02

754 Words
Meu telefone tocou outra vez me tirando do torpor e eu pensei duas vezes antes de atender. Mas se deixasse Priscilla sem resposta, ela me ligaria até eu atender. Respirei fundo, sequei as lágrimas e coloquei o celular próximo ao ouvido. — Oi, Pri... — Tentei esconder a voz embargada. — Eu sinto muito amiga. Eu não acredito que eles fizeram isso. Acabei de ligar para a Sandra e ela disse que não ficaram com você porque deram a vaga para a filha de alguém ligado ao diretor. Pelo que entendi parece que o tal diretor tem o r**o preso com algum político. Todo o processo seletivo foi só uma desculpa para justificar a contratação dela. — Tá tudo bem... Eu não devia ter criado expectativas. — Funguei tentando não chorar. — Eu vou ter que aceitar o trabalho do Jasper... Não tenho outra saída. A mensalidade do hospital vence em quatro dias e o Silvino só me deu até o fim da semana para ficar lá. — Espera! Não aceita a proposta daquele imundo! Eu tenho mais uma carta na manga e vou mexer uns pauzinhos. Mas você precisa me prometer que vai dar o sangue pra conseguir se manter nesse emprego, ou eu posso acabar indo pra rua por te colocar na jogada. — Priscilla tentou me animar fazendo algumas ameaças e então desligou. Eu precisava estar recuperada para ver minha mãe ainda naquela manhã. Hoje era dia de visita e eu teria a oportunidade de almoçar com ela, o que raramente me permitiam. Quando cheguei no hospital fui educadamente lembrada de que o boleto estava prestes a vencer e avisei que pagaria em dia. Um funcionário me levou até o quarto da minha mãe e eu respirei fundo antes de entrar. “ Ela está um pouco aérea hoje” ele disse antes de ir embora. Quando entrei no quarto, ela contemplava uma pintura na parede que eu fiz para ela. Era um campo verde com uma plantação de girassóis com uma casa em estilo toscano ao fundo. Ela balançava o corpo devagar de um lado para o outro, como se dançasse uma música em sua cabeça. — Mamãe? — A abracei por trás. — Como você está? Se sente melhor? — Eu moro ali. — Ela apontou para a casinha. — Sim, você e eu moramos ali e colhemos girassóis todos os dias. — Dei um beijo em seu ombro. — Você já almoçou ou me esperou pra gente comer juntas? Ela não respondeu minhas perguntas pelos minutos seguintes até que, num estalar de dedos, a mente dela reiniciou a fazendo voltar a realidade. Minha mãe virou-se para mim e me deu um forte abraço, tão apertado e repleto de amor, que me fez segurar o fôlego para não chorar. — Como foi a entrevista, meu amor? — A voz dela voltou a soar como antigamente e eu a puxei para que se sentasse comigo na mesa para almoçar. Sem coragem para assumir mais um fracasso, apenas assenti com a cabeça. — Vamos, conte para essa velha coruja como minha princesa se saiu na sua primeira entrevista de emprego. — Ela sorriu. Os acontecimentos sempre ficavam enevoados na mente dela, então toda entrevista era sempre a primeira. — Foi ótima mamãe. Eles me amaram e eu vou começar na próxima semana. O restante da visita transcorreu bem, fiquei um pouco deitada com ela na cama enquanto acariciava minha cabeça. Quando notei que ela havia dormido, resolvi ir embora e começar a me preparar para aceitar a proposta de emprego na casa noturna de Jasper. Chegar em casa costumava ser reconfortante no passado, mas agora era como chegar em um canto obscuro da minha própria mente. Meu estômago começou a roncar e eu lembrei que não havia comido nada desde que acordara. Joguei minha bolsa na cama e abri o frigobar para ver o que tinha sobrado. Praticamente nada. Eu só tinha uma garrafa de água e uma banana para comer pelo restante do dia. Gostaria de gastar alguns trocados e comer um belo salgado de queijo com presunto, mas cada centavo que eu gastava comigo faltaria para minha mãe. A sensação de impotência me dominou outra vez e não tive escolha a não ser me trancar no banheiro, pegar a lâmina e pressionar contra meu antebraço. As lágrimas vieram outra vez e senti a ardência na pele. Uma única gota vermelha pingou na minha calça e eu recostei a cabeça na parede para perguntar a Deus quando aquele tormento teria fim.
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