez… desta vez não vou falhar. O ponto de interrogação nos olhos dela vacilou. Eu percebi que ainda havia uma fagulha de esperança queimando sob as cinzas da raiva e da decepção. — Se é verdade — disse ela, num sussurro —, prove agora. Não depois. Não com palavras, com atos. Era tudo o que eu poderia pedir. Entendi que a confiança se reconstrói com gestos, não com discursos. E me preparei para o ato que definiria nosso futuro. A Noite Sentados à beira de um lago artificial, sob tochas bruxuleantes instaladas sobre pilastras antigas, abrimos a garrafa juntos. A luz do luar refletia no espelho d’água, projetando nossas silhuetas num balé de luz e sombra. Ela me observava colocar duas taças na bandeja de prata, o rosto tenso, mas menos rígido. A brisa fria fazia o vestido dela ondular, e eu vi toda a grandiosidade daquele momento: estávamos ali, dois sobreviventes de um amor brutal, tentando ressuscitá-lo na penumbra de nossas inseguranças. — Beba — convidei, erguendo a taça. Ela hesitou e, então, tocou suavemente meu pulso antes de aceitar. — Obrigada — disse, a voz suave. — Por essa… serenata. Sorri pela primeira vez em dias. — Por você, tudo. O silêncio se instalou, confortável agora. Bebemos em uníssono. E, sob o luar, jurei para mim mesmo: faria de cada noite um ato de reconquista. Porque, apesar dos fantasmas e das sombras, ela ainda era a única dona do meu coração. Mas, ao erguer o olhar para o lago, percebi algo que congelou minha alma: a figura encapuzada no limite da clareira, parada, imóvel. Observando-nos. O sangue gelou em minhas veias. O medo retornou, mais forte. Olivia viu também. Nossos olhares se encontraram, e pela primeira vez, a aliança selada por aquele gesto ameaçava se desfazer. Ela apertou minha mão. — Não vai desistir de mim — murmurou, o corpo tremendo. — Nunca — prometi, firme. Mas, naquele instante, percebi que talvez o maior inimigo não fosse Sergei, nem Arthur, nem mesmo meus próprios demônios — mas sim o limite do poder que eu tinha sobre nosso amor. E, enquanto a figura encapuzada permanecia imóvel no escuro, compreendi que a verdadeira batalha apenas começava.
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