FRANCO MATTIOLI NARRANDO
O Grupo Mattioli era um dos maiores do Brasil. O tamanho do patrimônio e o prestígio que o nome levava iam além do que todos imaginavam. E era exatamente por isso que eu não conseguia parar de pensar na reunião que teria em meia hora. Comandar milhares de pessoas não era uma tarefa fácil, e por isso eu criei meus filhos para serem fortes, mais fortes do que tudo e todos. Ser um Mattioli significava carregar o peso da soberania nas costas, e você precisava de costas calejadas para suportar a pressão.
Meu escritório era o lugar mais sóbrio e silencioso de um prédio de vinte e cinco andares. Eu dominava todo o andar da cobertura e ninguém are autorizado a entrar lá sem minha permissão. Apenas três pessoas possuíam autorização para transitar por aquele andar: Priscilla Goulart, minha secretária; Estella, a faxineira e Dionísio, chefe da segurança. Para evitar que qualquer pessoa tivesse acesso a informações minhas, jamais permiti nenhum tipo de decoração que mostrasse qualquer parte da minha vida privada. Nem sequer fotos dos meus filhos. Lucca e Nico jamais seriam meus pontos fracos. Caminhei até a grande janela que ia do teto ao chão e mostrava a vista do Centro. Aquela selva de pedra era minha casa, meu habitat natural e eu, como um bom predador, me tornei seu imperador.
Olhei para o Rolex no pulso e então para minha mesa, pousando meus olhos nas pastas com as fichas das candidatas a tutoras de Lucca e Nico. A doença de Marta foi um golpe inesperado em um momento nada oportuno para minha agenda. Não tinha tempo para uma série de entrevistas e nem para testar uma a uma a aquelas mulheres.
— Senhor, sua reunião começará em instantes. Precisa que eu ajude em alguma coisa? — Priscilla parou em frente à mesa com as mãos juntas na frente do corpo.
— Separe os arquivos das tutoras em ordem alfabética e certifique-se de que possuem pelo menos 90% das qualidades exigidas. As demais fichas descarte. — Disse, pegando meu terno e vestindo.
— Sim senhor, deixarei os arquivos na sua mesa para que veja após a reunião.
Aquela reunião não passava de uma estratégia de um dos acionistas para tentar criar uma brecha em minha autoridade. Mas nenhum deles poderia ser opor já que eu era o acionista majoritário. Charles discursava eloquentemente para os demais em busca de apoio, em busca de um coro que repetisse as mesmas imbecilidades que ele. Escutei com paciência a cada palavra me perguntando como alguém deixava um homem e******o como aquele a frente de alguma coisa. Não era de se esperar que fosse tratado como um asno pela esposa vinte e cinco anos mais nova. Assim que aquela infame declaração terminou, todos os outros dirigiram a mim seus olhares para ver se eu estaria com semblante derrotado, já que me opus desde o início àquela ideia surreal de investir em uma tecnologia barata e arriscada.
— Parabéns, Charles. — Levantei um canto dos lábios.
Charles arregalou os olhos surpreso e consertou a postura sentindo-se o vencedor. Ser c***l me dava um imenso prazer. Entrelacei as mãos em cima da mesa, ergui uma sobrancelha e olhei nos olhos de cada um presente.
— É claro que investir em uma tecnologia barata e ultrapassada é uma excelente ideia. Sigamos o exemplo da Halpharmacy e desperdicemos dinheiro em remédios que matarão centenas de milhares de pacientes renais. É claro que modificar a fórmula de um remédio que já se provou ineficaz é uma ótima saída. Por um acaso você sequer sabe como funciona uma hemodiálise, Charles? Sabe que além de ajudar a filtrar as impurezas, ela também ajuda a hiperpotassemina? Mas é claro que nada de errado pode acontecer se dermos aos pacientes que fazem hemodiálise um remédio que dobrará, ou até mesmo triplicará a quantidade de potássio em seu sangue causando parada cardíaca, não é mesmo? — Recostei na cadeira e coloquei as pernas cruzadas sobre a mesa e as mãos entrelaçadas na barriga.
— Nossos químicos... — Charles tentou rebater.
— Eu conversei com todos os cientistas envolvidos nas pesquisas, que por sinal, você conduziu pelas minhas costas. Foi um coro unânime de que o remédio, inicialmente geraria um lucro de mais de cem milhões de reais em um período de seis meses. Entretanto os danos colaterais começariam a aparecer nos pacientes em torno de cinco a seis meses e então, meus caros, em dois meses os processos e indenizações começariam a bater à nossa porta. E assim que a primeira morte fosse colocada nas nossas costas, milhares cairiam em nossos colos e daríamos adeus aos lucros, que se transformaria em um prejuízo de mais de 1.2 bilhão de reais. E eu te pergunto, Charles, do bolso de quem sairá esse valor a pagar por essa “gestação de potássio” que você montou?
Todos na reunião encaravam Charles Mountbergg indignados com a falta de transparência e o risco em que colocara o futuro da empresa.
— Não há nada que prove sua teoria sobre os efeitos colaterais. E como você sabia sobre isso? Quem delatou a você sobre as pesquisas? — Charles começou a ficar vermelho e irritado. — Você não pode provar suas afirmações sem que um cientista especializado confirme!
— Esse é um dos motivos de essa cadeira pertencer a mim e não a você, Charlie... Você não tem capacidade para comandar um império. — Levantei e caminhei até estar de frente com aquele velho e******o.
Os acionistas pareciam segurar o fôlego, sem saber o que aconteceria no instante seguinte. Deborah, uma das secretárias presentes, me chamou avisando que meu convidado de honra estava pronto para participar da reunião. Olhando para baixo para encarar Charles nos olhos, disse:
— Me dê o controle, Charles. Está na hora de te mostrar como um líder garante o sucesso de sua empresa. — Tomei o controle da mão dele e apertei o botão para transmitir a videoconferência. — Apresento a vocês o Doutor John Haustedd, o maior nome da atualidade quando se trata de Nefrologia, que ganhou um Nobel em medicina por suas recentes descobertas. Ele lidera a maior equipe de pesquisa do mundo sobre tratamento para falência renal. Assim que soube que Mountbergg estava brincando de cientista, entreguei todo o projeto dele nas mãos de Haustedd, para que fosse avaliado por alguém que realmente soubesse o que estava fazendo.
Não demorou muito para que todos os presentes ficassem furiosos com as informações transmitidas pelo pesquisador, e quando foi anunciado que a empresa poderia receber um processo de escala nacional por matar pacientes intencionalmente, eu senti mais uma vez o sabor da vitória na boca. A reunião terminou mas antes que todos saíssem, fiz questão de anunciar a compra da parte das ações de Charles e seu total afastamento do Grupo Mattioli, para que servisse de exemplo para quem pensasse em fazer algo pelas minhas costas.