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1458 Words
SOPHIA NARRANDO Marta me avisou que eu precisaria usar o uniforme completo para trabalhar e que só poderia circular sem ele nos dias de folga. Aquilo não me surpreendia, muitas famílias abastadas exigiam que os empregados andassem todos uniformizados, alguns por questão de conceito e estética, outros para deixar claro o lugar do funcionário na casa. Para mim era um grande tanto faz andar de uniforme ou roupa normal, contanto que tivesse mangas cumpridas. Já na porta do meu quarto na área dos criados, senti o entusiasmo por ter um quarto de verdade, mesmo que não fosse na minha própria casa. Eu teria um banheiro decente, uma cama quente e conforto outra vez. Todavia o que me trouxe mais alento foi saber que agora minha mãe estaria segura e eu poderia pagar por seu tratamento sem qualquer dificuldade, além de poder quitar as outras dívidas e juntar dinheiro para, no futuro, dar entrada no meu próprio canto. Abri a porta e senti o conforto que aquele simples quarto me proporcionava. Cinco anos vivendo miseravelmente me fez esquecer como era saborear o conforto e o luxo. O quarto era branco, simples e elegante. O que mais me chamou atenção foi a cama de viúva, aquela cama parecia uma nuvem branca e macia como algodão. Fechei os olhos e passei a mão sobre a colcha bem esticada sentindo a maciez até que meus dedos encostaram em um objeto. Abri os olhos e me deparei com um envelope. Ao abrir me dei conta de que tinha nas mãos o comprovante de uma transferência bancária de cinco mil reais para minha conta. Meus olhos marejaram e eu comprimi meus lábios para não chorar em voz alta. Talvez eu não tenha sido tão silenciosa assim, já que Marta bateu na porta e entrou no quarto para ver como eu estava. — Não se espante criança. O patrão faz isso com todo novo funcionário para garantir que o trabalho seja feito com perfeição. — Ela passou a mão nas minhas costas e deu alguns tapinhas para me consolar. Depois de ser deixada sozinha outra vez, abri as portas do armário e comecei a organizar minhas coisas nas gavetas e cabides. Percebi que eles já tinham encomendado cinco trocas de uniformes para mim e que tudo estava pendurado e organizado com tamanho exímio, que m*l pareciam ser roupas de verdade. O uniforme consistia em uma calça social cor creme com uma blusa branca de botões que se fechavam na diagonal. As mangas possuíam um friso dourado assim como os botões. Eu precisaria calçar sapatos sociais brancos com meias igualmente brancas. Meu longo cabelo loiro claro teria de ficar preso em um coque baixo e bem apertado, o que seria um desafio, já que meu cabelo era ondulado e rebelde. Eu precisaria estar de pé às seis da manhã para preparar o café das crianças e então acordar os dois às sete em ponto. Os meninos estudavam na parte da tarde, então, durante a manhã inteira fariam aulas de artes e idiomas comigo. Meio dia em ponto o almoço tinha de ser servido e às uma da tarde eles precisavam estar na porta de casa para que o motorista os levasse até a Império do Ensino. Ouvir o nome daquela escola outra vez me fez revirar o estômago. Fui ao banheiro tomar banho e vestir o uniforme para poder conhecer as crianças, e fiquei espantada, que até o banheiro da empregada era decorado e bonito. Normalmente a área dos empregados era o mais simples possível, as vezes nem parecia fazer parte da casa dos patrões, o que eu achava um absurdo. Agradeci ao arquiteto da mansão pelo cuidado com os funcionários e fui tomar banho no chuveiro que, provavelmente, custava uns três meses de trabalho meu. Um salário de dez mil reais por mês não era pouca coisa. Juntando com os benefícios, o fato de não pagar aluguel e nem precisar encher a geladeira também ajudavam a deixar o contracheque mais gordinho. Eu receberia nas férias, além de ter direito ao décimo terceiro salário, plano de saúde top de linha da própria empresa e um adicional por cuidar da organização da casa. Agora eu poderia mandar Jasper ir para a casa do c*****o quando ele me perguntasse outra vez sobre leiloar minha virgindade. Lembrar do fato de ser virgem aos vinte e seis anos de idade era constrangedor. Não é que eu quisesse ser casta ou freira. Eu tive um namorado há cinco anos. A gente se conheceu no meu oitavo período na faculdade e eu me apaixonei a ponto de achar que ia casar com ele. Começamos a sair e tudo ia bem, eu já tinha decidido perder a virgindade com ele e nós dois até chegamos a marcar um date para que ele me levasse no apartamento dele, que era dividido com o irmão mais velho. Acontece que, na semana do meu encontro premiado, estourou o escândalo da minha família. Como Riccardo era de uma família de artistas famosos, a primeira coisa que ele fez foi me bloquear em tudo e fingir que nunca me conheceu. Doeu, não vou mentir, doeu bastante, mas a gente só estava junto há dois meses e eu sempre soube que a mais apaixonada e iludida era eu. Desde então eu não tive mais tempo para encontros e nem dates com ninguém. Minha vida foi ladeira a baixo e eu virei a tiazona que não dava nem um beijinho há quase seis anos, mesmo tendo o sonho de casar e viver um grande amor. É, fazer o quê? Fui ensinada pela minha mãe a acreditar nos romances dos livros e filmes. Criada a base de comédias românticas americanas e fã de carteirinha do Mr. Darcy e do Captain Wentworth. O que eu sabia ser um grande problema, porque se existissem homens como eles, com certeza eu teria zero chances. Não chegava aos pés da gentileza e amabilidade da Anne Elliot e não possuía uma língua afiada e uma beleza capaz de enfeitiçar um homem como Elizabeth Bennet. Diferente dela, eu realmente sentia que não havia nada demais em mim. Despeitada, desbundada e magricela... Com certeza, eu sim era a “tolerável”. Já vestida adequadamente, me olhei no espelho de corpo inteiro respirei fundo. Era difícil tentar parecer madura quando se aparentava ser mais nova do que sua idade real. Nem eu conseguia me levar a sério, contudo, uma cara séria e formal ajudaria a disfarçar isso. Avisei Marta que eu estava pronta para conhecer as crianças e esperei por ela no imenso hall bem no meio da casa, Só aquela sala gigante já devia valer uns bons milhões. Tudo decorado com sofisticação e obras de arte abstratas. Esse esmero todo só para ter uma escada para o segundo andar. Sei que antigamente eu acharia tudo aquilo muito necessário e elegante, mas depois de estar do outro lado da moeda, passei a achar supérfluo tudo o que era exageradamente caro e não essencial. Parei na porta da área de recreação das crianças e esperei Marta entrar e avisar sobre a minha chegada. Entrei logo em seguida depois de ser anunciada, e me deparei com duas crianças lindas. Ambos com cabelo preto como o do pai e olhos azuis celestes. Os dois eram altos para a idade e, por mais que fossem gêmeos, a personalidade de ambos ficava muito expressiva em suas faces. A sala possuía uma decoração muito madura para crianças e os jogos pareciam mais uma continuidade dos estudos. Todos voltados para desenvolver o raciocínio lógico. Onde estava as brincadeiras de crianças? Videogames, bola, carrinhos, bichinhos de pelúcia, até mesmo a bendita Galinha Pintadinha, pensei. – Oi. – Acenei e sorri para eles. O que parecia mais sociável acenou de volta enquanto o outro virou a cara para encarar o tabuleiro de xadrez. – Você é a nova babá? – O mais fofinho perguntou, me deixando espantada pela dicção perfeita. – A Sophia é a nova babá e tutora de vocês. Respeitem as ordens dela e façam tudo o que ela mandar para que o senhor Mattioli não puna vocês dois. – Marta colocou a mão no meio das minhas costas e me levou para mais perto deles. – Esse aqui é Lucca, ele é muito falador e gosta de inventar histórias. Aquele ali é o Nico, ele é mais quieto e não gosta muito de conversar. Não se assuste se ele te ignorar o dia inteiro. Agachei e estiquei a mão para Lucca, abrindo um sorriso amistoso. Ele apertou minha mão de volta com um sorriso tímido e olhou para Marta a fim de saber se podia fazer aquilo. Marta assentiu e deixou o cômodo, me largando sozinha com aqueles dois “mini- Francos”.
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