Capítulo 1: O Primeiro Confronto
Olivia Hayes
O elevador, um monólito de aço escovado e cristal, ascendeu com uma suavidade quase etérea, mas meu estômago insistia em se contorcer em um nó apertado. Não era o movimento, mas a gravidade daquele momento que me prendia. O trigésimo andar, o epicentro do império Volkov, representava mais do que um mero destino; era o limiar de uma nova era para mim, Olivia Hayes, com meus vinte e seis anos e um currículo que beirava o impecável. A vaga de assistente executiva para Alessandro Volkov não era apenas um cargo; era uma promessa, um abismo de oportunidades ou, talvez, uma queda vertiginosa.
As portas se abriram com um silvo quase inaudível, revelando um santuário de minimalismo e opulência. O mármore italiano, polido até um brilho espelhado, refletia a luz difusa que emanava de luminárias embutidas no teto. Obras de arte abstratas, que pareciam desafiar a lógica e a gravidade, adornavam paredes de um cinza-chumbo elegante. O silêncio era quase palpável, quebrado apenas pelo ocasional sussurro de um teclado distante ou pelo zumbido quase imperceptível do ar condicionado central. A recepcionista, uma figura de elegância contida com um coque perfeitamente alinhado e um sorriso profissional que não alcançava a profundidade de seus olhos, indicou-me o caminho para a sala de espera.
― Ele a atenderá em breve, Srta. Hayes.― sua voz era tão polida quanto o ambiente. ― O Sr. Volkov está terminando uma ligação importante.
― Obrigada. ― murmurei, afundando-me em uma poltrona de couro que parecia abraçar meu corpo, embora a adrenalina em minhas veias não permitisse qualquer vestígio de relaxamento. Repassei mentalmente cada ponto da minha apresentação, cada projeção, cada resposta potencial para as perguntas mais capciosas. Alessandro Volkov. O nome em si já evocava uma mistura de reverência e temor nos círculos empresariais. Um magnata da tecnologia e das finanças, conhecido por sua mente afiada, sua ambição insaciável e, diziam os sussurros, por uma personalidade tão gélida quanto o inverno russo de sua ascendência.
Os minutos se arrastaram com uma lentidão excruciante, cada tique do relógio de parede — uma peça de design nórdico que parecia zombar da passagem do tempo — amplificando minha ansiedade. Pensei em minha pequena república de estudantes, no cheiro persistente de café barato e nos debates noturnos que se estendiam até o amanhecer sobre os mais variados temas. Ali, tudo era diferente. As apostas eram maiores, e a margem para erro, inexistente. O humor, meu refúgio habitual em situações de estresse, parecia ter tirado férias permanentes. Que ironia: eu, que sempre encontrava algo para rir até na mais desastrosa das situações, estava paralisada. Talvez a aura de Volkov tivesse um efeito paralisante em todos. Eu me peguei imaginando se ele possuía algum tipo de campo de força invisível que transformava pessoas normais em estátuas petrificadas de nervosismo. A ideia, por mais absurda que fosse, me fez dar um sorriso contido. Pelo menos isso.
De repente, um som metálico e seco. A porta de mogno maciço da sala principal se abriu, revelando-o.
Alessandro Volkov.
As descrições, os artigos de revista, as fotos borradas em jornais de negócios – nada fazia jus à sua presença. Ele não era apenas alto; ele era imponente, uma figura esculpida em um terno sob medida que acentuava a largura dos ombros e a cintura estreita. Os cabelos escuros, quase ônix, caíam sobre uma testa larga, e os olhos… Ah, os olhos. Eram de um azul tão profundo que pareciam absorver a luz do ambiente, penetrantes, avaliadores, e carregados de uma intensidade que quase me fez recuar instintivamente. Ele não sorria. Seus lábios finos estavam em uma linha reta, um traço de dureza que contrastava com a perfeição geométrica de seu rosto. Ele era a personificação da formalidade implacável, da autoridade inquestionável.
Ele não se moveu imediatamente. Apenas me observou, atravessando a sala de espera com o olhar, como se eu fosse um objeto a ser inspecionado, minuciosamente. E, por um breve instante, senti-me exatamente assim: uma peça em seu tabuleiro, uma engrenagem a ser testada. Respirei fundo, endireitei a postura, determinada a não ceder um milímetro.
― Srta. Hayes. ― sua voz era grave, com um leve sotaque que eu não consegui identificar de imediato, mas que adicionava uma camada extra de sofisticação e, admito, um ar de perigo. ― Entre.
Levantei-me, mantendo a compostura, e segui-o para o escritório. O espaço era ainda mais grandioso que a sala de espera. Uma parede inteira de vidro oferecia uma vista panorâmica de Maricá, estendendo-se até o horizonte, onde o azul profundo do Atlântico se fundia com o céu em uma linha indistinta. Uma mesa de reuniões gigante, de ébano polido, dominava o centro do ambiente, mas era a mesa executiva dele que chamava a atenção: uma peça robusta de madeira escura e metal, impecavelmente organizada, com apenas um laptop de última geração e uma pilha de documentos estrategicamente posicionados.
Alessandro apontou para uma das cadeiras em frente à sua mesa, sem se sentar primeiro. Uma pequena, mas eficaz demonstração de poder. Eu me sentei, as costas retas, minhas mãos juntas no colo, sentindo o tecido da minha saia de alfaiataria roçar contra a pele. Ele circulou a mesa lentamente, com uma graça predatória, e sentou-se, apoiando os cotovelos na madeira escura, os olhos fixos em mim, como se tentasse decifrar cada pensamento que passava pela minha mente.
― Olivia Hayes. ― ele começou, sua voz agora mais próxima, quase um sussurro que me arrepiou a nuca. ― Seu currículo é… impressionante. Demasiadamente impressionante, diria eu, para alguém de sua idade.
Não era um elogio. Era uma provocação velada, um desafio lançado com a precisão de um dardo. Mantive meu olhar firme no dele, recusando-me a desviar.
― Acredito que competência não é definida por idade, Sr. Volkov. E, se me permite, o considero um bom discernidor de talentos.
Um músculo contraiu em sua mandíbula. Quase um sorriso, mas não totalmente. ― Atrevida. Gosto disso. Ou talvez não. Ainda não decidi.
O ar na sala ficou denso, quase elétrico. Era um jogo, e eu estava sendo avaliada em cada movimento, cada palavra, cada respiração. Ele pegou um dos documentos em sua mesa, um relatório financeiro complexo, e o deslizou em minha direção.
― Analise isto. Em cinco minutos. Diga-me as principais falhas e o que faria para corrigi-las. Fale em voz alta.
Cinco minutos? A pressão era absurda. Era um teste de raciocínio rápido, sim, mas também um teste de nervos, de resistência sob escrutínio. Ele se recostou na cadeira, observando-me com uma intensidade que beirava o desconforto, como um falcão prestes a atacar. Mergulhei nos números, na linguagem técnica, sentindo o suor frio escorrer pelas minhas costas. O silêncio dele era mais pesado que qualquer repreensão, mais intimidador que qualquer grito.
― A primeira falha reside na projeção de fluxo de caixa. ― comecei, minha voz um pouco mais tensa do que o desejado, mas firme. ― Há uma subestimação dos custos operacionais no terceiro trimestre, o que pode levar a um déficit inesperado. Para corrigir, eu revisaria os dados de inflação e as previsões de custo de matéria-prima, propondo uma margem de contingência de quinze por cento.
Ele assentiu lentamente, sem desviar o olhar. Era um assentimento que poderia significar aprovação ou apenas que ele me ouvia, registrando cada palavra. A ambiguidade era torturante. Enquanto eu falava sobre as próximas falhas e minhas soluções, senti seu olhar se demorar em meu rosto, depois descer para meu pescoço, meus ombros, e finalmente repousar em minhas mãos, que estavam firmemente entrelaçadas em meu colo. Era um olhar que me despia, mas não de forma vulgar. Era um olhar que perfurava, que buscava algo mais profundo, algo além da superfície. Havia uma i********e inesperada, uma faísca perigosa naqueles olhos azuis, que me fez prender a respiração por um instante, um choque elétrico percorrendo minha espinha.
Quando terminei, ele não disse nada por um longo momento. Apenas continuou me olhando, seus olhos azuis como duas esferas de gelo que me devoravam. O silêncio era agonizante, preenchido apenas pelo zumbido distante do ar condicionado e pelo batimento acelerado do meu próprio coração. Senti o rubor subir ao meu rosto, uma mistura de exaustão, frustração e uma estranha, quase inconfessável, atração.
Ele finalmente se inclinou para frente, as mãos unidas sobre a mesa, e sua voz baixou para um tom quase conspiratório.
― Muito bem, Srta. Hayes. Impressionante, de fato. ― Ele fez uma pausa, e um sorriso quase imperceptível, um mero movimento de um canto dos lábios, surgiu. ― No entanto, sua análise carece de um elemento crucial.
Meu coração disparou. Eu havia falhado? Depois de tudo? A perspectiva de ter me exposto tanto, de ter me esforçado tanto, apenas para ser descartada, era um golpe.
― Qual, Sr. Volkov? ― perguntei, minha voz m*l mais que um sussurro, quase inaudível.
Seu olhar encontrou o meu, intenso, quase hipnótico, e eu senti um arrepio percorrer meu corpo.
― O elemento surpresa, Srta. Hayes. O fator humano. A capacidade de antecipar o imprevisto… e controlá-lo.― Ele então se recostou novamente na cadeira, com um brilho misterioso nos olhos, um brilho que parecia desafiar-me a decifrá-lo. ― Você parece ter um bom instinto para o controle, não é?
Engoli em seco. O que ele queria dizer com aquilo? Aquela não era uma pergunta sobre meu currículo ou minhas habilidades financeiras. Era algo mais, algo que me deixava desconfortável e intrigada ao mesmo tempo.
― Acredito que sou capaz de lidar com imprevistos, Sr. Volkov. ― respondi, tentando manter a voz firme, mas sentindo um frio na espinha que nada tinha a ver com o ar condicionado.
Ele sorriu de novo, um sorriso que não alcançava seus olhos, mas que era mais perturbador do que qualquer carranca.
― Oh, eu não duvido. Na verdade, estou convencido disso.― Ele se levantou, caminhando lentamente até a parede de vidro, dando as costas para a cidade que se estendia abaixo, mas mantendo a aura de poder sobre mim. ― E é por isso que tenho uma proposta para você, Srta. Hayes. Uma que vai muito além das responsabilidades habituais de uma assistente executiva.
O ar pareceu rarefeito. Minha mente girava, tentando processar as implicações de suas palavras. Uma proposta incomum? O que ele queria? E, mais importante, o que ele esperava de mim? O suspense era um nó em minha garganta, um peso em meu peito, e eu sabia que, para o bem ou para o m*l, minha vida estava prestes a mudar irremediavelmente. A cidade lá fora parecia pulsar com uma energia que ecoava a minha própria confusão, e eu me vi à beira de um precipício, sem saber se o salto me levaria à glória ou à ruína.